Foram mais de 700 ilustrações para capas de LPs, CDs, DVDs, livros e cartazes de shows e peças, muitas delas emblemáticas da história da música e da cultura brasileira, um arsenal de imagens fruto da criação de toda uma linguagem visual para a arte do Brasil. Morto, ontem, aos 76 anos, após complicações em decorrência de um infarto, Elifas Andreato ajudou a dar cara à cena musical e teatral de um país embalado pelo samba, pela bossa nova, pela tropicália e por praticamente todos os movimentos que marcaram a música e a cultura nacional no século 20.
Andreato acumulava mais de quatro décadas de carreira, todas elas sempre muito produtivas, embora nem sempre com o mesmo entusiasmo. Em entrevista ao Correio comentou que "nos últimos anos, a indústria fonográfica praticamente deixou de existir. Tem muita coisa nova acontecendo, mas boa parte não me agrada. Não ouço e não gosto”, contou.
Um dos trabalhos marcantes de Elifas, pela indignação, foi o registro sobre a prisão, tortura e assassinato de Vladimir Herzog, ocorrida em 25 de outubro de 1975. A obra ganhou uma reprodução em forma de mosaico, na Praça Vladimir Herzog, situado no centro de São Paulo, próximo ao prédio da Câmara Municipal.
A morte de Elifas foi anunciada pelo irmão, o ator Elias Andreato, no Instagram. “Meu irmão mais velho, desde pequenino, rabiscava seus sonhos e ia mudando o nosso destino. Tudo o que ele tocava com as suas mãos, virava coisa colorida, até a dor que ele sentia era motivo de tinta que sorria”, escreveu.
Entre as capas emblemáticas estão as de discos como Nervos de aço, de Paulinho da Viola, Arca de Noé, de Vinicius de Moraes, Luz das Estrelas, de Elis, Regina, Ópera do malandro e Almanaque, de Chico Buarque, e Nação, de Clara Nunes. “Ele é a cara da MPB”, acredita o ilustrador e escritor Roger Mello, autor do premiado Meninos do mangue. “O traço do Elifas se confundiu muito com uma tentativa de identidade gráfica na música popular brasileira, ele incorpora o fotográfico, mas com um elemento de composição. Até a assinatura dele é muito artística. É um imprint, de uma certa maneira, ele incorpora a qualidade musical da MPB e consegue sintetizar isso de maneira plástica. É um artista gráfico em que a tipologia está profundamente ligada a essa imagem sociável”.
Mello conta que Andreato era referência tão importante que chegou a tentar imitá-lo durante os anos de estudo na Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI). Entre as lembranças estão também as capas de livros. Leva a assinatura de Andreato a primeira edição de Lamarca, o capitão da guerrilha, de Emiliano José e Oldack Miranda, para a Global editora. “Ele foi um excelente artista, um homem da arte, uma pessoa que produziu muita coisa interessante”, conta Jeferson Luiz Alves, editor da Global, que sempre enxergou uma unidade na produção de Andreato para os produtos editorais e musicais. “Conceitualmente são diferentes, mas artisticamente não, existe uma similaridade no trabalho dele que percorre todos esses caminhos. Tem um fio condutor que conduz as capas dos livros, dos álbuns, os posters, a identidade é permanente, é conduzida.”
Elifas Andreato nasceu em Rolândia, no interior do Paraná, em uma família de lavradores que imigraram para São Paulo nos anos 1950. Menino, trabalhou como marceneiro em uma multinacional até ser notado, durante uma festa de fim de ano, pela habilidade em construir cenários. Um chefe ficou surpreso com a decoração do evento, criada por Elifas, que acabou conseguindo bolsa de estudos e estágios em agências de publicidade. Ele fez parte da primeira geração a integrar as revistas da editora Abril e, enfronhado no meio do jornalismo e da publicidade, conheceu os artistas e passou a fazer de cenários e cartazes de divulgação das peças às capas de discos e livros. “Elifas era responsável pelo sustento, tirou a família do cortiço em que morava e teve um papel transformador nessa família. Tirou de uma situação de miséria mesmo”, conta Dirceu Alves, autor de Elias Andreato - A máscara do improvável. “Ele retratava muito a cara do brasileiro, mas não era de um jeito triste, era com colorido, com alegria. Reproduzia a dor brasileira com alguma esperança e alegria.”
Foi por meio dos contatos de Elifas que Elias, hoje reconhecido como um dos grandes nomes do teatro brasileiro, adentrou o mundo dos palcos e enxergou a possibilidade de ali fazer carreira. É para ele, aliás, que Elifas produziu o último trabalho: o cenário de Morte e vida Severina, com estreia marcada para abril no Teatro Tuca, em São Paulo.
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Para sempre, Bebel
Atriz que deu vida a Bebel de A grande família, Djenane Machado morreu, aos 70 anos
Dividida entre o mundo das vedetes e explosões de sucesso na televisão dos anos de 1970, a atriz Djenane Machado morreu, aos 70 anos. Ela não teve filhos e era acompanhada por uma cuidadora, numa rotina pacata no Bairro Peixoto, no Rio de Janeiro. No currículo, a atriz teve por destaque a participação no seriado A grande família, no qual viveu Bebel, na primeira temporada da atração da Rede Globo. Desde a morte do famoso pai, o produtor de teatro de revista Carlos Machado, em 1992, Djenane estava afastada dos palcos. Ela não teve a causa da morte confirmada.
Filha da figurinista Gisela Machado, a atriz viveu grandes parcerias cômicas, como em O primeiro amor (1972), novela na qual foi afirmada a parceria entre Paulo José e Flávio Migliaccio, que, respectivamente, viveram Shazam e Xerife. Outro ponto alto de Djenane foi ao lado do personagem de Lima Duarte, em Espelho mágico (1977). Um dos marcos nos palco veio em 1974, com Hip hip Rio. O pai, Carlos Machado, por vezes, intercedeu na carreira da filha que, pela vida, teve muitos episódios de altos e baixos gerados por dependência química. Quem tentou ajudá-la foi a amiga e estrela de cinema Odete Lara. O cinema trouxe relativa estabilidade, quando ela despontou em A penúltima donzela (1969), comédia feita ao lado de Adriana Prieto. Outros momentos de brilho vieram com Já não se faz amor como antigamente (1976) e dois títulos sob direção dos artistas renomados Paulo Thiago (Águia na cabeça, 1984) e Ruy Guerra (Ópera do malandro, adaptada em 1985). No filme ela viveu a prostituta Shirley Paquete.
Até o último sucesso na Rede Globo, com Ciranda de pedra (1981), baseada em texto de Lygia Fagundes Telles, e estrelada por Eva Wilma, Djenane seguia lembrada pela personagem, criada em 1973, Bebel, que, futuramente, seria encarnada por Guta Stresser. Curiosamente, para justificar a troca de atriz do papel (foi substituída por Maria Cristina Nunes), o seriado em torno do subúrbio nacional colocou o personagem de Agostinho (o marido) acreditando, firmemente, na versão de que a mulher teria feito uma plástica.
No terreno das novelas, Djenane coletou sucessos com Véu de noiva (1969), sob direção de Daniel Filho, ao lado da estrela do folhetim de Janete Clair Regina Duarte. Djenane esteve presente na novela de estreia de Dias Gomes, A ponte dos suspiros, em que viveu a personagem Branca, na trama estrelada por Carlos Alberto. Com o mesmo ator, que dividiu o sucesso em Passo dos ventos (1968), obra de Janete Clair, Djenane estaria, ao lado de Renée de Vielmond, na novela Novo amor (1986), da extinta Rede Manchete. Na mesma emissora, a atriz deu fim à carreira na novela Tudo ou nada (1986), junto com Eizângela e Othon Bastos.
Antes de participar de Assim na Terra como no céu, atração da Rede Globo assinada por Dias Gomes, em 1970, Djenane acompanhou a relação de amor dos personagens de Glória Menezes e Tarcísio Meira, na dramática Rosa rebelde (1969), em que deu vida à Conchita. Entre os pontos altos de Djenane Machado estão a novela das dez O cafona (1971) e o estrondo de Mário Prata, com a novela das sete Estúpido cupido (1976). Na primeira, de Bráulio Pedroso, Djenane eternizou a hippie Lucinha Esparadrapo, em núcleo que trazia Marco Nanini e Ary Fontoura. Ela dava vida a uma escritora escalada por escrever um roteiro radical para uma atração de cinema nacional. Já na novela estrelada por Françoise Forton, e que ficou marcada pela transição do mundo preto e branco para as produções coloridas da Globo, Djenane era a paixão do tímido Caniço (João Carlos Barroso). A personagem Glorinha era filha do delegado (Mauro Mendonça), e escrevia um diário, mantido em segredo.