Dinamismo e multiplicidade sempre caracterizaram a trajetória da atriz e cantora Cleo, em performances como as de Ana Terra (O tempo e o vento), o papel duplo em Benjamin (2003) e a fase dos clipes, com Tormento, Queima e Bandida. Agora, na comédia de ação Me tira da mira, a intérprete de novelas como Salve Jorge (2013) e O tempo não para (2018) embala funções diversas, para além de atriz. No papel da protagonista Roberta, destemida policial, ela acumulou, nos bastidores e pela primeira vez, funções de produtora de elenco e produtora executiva. "Já fui produtora de coisas para o Cleo on demand, uma plataforma de streaming que tenho pelo meu IGTV. É mais trabalhoso, mas mais gratificante. Sempre quis estar neste lugar de ter mais controle do material criado, do início ao fim. Como produtora, você pode fazer isso", conta, em entrevista exclusiva ao Correio.
Passados os esforços nos recentes filmes O amor dá voltas e Terapia do medo, Cleo pode usufruir, em Me tira da mira, das presenças de um elenco muito familiar, que incluiu Fábio Jr — na pele do pai (a exemplo da vida real) de Roberta —, e Fiuk, no papel de Lucas, um parceiro de aventuras. A experiência na produção passou por dificultadas impostas pela pandemia. "A gente fazia teste de covid todos os dias no set. Fazíamos teste entre os deslocamentos de cada um. Tinha equipe reduzida e, para um filme que tem muita ação, isso é uma coisa que complica. Acabamos atrasando um pouco nas datas por causa das limitações com a pandemia. Mas era algo que tinha que ser mesmo — seguimos todas as orientações da OMS. Mas conseguimos realizar um filme de superqualidade", avalia a atriz.
No filme, Fábio Jr. traz um pacote de piadas e trocadilhos com músicas que cantou no passado, enquanto a personagem da sagaz investigadora Roberta, que sabe do poder de sedução junto ao policial Rodrigo (Sérgio Guizé), aposta em sororidade com as outras personagens mulheres e, entre tiros e beijos, defende quebra de muitos paradigmas. A derrubada da associação direta entre homens e carros é um dos itens. "Sempre gostei muito de carro. A cena em que escolhemos os carros foi algo com que nos divertimos muito. Aquilo de o Fiuk dizer 'você vai escolher este?! Olha esse outro aqui' foi algo que ele colocou porque estava meio inconformado com minha escolha. Eu reforcei: "Este aqui é uma Ferrari, e é nela que eu entro (risos). Acho que quanto mais a gente puder subverter este tipo de ordem das coisas materiais do que é feito para o menino e do que é feito para a menina, melhor, porque a gente é ser humano. Somos feitos pra ser o que a gente quiser ser, e gostar do que a gente gosta. Se não estiver fazendo mal a ninguém, que mal tem?", diz.
Com abertura de temas no longa Me tira da mira, que aborda cancelamento de pessoas e perseguições via rastro de celular, além do uso de outras tecnologias, natural que Cleo esteja antenada em circunstâncias tecnológicas. "Amo a internet. Acho que ela e as ferramentas que trouxe são instrumentos de autonomia para artistas. É incrível, democratizante — acho que, no balanço, a internet é muito mais positiva do que negativa. Não é que ela seja ruim. Mas há momentos em que quem está usando, usa de forma negativa, pejorativa e acaba machucando alguém", opina a atriz. Politizada, Cleo, que esteve em filmes como Legalidade (2019), de Zeca Brito, e Lula, o filho do Brasil (2010), aproveita o projeto audiovisual Cleo on demand para tratar das discussões de homofobia, feminicídio e machismo.
Onde pode, Cleo deixa clara as posturas que permeiam situações corriqueiras e noções específicas como o da exaltação da figura feminina, no chamado mês da mulher. "O dia da mulher, por exemplo, não tem nada a ver com maternidade, especificamente. Se tiver a ver, é com relação aos direitos da mulher em relação à maternidade. É importante ter certos dias que marquem causas. Em vez de parabenizar ou romantizar a existência da mulher, podemos pensar em como, dentro do nosso lugar de privilégio, ou não, a gente pode trabalhar para que o mundo tenha mais equidade e que a mulher esteja inserida nisso", pontua.
Força feminina
Escalada para obras marcantes como a novela América (2005), séries como O caçador (2014) e blockbusters do porte de Meu nome não é Johnny (visto por quase 2 milhões de espectadores), Cleo, por tabela, trocou experiências com mulheres firmes como Glória Perez e Monique Gardenberg. Mas, na galeria de admiração pessoal, é evidente que salte a mãe, Glória Pires. "Você me pergunta como é ser filha da minha mãe? A minha mãe é maravilhosa, e não há nada a ser superado nisso (risos). Na verdade, eu nunca vou superar isso porque sempre vou ser filha dela (risos). Não tenho o menor interesse de superar isso: acho é o máximo", completa a atriz.
À frente do longa A suspeita, com o qual foi premiada no último Festival de Gramado, Glória Pires terá o novo filme lançado em meados de abril, num diálogo direto com Me tira da mira. "Fico muito feliz com a situação. Minha mãe e eu temos feito sessões para exibidores. E chegar no cinemas e ver meu filme e o da minha mãe é emocionante para mim. Me sinto especial, e acho incrível", observa Cleo. Em A suspeita, Glória Pires, na pele de uma policial, também empunha armas, numa mesma situação que alarmou Cleo, especialmente na função de produtora, em Me tira da mira. "No set, tomamos muito cuidado. A gente só usou arma de ar comprimido — sem ter como haver munição ali dentro. Não existe esta possibilidade. Este foi nosso cuidado: trabalhar com armas que não sejam reais", conta.
Outro título estrelado por Cleo, O segundo homem (na plataforma Star ) trata de armamento, e passa por decisões da esfera de uma capital como Brasília, na qual Cleo, eventualmente vive, numa casa do Lago Norte. "Brasília é uma cidade que eu adoro. Adoro, mesmo", diz. Quanto ao filme, ela avalia: "É um filme que se passa num Brasil distópico, aliás (risos), nem tão distópico, mas parecido com o que vivemos. O uso das armas foi liberado. Todo mundo tem uma arma, e isso vira um caos social. O casal de protagonistas se muda da cidade grande justamente por isso. Só que há uma legião estrangeira que está no Brasil, e o protagonista, por questões financeiras, se alia à legião e, a partir daí, começa a se desenrolar toda a questão do filme".
Para além de citar Glória no texto (com piadas indiretas), Cleo viu a produção do novo filme movimentar homenagens a veteranos que incluíram Elza Soares e Camila Amado e ainda renderam oportunidades para talentos como Vera Fisher, Maria Gladys e Stênio Garcia. "O lugar dos veteranos é muito especial, se eles não tivessem caminhado, a gente não poderia correr. Foi uma preocupação minha e dos outros produtores também. São atores que a gente consome e que gostamos de ver no ar. Então, veio a vontade de que estivessem no cinema", sublinha.
Novo equilíbrio
Delírio, stress e descontrole são elementos alinhados na trama de Me tira da mira, que investe ainda em reequilíbrio energético, dentro de uma clínica terapêutica. Cleo não segreda parte da vida alusiva ao tema. "Fiz terapia, num primeiro momento, aos 17 anos. Depois, fui fazendo, saindo e voltando. Faço e adoro terapia. A busca pelo autoconhecimento é muito válida e ter um guia, uma espécie de orientador neste processo para mim é muito importante. Acho que a mente manda em tudo. Se você cuida da mente, fica mais fácil cuidar do corpo. Às vezes, vem de fora para dentro: você começa a cuidar do corpo e sua mente muda, e você começa a expandir isso. Corpo, mente e cuidados são coisas que se completam", sentencia.
A mente de muitos personagens do novo filme é impulsionada pelo uso de um misterioso chá, degustado sob a saudação "paz e luz". A expressão ligada a crenças obscuras não descola da mente de Cleo, desde as filmagens, mas ela se adianta em explicar: "Acho que minha mente é científica. Tem religiões que eu gosto. Gosto muito do candomblé. Muitas vezes, durante a minha vida, tô dentro do candomblé e da cabala. Espiritismo é algo de que gosto muito também. Mas eu não sei se tenho uma (uma!) religião assim. Gosto muito da forma como estas doutrinas — por não serem religiões — falam da energia, do uso da energia e do respeito à energia. Eu acredito em energia", conclui.
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