Obituário

Um intelectual público

Arnaldo Jabor, morto, ontem, vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC), se tornou jornalista por uma razão muito prosaica: precisava de dinheiro para sustentar as filhas. Não lhe faltava currículo: havia feito nove filmes e, certo dia, cansou de sofrer. Era famoso, mas sem dinheiro. Encontrou com Fernando Gabeira em um avião e pediu que o amigo o indicasse para escrever na Folha de S. Paulo. A sugestão foi aceita e a repercussão dos textos provocativos, ácidos, elegantes, e bem-humorados foi imediata.

Jabor se metia a analisar qualquer assunto, como se fosse um Freud de Ipanema, a sondar os desejos inconscientes do brasileiro: "Assim como o 'atraso' sempre foi uma escolha consciente, o 'abismo' é um desejo secreto. Há um grande amor brasileiro pelo fracasso. Quando ele acontece, é um alívio. O fracasso é bom, porque nos tira a ansiedade da luta. Se já perdemos, para que lutar?"

Inteligência crítica

Como cineasta, Jabor esperava três anos para dizer o que pensava em um filme. O Cinema Novo tinha como projeto despertar a consciência das massas. No entanto, apesar da relevância estética do movimento, o alcance de público foi limitado. De repente, ele se tornou, efetivamente, um intelectual público. Injetou a inteligência crítica e a imaginação do Cinema Novo na corrente sanguínea do jornalismo.

Comunicava-se com mais de 20 milhões de pessoas no Jornal Nacional: "Comecei a ter um sentimento novo: a sensação de utilidade pública", escreveu Jabor em um artigo. "Digo isso, porque o cineasta no Brasil se sente trancado do lado de fora da vida social que, mesmo assim, tem de descrever, analisar, criticar. Durante muitos anos, me senti como um cara que quisesse ser astronauta no Piauí. Não posso reclamar, pois alguns filmes deram certo em crítica e público, mas nada se compara ao prazer de esculachar o cabelo implantado do Renan ou o bigode e jaquetão do Sarney."

Em texto de despedida, de 2017, quando se desligou do jornalismo para rodar o filme Felicidade suprema, Jabor contabilizou cerca de mil e quinhentos artigos escritos para jornais. A repercussão e o alcance se multiplicaram ao se tornar comentarista de rádio e tevê, onde propagou intervenções críticas, polêmicas e irônicas e autoirônicas sobre os mais variados assuntos, sempre oferecendo a cara a tapa, ou como ele dizia, botando a cabeça em uma encruzilhada: "Como ousei? Com que cara me meti nisso, deitando regra sobre tudo? Bem, foi por fome e não por vaidade".

Fome de eternidade

Não se considerava um jornalista objetivo: "Não sei se é quase arte o que escrevo, pois falta no texto de jornal aquela disfarçada fome de eternidade que a literatura almeja, escondendo", escreveu Jabor, no prefácio para Brasil na cabeça: "Acho que faço uma espécie de arte meio grafitada, me expondo aos estragos que a ópera-bufa faz ao país. Eu me deixo deformar pelos ataques do mundo."

Antonio Candido, um dos mais importantes críticos literários brasileiros, escreveu: "Considero Arnaldo Jabor, como ensaísta, um dos mais brilhantes do jornalismo brasileiro contemporâneo". Alguns textos que Jabor escreveu sobre Glauber Rocha, Tom Jobim, João Gilberto, João Cabral de Melo Neto e Nelson Rodrigues figuram entre os mais brilhantes, com trechos antológicos: "A morte de João Cabral não me espantou tanto quanto a de Tom Jobim. Tom caiu como a derrubada de uma floresta, me deu a sensação de que uma coisa vegetal, florescente, tinha secado, como um crime ecológico. João Cabral ali, morto diante de mim, me evocava o chão, a coisa mineral que ele tinha sido em vida e que, agora, recuperava sua imobilidade natural".

Sempre com o Brasil na cabeça, Jabor estava conectado com os dramas, as esperanças e os desafios do mundo globalizado, dominado por palhaços sinistros: "A estupidez volta a governar a Terra.", escreveu. E alertou: "Hoje, vemos que tudo pode ser arrasado com um mugido, um zurro, com uma gargalhada boçal de psicopatas".

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