Entrega da roupa especial e corte de bolo fizeram parte da celebração dos 90 anos do Homem da Meia-Noite, símbolo do carnaval de Pernambuco. A comemoração, de forma remota através das redes sociais do Calunga, aconteceu diferente dos anos anteriores devido ao avanço da variante Ômicron. Este ano, o clube traz o tema “Ferver” e homenageia o cantor Almir Rouche, o Maestro Spok e a professora e passista Adriana do Frevo. O clube foi o primeiro a cancelar o desfile oficial de carnaval no estado este ano.
Mas quem é este gigante que há 90 anos arrasta uma multidão de apaixonados na madrugada entre o sábado de Zé Pereira e o domingo de Rei Momo no Sítio Histórico de Olinda?
Há uma série de mistérios que envolvem o nascimento do Homem da Meia-Noite, em 2 de fevereiro de 1932. Histórias que transitam entre o sagrado, o cinema e o profano. A primeira versão conta que o fundador Luciano Anacleto, que era apaixonado pelo cinema, decidiu criar o boneco em homenagem ao filme “O ladrão da Meia-Noite”.
Já a segunda história diz que o músico Benedito Bernardino da Silva (que criou a música oficial do calunga e o primeiro boneco) ao ver constantemente um homem elegante, com dente de ouro e fraque verde e branco, decidiu segui-lo e percebeu que ele pulava as janelas das casas do Sítio Histórico para namorar com as senhoritas na madrugada.
E a terceira tem ligação direta com a religiosidade de matriz africana. O gigante nasceu no mesmo dia em que se comemora a divindade africana Iemanjá, por isso, levanta a bandeira do respeito às várias faces da fé, sendo considerado o Calunga de Pernambuco.
O professor e presidente do clube há mais de 15 anos, Luiz Adolpho, se emociona ao lembrar do sonho do pai, o ex-presidente Tácio Botelho, em ver o bloco crescer. “Se estou aqui é graças a história de amor do meu pai pelo Calunga. O sonho dele era ver o que o Homem se transformou hoje, sendo reconhecido no Brasil e no mundo”. Sobre o encantamento que envolve a imagem do Homem da Meia-Noite, ele ressalta que o ícone invadiu definitivamente a casa das pessoas. "Esse encantamento vem da essência do Homem da Meia-Noite. Muitas pessoas lembram quando o pai e o avô colocavam elas nas costas para ver o homem passar. Eu mesmo, quando criança, sentava em cima de um muro às 18 horas para esperar o calunga passar. E lembro da minha mãe entregando um copo de leite e um pedaço de pão para me alimentar", recorda.
Roupa do Calunga
Uma das grandes expectativas do público é roupa. Ela representa não apenas o tema que o Calunga levanta a cada ano, mas o sentimento e a mensagem que ele deseja transmitir às pessoas. A responsabilidade era do estilista Mestre Brasil, que conduziu por mais de 30 anos. Com o falecimento dele, em 2012, o clube passou a convidar outros artistas para conduzirem o projeto.
A artista olindense Rafaela Cristina (34), que já participou de três projetos e ilustrou diversas camisas do clube, fala que o maior desafio é conseguir emocionar as pessoas apaixonadas pelo gigante. “É preciso pensar, especialmente, naquela multidão que aguarda a saída dele e espera ansiosamente para ver com que roupa ele vai desfilar. É sempre um mistério e demanda muito tempo para pensar em cada detalhe. O Homem da Meia-Noite é a figura que mais representa o amor pelo carnaval. É um ser místico e mágico que enfeitiça os olhares. Eu sou apaixonada por ele. No texto de apresentação do meu filho ao mundo tem escrito que ele nasceu em casa, no Bonsucesso, sob as bênçãos do Homem da Meia-Noite”. Rafa participou dos projetos “A voz do Morro” (2019) em parceria com as estilistas Jessica Maria e Alice, “70 anos de trio elétrico” (2020) e “Resgate da Roupa do Casamento do Homem da Meia-Noite com a Mulher do Dia” (2021).
O último desfile oficial aconteceu no carnaval 2020 e trouxe o tema “Chover”, que homenageou o grupo “Cordel do Fogo Encantado”, Rogério Rangel e o Maestro Oséas, e proporcionou um temporal de alegria para as ladeiras de Olinda. Cada desfile há um mistério diferente e nesses 90 anos de história, o calunga já casou com a Mulher do Dia, celebrou aniversário no Sertão de Pernambuco, subiu o Morro da Conceição e até viajou para comemorar o aniversário de 70 anos dos trios elétricos de Salvador. O diretor de redes sociais do clube, Francisco Júnior, 22, esteve na Bahia junto ao gigante e fala sobre a experiência. "Ele não é somente um boneco. Ele é um símbolo da cultura pernambucana que exalta a solidariedade nas pessoas", ressalta o jovem.
E para homenagear os foliões apaixonados pelo Calunga, o clube criou em 2017 o mascote Calunguinha, que com apenas 5 anos de história já ganhou o amor e o carinho da criançada. A ideia partiu do diretor social do Clube, Thales de Siqueira. "A paixão pelo Homem, além de tudo, tem um cunho afetivo e familiar. Isso pela referência do meu avô, Tácio Botelho, que foi presidente durante 11 anos e meu pai que está a bastante tempo. Desde que eu nasci, meu avô já era presidente. Meu primeiro aniversário foi comemorado na sede. Eu sempre tive uma relação muito próxima com o Calunga e foi daí que veio a aproximação para ser diretor e participar da organização.
A sede do Calunga está localizada na Estrada do Bonsucesso, em frente à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Olinda. O prédio tem três andares e conta com um vasto acervo de fotografias, matérias de jornais e fraque usados pelo calunga nas últimas décadas. Em dezembro de 2021, o Calunga inaugurou o "Espaço afetivo Homem da Meia-Noite, 90 anos de Paixão" no Shopping Patteo Olinda, que oferece um vasto repertório de itens decorativos em homenagem ao gigante. O espaço está localizado no piso L2 e ficará até o dia 06 de março de 2022.
Vozes apaixonadas