O Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) foi transformado em um enorme jardim neoconcreto em misto de homenagem e diálogo com a cidade moderna. Distribuídas pelos espaços externos do local, um conjunto com mais de 60 esculturas de Amílcar de Castro propõe uma conversa entre as curvas e retas modernas de Oscar Niemeyer e as dobraduras e cortes das imensas esculturas de aço criadas por um dos artistas mais importantes do movimento neoconcreto brasileiro. O resultado é uma perspectiva de conjunto que permite compreender a obra e os caminhos traçados por esse mineiro de Paraisópolis que se formou em direito, mas escolheu a chapa de ferro como instrumento de trabalho.
Com curadoria de Marília Panitz, em parceria com o colecionador Márcio Teixeira, morto em outubro de 2021, a exposição O jardim de Amílcar de Castro: Neoconcreto sob o céu de Brasília começou a ser gestada há seis anos, na pequena cidade de Dom Silvério, no interior de Minas Gerais. Teixeira foi um dos maiores incentivadores do artista, de quem adquiriu as dezenas de obras que integram a maior coleção do mineiro.
Márcio espalhou a coleção por sua cidade natal, Dom Silvério. Muitas peças ocupavam espaços públicos do pequeno município e uma série de esculturas de grande porte foi disposta ao longo do rio do Peixe. "Era surreal", conta Marília Panitz, que acompanhou a retirada das obras pouco antes de uma enchente na qual o rio transbordou. Foram necessárias 12 carretas para transportar as obras para Brasília. "A gente começou esse projeto com uma coisa mais modesta, mas, com a morte do Márcio e a retirada das obras das ruas de Dom Silvério, a gente resolveu trazer porque era um pedido dele para, de certa forma, resguardar as obras enquanto estamos decidindo o destino delas", explica Marília. Segundo a curadora, as esculturas apresentadas no CCBB constituem cerca de 60% da produção do artista.
Quando adentrar o jardim, o público terá acesso a quatro grupos de peças. Algumas, as de maior porte, podem ser vistas da pista externa que margeia o CCBB em uma vista que ajuda a compreender a magnitude do trabalho de Amílcar: imensas chapas de aço geometricamente cortadas emolduram o céu e a arquitetura brasilienses. Distribuídas pelo jardim, peças de tamanho médio, que no caso de Amílcar costumam ter bases de 2,40 metros, dividem espaço com uma série de esculturas realizadas com chapas de 30 cm de espessura, material ao qual o artista teve acesso durante alguns anos graças a uma parceria com a Usiminas.
O contraste entre o peso do material e a leveza do desenho proporciona ao visitante o mesmo efeito provocado pela arquitetura modernista com suas curvas de concreto e perspectivas flutuantes. Para a curadora, esse diálogo era inevitável como fruto de dois movimentos que foram contemporâneos e ajudaram a desenhar a modernidade no Brasil. O jardim de Amílcar de Castro: Neoconcreto sob o céu de Brasília, aliás, não é a primeira exposição do artista em Brasília: a ele foi incumbido inaugurar o CCBB, há 22 anos, com uma exposição de peças vindas de Minas Gerais.
Muitas das esculturas apresentadas são releituras de obras conhecidas, como as da Praça Tiradentes e Praça da Sé, em São Paulo. "Com essas peças é possível ter realmente uma noção do repertório dele", avisa Marília. Além das peças de grande porte, um conjunto de esculturas menores, de 1,20m, foi colocado em volta do teatro do CCBB. Amílcar de Castro não costumava dar nome às obras, mas para duas ele admitiu um título e ambas estarão na exposição: Estrela, apresentada na Bienal de São Paulo de 1953 e marco do pensamento abstrato do artista, e Maria Callas.
Amílcar de Castro se aproximou das artes por meio da figuração. Fez aulas com Alberto da Veiga Guignard antes de se entregar à abstração do neoconcretismo, que dizia praticar com muita sensibilidade e espontaneidade, apesar do aspecto geométrico e matemático de suas obras. "Para ele, a escultura não tinha que ter uma narrativa, um nome, uma forma reconhecível. A ideia é que haja uma apreensão sensível e não necessariamente uma narrativa sobre a obra", explica a curadora. "Amílcar falava que ele era muito do improviso, mas um improviso baseado em algumas regras que criou para ele mesmo e que davam muitos parâmetros. Era um poeta. Essa apreensão sensível tem a ver com deixar a fruição daquele que vê flutuar sem que seja imposto qualquer caminho mais definitivo."
Além da exposição, faz parte do projeto de transformar o CCBB em monumento neoconcreto uma série de palestras e debates com artistas e críticos que deve ocorrer ao longo do ano. A intenção é atualizar a fortuna crítica sobre a obra do artista.
O Jardim de Amílcar de Castro: Neoconcreto sob o céu de Brasília
Centro Cultural Banco do Brasil Brasília
De 23 de fevereiro de 2022 a fevereiro de 2024
Aberto de terça a domingo, das 9h às 21h, no SCES, Trecho 2 - Brasília/DF
Em cartaz
Três outras exposições estão em cartaz na cidade nesta semana. A partir de hoje, o público pode conferir Maravilhas do México, uma parceria da Embaixada do México com a Secretaria de Cultura e Economia Criativa que traz obras de Frida Kahlo e Diego Rivera. A mostra reabre a galeria Fayga Ostrower, no antigo Complexo Funarte. O Museu da República recebe, a partir de sexta-feira, obras de Luiza Gottschalk na exposição Clareira, que tem curadoria de Denise Mattar. As pinturas de grande porte remetem à natureza e à floresta que cercaram a infância da artista na Serra da Mantiqueira. No Museu dos Correios, Ecos do Moderno ao Contemporâneo - 100 Anos da Semana de 22 reúne obras de artistas contemporâneos inspirados pelos modernistas.
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O modernismo em debate no Sebinho
O poeta e ensaísta Francisco K apresenta, hoje, live sobre Oswald de Andrade, dando sequência a uma série sobre o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, sob a coordenação de Antonio Carlos Queiroz, no Instagram do Sebinho. K enfrenta o debate atual sobre as relações dos grandes artistas surgidos no modernismo de 1922 e as relações com a burguesia cafeeira, da qual eles eram filhos e herdeiros. Para ele, Oswald era filho das elites, mas um filho rebelde, questionador e sarcástico. O que está evidente em Memórias sentimentais de João Miramar, na Poesia Pau Brasil e no Manifesto Antropofágico. Embora legítimas, essas críticas, muitas vezes, não alcançam a potência imaginativa da arte modernista antropofágica, que permanece como uma referência fecunda e provocadora no mundo globalizado, com a sua avalanche de informações homogeinizadoras. A série de debates sobre os 100 anos da Semana de Arte Moderna, promovida pelo Sebinho, terá sequência, na sexta-feira, com live de Fernando Marques, sobre Carlos Drummond de Andrade. O endereço para assistir ao
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