Uma viagem no tempo com Tarsila do Amaral e Mario de Andrade pode ser uma maneira curiosa de introduzir a Semana de 22, mas funciona bem quando o leitor tem cerca de 10 anos. Por isso pareceu natural aos escritores Fabiano Moraes, Neide Duarte e Mércia Maria Leitão criar um universo lúdico no qual pudessem destrinchar parte da complexidade do modernismo brasileiro e oferecer às crianças um pouco de história em forma de literatura. Autores de livros infanto-juvenis, eles aproveitaram o centenário do evento que reuniu uma leva de brasileiros em busca de uma cultura moderna e brasileira para introduzir o tema para os jovens leitores.
Fabiano escolheu Manuela como narradora de Nasci em, 1922, ano da Semana de Arte Moderna. Professor de literatura na Universidade Federal do Espírito Santo, o autor brincou com os conceitos de modernidade para levar a Semana de Arte aos leitores. Manuela era o nome dado por Mario de Andrade à própria máquina de escrever, um objeto bastante moderno para aquela década de 1920, embora hoje tenha entrado para as prateleiras dos museus sobre a escrita. "Os objetos têm histórias para contar e um objeto como a máquina de Mário, sendo moderno na época e antiga hoje, pensei nessa contradição de uma semana que também é moderna e chegou a 100 anos. Então o que é o moderno? Ninguém melhor que a máquina para contar", garante.
Para explicar como o moderno também envelhece, Fabiano conduz Manuela a comparar invenções de 100 anos antes de 1922 com as novidades daquele início de década. Para ele, a Semana de 22 dá oportunidade de trabalhar junto às crianças questões temporais e de geração. "A ideia é trazer para a realidade das crianças e adolescentes o quanto a Semana de Arte Moderna e o Modernismo trouxeram uma nova forma de fazer arte e o quanto o cotidiano também galga um reconhecimento da arte", explica.
Para o autor, dois elementos são essenciais para captar a atenção dos jovens leitores para o tema: a fabulação, presente no livro por meio de objetos antropomorfos, e a ludicidade, que não se separa da fabulação, mas ajuda a brincar com ela.
Introduzir o movimento de forma lúdica também é a ideia de Mércia Maria Leitão e Neide Duarte em Uma semana inesquecível. No livro, os personagens Malu e Gil empreendem verdadeira viagem no tempo ao visitar a exposição Tarsila Popular, em cartaz no Masp em 2019, Abduzida pelas cores e formas da pintora, que foi um dos símbolos do movimento, a dupla retorna a 1917 para visitar a exposição de Anita Malfatti, passando pela semana e chegando até 2022. "A obra da Tarsila se comunica diretamente com as crianças, desde pequenas elas se identificam com a obra dela, com o imaginário do sonho, com os animais, os personagens fantásticos. A Tarsila tem um colorido atraente para a criança", acredita a autora.
A Semana de 22 costuma ser tratada na escola de maneira bastante superficial e apenas na segunda parte do ensino fundamental. Para Mércia, essa passagem relâmpago pelo movimento é um desperdício de informações. "O modernismo é natural para as crianças porque eles pintam com essa liberdade de expressão que o modernismo denota, tanto no desenho quanto nas cores e nas formas", explica. "A criança entende. Acho importante esse livro ser trabalhado para professores também no primeiro segmento do ensino fundamental."
Neide Duarte acha muito mais fácil escrever sobre o tema para as crianças porque elas não têm o mesmo estranhamento provocado no adulto. "O que é ser moderno? É não ter estranhamento para nada, para ver o diferente, o novo, que, através da pintura, vem através de formas e cores", diz. O estranhamento causado pelas pinturas de Anita, por exemplo, que recebeu crítica avassaladora de Monteiro Lobato, parece não fazer sentido para as crianças. "Quando você mostra para criança ela não estranha que a moça está de cabelo verde ou que o homem é amarelo. Ela não rejeita, tem o sentimento de abertura para o novo, o que é diferente, ela tem curiosidade e predisposição para conhecer", conta Neide, que assina com Mércia dois outros livros sobre o modernismo: Tarsila e o papagaio Juvenal e Uma aventura no mundo de Tarsila.
A autora de Abaporu, aliás, também é tema de dois outros livros lançados pela Melhoramentos: Tarsilinha e as cores e Tarsilinha e as formas. Os livros fazem um passeio por obras como Abaporu, A Cuca, Antropofagia, Caipirinha e Manacá e foram escritos por Patrícia Engel Secco e Tarsilinha do Amaral, sobrinha-neta da pintora. "Se você olhar a obra da minha tia, é uma obra infantil mesmo. Super colorida, cenas com bichinhos da fazenda, fazendinha, casinha, árvore, flor. Os temas têm a ver com o universo infantil, as cores, os elementos. As crianças adoram. E eles conhecem os nomes dos quadros", conta Tarsilinha, que leva exatamente o mesmo nome da tia mas era chamada pelo diminutivo. Escritora e pesquisadora, ela conta que as crianças se familiarizam tão facilmente com a obra da modernista que acabam por adquirir mais conhecimento que os pais. "Já ouvi muitas vezes o pai dizendo que as crianças sabiam mais, que eles se sentiam envergonhados e foram estudar para poder conversar melhor com os filhos", diz.
Trabalhar com as formas e cores dos quadros de Tarsila do Amaral foi uma opção quase natural para as duas autoras da série. "A ideia é que esses livros sejam multidisciplinares. No livro das formas, as crianças vão ter contato com formas geométricas, é um livro que vai iniciar no universo da matemática e os professores podem fazer vários trabalhos", explica Tarsilinha. "E o das cores, as crianças adoram, é um dos motivos para terem essa relação forte com as obras da minha tia."
Nasci em,
1922, ano da
semana de
arte moderna
De Fabiano Moraes.
Editora do Brasil, 112 páginas.
Uma
semana inesquecível
De Mércia Maria
Leitão e Neide Duarte. Editora do Brasil,
56 páginas.
Tarsilinha
e as Cores
De Patricia Engel Secco e Tarsilinha do
Amaral. Ilustrações: Cris Alhadeff. Melhoramentos,
24 páginas.
Tarsilinha
e as Formas
De Patricia Engel Secco e Tarsilinha do Amaral. Melhoramentos,
24 páginas.
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