Um dos projetos mais bem sucedidos, ultimamente, na cena artística brasiliense, o desenvolvido pelo coletivo Samba Urgente, ao ocupar espaços urbanos da cidade, reunia em média cinco mil espectadores. Quando estava no pico, teve que ser interrompido, em decorrência do advento da covid-19. Vários outros eventos ligados à música - e mais especificamente ao samba - foram inviabilizados por conta da crise pandêmica, o que trouxe sérios prejuízos a produtores, cantores, instrumentistas, técnicos de som; e deixou o público carente desse concorrido e necessário entretenimento.
Augusto Berto, um dos idealizadores do Samba Urgente, deixa claro o quanto a pandemia atrapalhou, de forma devastadora, a realização das rodas de samba que ele e seus companheiros de grupo vinham comandando no Setor Comercial Sul e em outros pontos de Brasília. "Chegamos a ser assistidos por 10 mil pessoas no Parque da Cidade. Éramos a sensação musical do momento, quando em março de 2020, houve a assinatura do primeiro decreto do GDF interrompendo os eventos artísticos. À época, estávamos com a agenda cheia de compromissos."
O coletivo tem 12 músicos em sua formação e só dois têm ganho proveniente de outras outras atividades. "Só retomamos nossas apresentações em novembro de 2021, mesmo assim, com algumas restrições", observa Berto. "Foi um longo período sem tocar em casas noturnas, festivais e espaços abertos e, obviamente, sem receber qualquer tipo de remuneração. Um novo decreto do governo local voltou a inviabilizar as realizações do segmento artístico. Recentemente, íamos participar de um grande evento no Estádio Mané Garrincha, que, às vésperas, foi cancelado", comenta sem esconder a frustração.
Com mais de 10 anos de carreira, Carol Nogueira é uma das sambistas mais requisitadas em Brasília. Nos dois primeiros meses de 2020, fez alguns shows e tinha outros agendados, quando, na segunda semana de março, teve de interromper tudo, em função da pandemia.
"A partir dali, tanto eu quanto o meu marido e baixista Igor Diniz, que toca na banda que me acompanha - ao lado de Pedro Vasconcellos (cavaquinho) e Ed Jorge (bateria) - passamos a conviver com o sufoco. Para nos mantermos dignamente, precisamos contar com a ajuda de familiares e do cachê que recebíamos de lives", conta. "Em dezembro último, como boa parte das pessoas havia sido vacinada, os shows foram retomados e, com a consequente flexibilização, voltamos aos shows. Mas as coisas ainda estão bem devagar", observa.
Ex-violonista do extinto grupo Filhos de Dona Maria, Amilcar Parré é outro que tem se virado para levar adiante o ofício de músico e obter alguma renda, após o retorno gradativo das atividades, como arranjador, produtor e professor de violão. Isso depois de ficar parado por longo tempo em função da covid.
"Durante a quarentena, busquei me adequar, passando a exercer minhas funções no formato on-line. Na volta dos shows presenciais, passei a tocar na feijoada do Bom Partido (bar localizado em frente ao Liberty Mall/ Setor Comercial Norte), aos sábados; e gravei com Breno Alves e Cássia Portugal, que está participando do The Voice . Mesmo com novas restrições, tenho conseguido trabalhar bem, embora menos que antes.
Cris Maciel, destaque no cenário do samba do Distrito Federal, tinha presença marcante nas rodas promovidas aos sábados, no Café Musical do Clube do Choro. A última havia sido em 7 de março de 2020. Naquela data, ela interrompeu suas apresentações e só retomou em meados de 2021. "Como vivo de música, foi difícil ultrapassar o longo período sem o cachê que recebia nos lugares onde cantava. Precisei do apoio dos meus pais e recorri ao auxílio emergencial do governo, que, no início, era de R$ 600 e depois baixou para R$ 150. Fiz também, algumas lives", destaca. Ela acredita que ainda vai demorar um pouco para a volta da normalidade no setor de cultura, o que a deixa bastante preocupada.
Interrupção
Líder do Me Engana que eu Gosto, criado em 2021, Leandro Borges, estava satisfeito com a -- ainda curta -- trajetória do grupo, que vinha fazendo shows em diversos locais da capital. "Passamos a ser conhecidos, ao levar nossa roda de samba para o Primeiro Bar (Sudoeste), Empório Santo Antônio (Pier 21) e Vila Jeri (Vila Planalto), entre quinta-feira e domingo. Infelizmente, houve interrupção, por determinação de decreto do Governo do Distrito Federal. Lamentamos, mas entendemos a decisão, que visa proteger a saúde das pessoas, que não podem se juntar em locais fechados, uma vez que a crise ainda não arrefeceu."
Teresa Lopes mostrava-se contente quando, antes do início da pandemia, passava os olhos em sua agenda que trazia shows em casas noturnas, em eventos particulares e outros projetos. Ela estava fazendo algo em torno de oito apresentações por mês. "Mas, logo depois do carnaval, as coisas ficaram complicadas, pois todos os lugares que ofereciam a música como atração, pararam com tudo", recorda-se."Tanto eu quanto os companheiros de ofício ficamos impedidos de levar nosso trabalho ao público. Como sou servidora pública, pude segurar a onda e ainda dar uma ajuda aos mais necessitados, entre os que só têm esse ofício como ganha pão", revela. A partir da segunda metade de 2021, houve um pouco de respiro, mas, segundo Teresa, as dificuldades continuam para a maioria dos cantores e músicos.
Desde maio de 2014, o Samba na Comunidade, idealizado pelo cavaquinista Michael Santos, movimenta a Praça da Bíblia, no Setor P Norte de Ceilândia. Um dos integrantes do grupo que comanda a democrática roda de samba, no terceiro sábado de cada mês, é Edvaldo Cirilo, o percussionista Nego Vatto. Ele disse ao Correio que esse importante encontro comunitário deixou de ser realizado em fevereiro de 2020, por causa da covid-19. "O fato de não podermos promover nossas reuniões mensais e fazer o que mais gostamos, que é o samba, levou à separação e o distanciamento dos ceilandenses", reflete o sambista.
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