Há dois anos, muitos ficaram surpreendidos pela vitória do sul-coreano Parasita, em importantes categorias do Oscar. Na verdade, o fenômeno oriental prenunciava as feições cada vez mais estrangeiras da premiação dos melhores do cinema que, em 2022, chegará à 94ª edição, mobilizando um corpo de 9,5 mil votantes.
A renovação pode ser constatada entre escolhidos para honrarias especiais da Academia que define o Oscar: mulheres como Elaine May, a estrangeira Liv Ullmann e os talentos negros Danny Glover e Samuel L. Jackson apontam para a nova cara da entidade, remodelada. Mesmo filmes de matrizes muito enraizadas em Hollywood — casos do faroeste Ataque dos cães (campeão em indicações, com 12 contemplados), do musical Amor, sublime amor (candidato em sete quesitos no Oscar), da ficção científica Duna (resultante em 10 indicações) e do filme noir Beco do pesadelo (com destaque para a fotografia do dinamarquês Dan Laustsen) — respiram novas propostas.
Candidato à melhor direção, pela oitava vez, e na 11ª indicação como produtor, Steven Spielberg puxa, com Amor, sublime amor a reinvenção enquanto artista, num filme atento aos imigrantes na América. Numa ponte já estabelecida, o Oscar abraça fitas valorizadas no Festival de Cannes e de Sundance. Daí veio o impulso para o drama Drive my car, indicado para melhor filme e melhor filme internacional, sem esquecer a indicação para melhor diretor, com o japonês Ryusuke Hamaguchi (que desbancou Denis Villeneuve, de Duna), e de roteiro adaptado (do mesmo Hamaguchi). Pelo quarto ano seguido, há vaga entre os realizadores para talentos nascidos fora dos Estados Unidos. Fita do Japão, com três horas de duração, Drive my car trata da chegada de um diretor a Hiroshima, na qual, ele, viúvo de passado tumultuado, renova a visão, no dia a dia com a jovem motorista que o auxilia. Fenômeno da Dinamarca, Flee quebrou tabus, como documentário feito em animação capaz de despontar nas categorias de melhor documentário, melhor animação e melhor filme internacional. O longa trata de um segredo mantido por duas décadas na vida de um refugiado do Afeganistão.
Uma campanha de reeducação para os membros da Academia — nos bastidores, eles ampliaram perspectivas, a partir de debates inclusivos — parece ter surtido efeito para a diversidade. Na categoria internacional, um filme asiático do Butão, A felicidade das pequenas coisas (em exibição em Brasília), pela primeira vez coloca aquele país na disputa. Como a primeira mulher, por duas vezes indicada a melhor diretora, Jane Campion, à frente de Ataque dos cães, um delicado registro de sutilezas numa conquista amorosa que descamba para violência, demarca importante construção de autoria feminina, ao lado de concorrentes anteriores como Sofia Coppola, Chloé Zhao e Emerald Fennell (diretoras e roteiristas indicadas anteriormente, no mesmo caso de Jane Campion, com O piano, de 1993). Depois de Rachel Morrison (de Mudbound: Lágrimas sobre o Mississippi), a diretora de fotografia Ari Wegner, com o filme de Jane Campion, se tornou a segunda mulher candidata no segmento. Atriz de sucesso, Maggie Gyllenhaal se afirma, na 94ª edição do Oscar, como cineasta e roteirista (indicada, na categoria de adaptação) de A filha perdida (com duas atrizes selecionadas para o Oscar: Olivia Colman e Jessie Buckley).
Sem Lady Gaga (vista em Casa Gucci) na lista das atrizes finalistas, a categoria de intérpretes centrais traz Nicole Kidman, na quinta indicação, agora, personificando a humorista Lucille Ball (em Apresentando os Ricardos) e Jessica Chastain, na terceira disputa, encabeçando Os olhos de Tammy Faye (no qual se caracteriza como a midiática empresária que revendia preceitos cristãos, via televisão). Kristen Stewart, na primeira indicação ao Oscar, é outra valorizada pela impactante representação da princesa Diana, em Spencer (sob comando do chileno Pablo Larraín). Vencedora como melhor atriz, no Festival de Veneza, a espanhola Penélope Cruz entra na disputa, por Mães paralelas, filme de Pedro Almodóvar que traz ecos do regime de Francisco Franco.
Valores de família e reminiscência povoam Belfast (no páreo como melhor filme), um drama intimista do irlandês Kenneth Branagh, que retoma a forma, candidato à melhor diretor, três décadas depois de projetado com Henrique V. Polivalente, Branagh, por sinal, sempre valorizou as adaptações de louvor a William Shakespeare, dramaturgo do século 16 que puxa o fio da meada de A tragédia de Macbeth, estrelado pelo candidato a melhor ator Denzel Washington, na nona candidatura da vida.
A disputa nesta categoria promete pegar fogo, dada a força dos personagens de Will Smith, em King Richard: Criando campeãs (que puxa a terceira candidatura de Smith, depois de Ali e À procura da felicidade) e ainda pelo líder de um elenco impecável, em Ataque dos cães: Benedict Cumberbatch (de O jogo da imitação). Junto com ele, brilham os colegas Kristen Dunst, Jesse Pelmons e Kodi Smit-McPhee (todos indicados na premiação da meca hollywoodiana). Depois de cinco casos de casais indicados (ainda que em filmes diferentes), entre os quais os de Frank Sinatra e Ava Gardner, e Richard Burton e Elizabeth Taylor, Penélope Cruz e Javier Bardem (ele, em Apresentando os Ricardos, dá vida ao ator cubano Desi Arnaz) emplacam mais um casal que persegue o Oscar, em 2022.
Com elenco afiado, Belfast (que traz os indicados Judi Dench e Ciarán Hinds, o Aberforth Dumbledore, da saga Harry Potter) tem virtual concorrência de outro título detido no passado, sob assinatura do relevante Paul Thomas Anderson, que, com Licorice Pizza, centra a atenção no primeiro amor na vida de um ator em ascensão, durante 1973. Thomas Anderson, candidato como produtor do melhor filme, roteirista e melhor diretor, vira grife para o Oscar, atento ao peso dos cineastas autores. Como exemplo, saltam Adam McKay (cocriador do roteiro de Não olhe para cima, outro candidato a melhor filme) e ainda o dinamarquês Joachin Trier, candidato pelo roteiro original de A pior pessoa do mundo (que rendeu prêmio em Cannes, para Renate Reinsve).
Um dos astros de Homem-Aranha: sem volta para casa, Andrew Garfield emplacou indicação com tick, tick... BOOM!, que revê parte da vida do virtual autor de musicais Jonathan Larson. Único veterano na categoria de melhores atores coadjuvantes, J.K. Simmons, outro adepto da franquia Homem-Aranha, está candidato à estatueta por Apresentando os Ricardos, depois da vitória, em 2014, por Whiplash. Na mesma condição de coadjuvante, em No ritmo do coração (no qual contracena com Marlee Matlin, a atriz deficiente auditiva de Filhos do silêncio), Troy Kostner torna-se o segundo intérprete surdo da história do Oscar a competir.
No conjunto de 276 elegíveis, o Oscar — estendido desta vez para o volume de dez concorrentes ao prêmio principal — trouxe pinçada a boa representatividade nas 23 categorias alinhadas para a festa que, em 27 de março, retorna ao espaço do Dolby Theatre. Entre tantos potenciais valorizados, destaques para as atrizes negras Aunjanne Ellis e Ariana DeBose, que defendem personagens femininas fortes, respectivamente, em King Richard e Amor, sublime amor, e ainda para o documentário de Questlove Summer of soul (... ou quando a revolução não pode ser televisionada), exemplar no registro do sufocamento da arte criada por negros.
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Na disputa
Melhor filme
Belfast
No ritmo do coração
Não olhe para cima
Drive my car
Duna
King Richard: criando campeãs
Licorice Pizza
O beco do pesadelo
Ataque dos cães
Amor, sublime amor