Patrimônio

90 anos do Homem da Meia-Noite, ícone do carnaval de Pernambuco

Conheça a história do gigante que arrasta multidão pelas ladeiras do Sítio Histórico de Olinda

Samuel Calado
postado em 02/02/2022 16:03 / atualizado em 02/02/2022 18:18
 (crédito: Samuel Calado/CB)
(crédito: Samuel Calado/CB)

Entrega da roupa especial e corte de bolo fizeram parte da celebração dos 90 anos do Homem da Meia-Noite, símbolo do carnaval de Pernambuco. A comemoração, de forma remota através das redes sociais do Calunga, aconteceu diferente dos anos anteriores devido ao avanço da variante Ômicron. Este ano, o clube traz o tema “Ferver” e homenageia o cantor Almir Rouche, o Maestro Spok e a professora e passista Adriana do Frevo. O clube foi o primeiro a cancelar o desfile oficial de carnaval no estado este ano. 


Mas quem é este gigante que há 90 anos arrasta uma multidão de apaixonados na madrugada entre o sábado de Zé Pereira e o domingo de Rei Momo no Sítio Histórico de Olinda? 

Desfile do Homem da Meia-Noite em 1980.
Desfile do Homem da Meia-Noite em 1980. (foto: Arquivo/HMN)

Há uma série de mistérios que envolvem o nascimento do Homem da Meia-Noite, em 2 de fevereiro de 1932. Histórias que transitam entre o sagrado, o cinema e o profano. A primeira versão conta que o fundador Luciano Anacleto, que era apaixonado pelo cinema, decidiu criar o boneco em homenagem ao filme “O ladrão da Meia-Noite”.

 

Desfile do Homem da Meia-Noite em 1986.
Desfile do Homem da Meia-Noite em 1986. (foto: Arquivo/HMN)

 

Já a segunda história diz que o músico Benedito Bernardino da Silva (que criou a música oficial do calunga e o primeiro boneco) ao ver constantemente um homem elegante, com dente de ouro e fraque verde e branco, decidiu segui-lo e percebeu que ele pulava as janelas das casas do Sítio Histórico para namorar com as senhoritas na madrugada.

 

Homem da Meia-Noite desfila pelas ladeiras de Olinda em 1988.
Homem da Meia-Noite desfila pelas ladeiras de Olinda em 1988. (foto: Arquivo/HMN)

 

E a terceira tem ligação direta com a religiosidade de matriz africana. O gigante nasceu no mesmo dia em que se comemora a divindade africana Iemanjá, por isso, levanta a bandeira do respeito às várias faces da fé, sendo considerado o Calunga de Pernambuco.

Homem da Meia-Noite na sede oficial, no Bonsucesso, em Olinda. (1992).
Homem da Meia-Noite na sede oficial, no Bonsucesso, em Olinda. (1992). (foto: Arquivo/HMN)

 

O professor e presidente do clube há mais de 15 anos, Luiz Adolpho, se emociona ao lembrar do sonho do pai, o ex-presidente Tácio Botelho, em ver o bloco crescer. “Se estou aqui é graças a história de amor do meu pai pelo Calunga. O sonho dele era ver o que o Homem se transformou hoje, sendo reconhecido no Brasil e no mundo”. Sobre o encantamento que envolve a imagem do Homem da Meia-Noite, ele ressalta que o ícone invadiu definitivamente a casa das pessoas. "Esse encantamento vem da essência do Homem da Meia-Noite. Muitas pessoas lembram quando o pai e o avô colocavam elas nas costas para ver o homem passar. Eu mesmo, quando criança, sentava em cima de um muro às 18 horas para esperar o calunga passar. E lembro da minha mãe entregando um copo de leite e um pedaço de pão para me alimentar", recorda.

Desfile oficial do Homem da Meia-Noite, em 2000.
Desfile oficial do Homem da Meia-Noite, em 2000. (foto: Arquivo/HMN)

 

Roupa do Calunga 

Uma das grandes expectativas do público é roupa. Ela representa não apenas o tema que o Calunga levanta a cada ano, mas o sentimento e a mensagem que ele deseja transmitir às pessoas. A responsabilidade era do estilista Mestre Brasil, que conduziu por mais de 30 anos. Com o falecimento dele, em 2012, o clube passou a convidar outros artistas para conduzirem o projeto.

Rafaela Cristina junto ao Gigante.
Rafaela Cristina junto ao Gigante. (foto: Cortesia)

 

A artista olindense Rafaela Cristina (34), que já participou de três projetos e ilustrou diversas camisas do clube, fala que o maior desafio é conseguir emocionar as pessoas apaixonadas pelo gigante. “É preciso pensar, especialmente, naquela multidão que aguarda a saída dele e espera ansiosamente para ver com que roupa ele vai desfilar. É sempre um mistério e demanda muito tempo para pensar em cada detalhe. O Homem da Meia-Noite é a figura que mais representa o amor pelo carnaval. É um ser místico e mágico que enfeitiça os olhares. Eu sou apaixonada por ele. No texto de apresentação do meu filho ao mundo tem escrito que ele nasceu em casa, no Bonsucesso, sob as bênçãos do Homem da Meia-Noite”. Rafa participou dos projetos “A voz do Morro” (2019) em parceria com as estilistas Jessica Maria e Alice, “70 anos de trio elétrico” (2020) e “Resgate da Roupa do Casamento do Homem da Meia-Noite com a Mulher do Dia” (2021).

 

Último desfile oficial do Homem da Meia-Noite, em 2020.
Último desfile oficial do Homem da Meia-Noite, em 2020. (foto: Samuel Calado/CB)

O último desfile oficial aconteceu no carnaval 2020 e trouxe o tema “Chover”, que homenageou o grupo “Cordel do Fogo Encantado”, Rogério Rangel e o Maestro Oséas, e proporcionou um temporal de alegria para as ladeiras de Olinda. Cada desfile há um mistério diferente e nesses 90 anos de história, o calunga já casou com a Mulher do Dia, celebrou aniversário no Sertão de Pernambuco, subiu o Morro da Conceição e até viajou para comemorar o aniversário de 70 anos dos trios elétricos de Salvador. O diretor de redes sociais do clube, Francisco Júnior, 22, esteve na Bahia junto ao gigante e fala sobre a experiência. "Ele não é somente um boneco. Ele é um símbolo da cultura pernambucana que exalta a solidariedade nas pessoas", ressalta o jovem.  

Calunguinha, mascote oficial do Homem da Meia-Noite.
Calunguinha, mascote oficial do Homem da Meia-Noite. (foto: Camila Pifano/Esp.DP)

E para homenagear os foliões apaixonados pelo Calunga, o clube criou em 2017 o mascote Calunguinha, que com apenas 5 anos de história já ganhou o amor e o carinho da criançada. A ideia partiu do diretor social do Clube, Thales de Siqueira. "A paixão pelo Homem, além de tudo, tem um cunho afetivo e familiar. Isso pela referência do meu avô, Tácio Botelho, que foi presidente durante 11 anos e meu pai que está a bastante tempo. Desde que eu nasci, meu avô já era presidente. Meu primeiro aniversário foi comemorado na sede. Eu sempre tive uma relação muito próxima com o Calunga e foi daí que veio a aproximação para ser diretor e participar da organização.

Thales de Siqueira pediu a noiva em casamento na primeira edição do Calunguinha na Folia.
Thales de Siqueira pediu a noiva em casamento na primeira edição do Calunguinha na Folia. (foto: Arquivo/HMN)

A sede do Calunga está localizada na Estrada do Bonsucesso, em frente à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Olinda. O prédio tem três andares e conta com um vasto acervo de fotografias, matérias de jornais e fraque usados pelo calunga nas últimas décadas. Em dezembro de 2021, o Calunga inaugurou o "Espaço afetivo Homem da Meia-Noite, 90 anos de Paixão" no Shopping Patteo Olinda, que oferece um vasto repertório de itens decorativos em homenagem ao gigante. O espaço está localizado no piso L2 e ficará até o dia 06 de março de 2022.

 

Vozes apaixonadas 

  • Francisco Júnior, editor de Redes Sociais do Homem da Meia-Noite.
    Ele não é somente um boneco. Ele é um símbolo da cultura pernambucana que exalta a solidariedade nas pessoas. Conta Francisco Júnior, que é editor de redes sociais do Homem da Meia-Noite. Cortesia
  • 'Minha família sempre foi apaixonada pelo Calunga. Quando criança, eu tinha o sonho de ter um bloco de carnaval e quando eu me vi diretor de um dos maiores símbolos da cultura brasileira é motivo de muita honra, prazer, orgulho e responsabilidade', Ricardo Cristo, diretor do HMN, que aparece na foto junto à filha Dandara Cristo.
    "Minha família sempre foi apaixonada pelo Calunga. Quando criança, eu tinha o sonho de ter um bloco de carnaval e quando eu me vi diretor de um dos maiores símbolos da cultura brasileira é motivo de muita honra, prazer, orgulho e responsabilidade", Ricardo Cristo, diretor do HMN, que aparece na foto junto à filha Dandara Cristo. Cortesia
  • 'Para mim o desfile mais marcante foi o de 2020, quando o calunga chegou no Largo do Amparo e eu vi aquela massa esperando e gritando por ele, foi uma emoção imensa'. Anderson Bernardino, 27 anos, bisneto do fundador Benedito Bernardino.
    "Para mim o desfile mais marcante foi o de 2020, quando o calunga chegou no Largo do Amparo e eu vi aquela massa esperando e gritando por ele, foi uma emoção imensa". Anderson Bernardino, 27 anos, bisneto do fundador Benedito Bernardino. Cortesia
  • 'É algo mágico que acontece e que passa entre as gerações. Aprendi a amar com minha mãe e hoje o meu filho é apaixonado. Essa é a cultura que pulsa em nossos corações. Amamos o Homem da Meia-Noite'. Ynna Novaes, que aparece na foto ao lado da mãe Denise e Yan.
    "É algo mágico que acontece e que passa entre as gerações. Aprendi a amar com minha mãe e hoje o meu filho é apaixonado. Essa é a cultura que pulsa em nossos corações. Amamos o Homem da Meia-Noite". Ynna Novaes, que aparece na foto ao lado da mãe Denise e Yan. Cortesia
  • 'Minha família sempre foi apaixonada pelo Calunga. Quando criança, eu tinha o sonho de ter um bloco de carnaval e quando eu me vi diretor de um dos maiores símbolos da cultura brasileira é motivo de muita honra, prazer, orgulho e responsabilidade', Ricardo Cristo, diretor do HMN.
    "Minha família sempre foi apaixonada pelo Calunga. Quando criança, eu tinha o sonho de ter um bloco de carnaval e quando eu me vi diretor de um dos maiores símbolos da cultura brasileira é motivo de muita honra, prazer, orgulho e responsabilidade", Ricardo Cristo, diretor do HMN. Cortesia
  • 'Pena que o desfile não vai ser do jeito que gostaríamos. Mas temos fé que tudo vai passar e voltaremos a celebrar nas ladeiras de Olinda', diz Junior Paletó, 44, que aparece na foto com os filhos Marina, de 11 e Mário, de 7 anos.
    "Pena que o desfile não vai ser do jeito que gostaríamos. Mas temos fé que tudo vai passar e voltaremos a celebrar nas ladeiras de Olinda", diz Junior Paletó, 44, que aparece na foto com os filhos Marina, de 11 e Mário, de 7 anos. Cortesia
  • Marcone Júnior, 33, junto aos filhos Maria Eduarda, de 6 anos, e Gleydson Gabriel, de 10 anos.
    "Daqui há 100 anos eu não vou estar aqui, mas meus filhos e netos estarão porque isso é tradição", conta Marcone Júnior, 33, que aparece na foto junto aos filhos Maria Eduarda, de 6 anos, e Gleydson Gabriel, de 10 anos. Cortesia

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