Quando começaram a idealizar uma exposição para a coleção do advogado Sérgio Carvalho, os curadores Vicente de Mello e Aldones Nino perceberam que era preciso levar o olhar do colecionador para a maneira como as obras seriam apresentadas. Assim surgiu a associação da ideia de reflexo com a percepção labiríntica que orienta as escolhas de Carvalho. Em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), Espelho labirinto reúne mais de 100 obras de 86 artistas que hoje integram a coleção e convida o visitante a costurar as emoções e paixões que servem de guia ao colecionador.
Dono de uma coleção com mais de 2.400 obras, Carvalho costuma adquirir a partir de um olhar afetivo. A relação com os artistas e suas indicações podem ser mais importantes do que a noção de investimento ou a ideia de uma unidade de linguagem. Assim, há de tudo no conjunto, independentemente do suporte ou da narrativa do artista. "Queríamos procurar na coleção uma ideia de reflexo e como ela poderia ser investigada de maneira nova, com uma linha invisível que conectaria as obras", explica Vicente de Mello.
Foram várias visitas à coleção antes de escolher as obras. A própria disposição das peças na casa do colecionador ajudou a elaborar o conceito da montagem levada ao CCBB. "Como a coleção é muito plural, pensamos não em ter um caminho definido, mas em como se perder naquelas obras. Fizemos visitas, tivemos essa experiência de encontrar obras e em um cômodo, em outro, e começamos a ter essa ideia da metáfora do labirinto, como o trajeto poderia possibilitar relações e surpresas", explica Aldones Nino. O labirinto trouxe para o projeto o conceito de caminho não definido, e a metáfora do espelho veio como simulacro capaz de, ao mesmo tempo, revelar e confundir. "E pensamos que, por meio desses dois eixos, a gente pudesse criar esse projeto. E que o visitante pudesse ter essa noção de surpresa que refletisse o gosto do colecionador", avisa Nino.
Entre os artistas selecionados pela dupla de curadores há representantes de várias gerações da arte brasileira e uma quantidade expressiva de brasilienses que andam ganhando destaque em premiações nacionais e internacionais, como o Prêmio PIPA. Com obras em acervos de instituições como Fondation Cartier pour L'art Contemporaine (França), Central Academy of Fine Arte (China) e Museu de Arte do Rio (MAR), Christus Nóbrega assina a série Bibliomania, na qual fotos de corpos humanos aparecem impressas em livros antigos. O artista parte de um ritual ancestral de abrir aleatoriamente livros considerados sagrados para prever o futuro ou interpretar o presente. "Nessa série, uso desse expediente para construir um oráculo com meu próprio corpo e alguns livros mundanos comprados em sebos, herdados, furtados ou que me foram emprestados e nunca devolvidos", explica Nóbrega.
Nazareno, cuja trajetória teve início em Brasília, participa com uma pequena instalação formada por minúsculas caminhas e José Roberto Bassul é o autor da série Concreto abstrato, imagens em preto e branco nas quais o fotógrafo evidencia a monumentalidade da capital federal traduzida por meio de suas fachadas. Intitulada Caravana — ou sobre aquilo que não se diz, a obra de Nazareno é composta por uma série de camas em diversos formatos, realizadas em miniatura, feitas em madeira com colchões de mármore branco. Junto a elas fica um berço, em tamanho original. "Essa obra fala da perspectiva dos diversos percursos que tomamos em vida desde o nascimento e sobre os distintos formatos desses encaminhamentos, a cama, bem como o berço são mobiliários e aqui se colocam como metáfora de um acolhimento tanto do nascimento, trajetória e morte", explica o artista, que também está na mostra com uma série de desenhos em nanquim.
Nascido em Brasília e radicado em Goiânia, ganhador do prêmio Marcantônio Vilaça e selecionado para a 32ª Bienal de Arte de São Paulo, em 2016, Dalton Paula também está em Espelho labirinto, que tem ainda nomes celebrados da arte brasiliense como João Angelini e Ralph Gehre. A lista de brasilienses na coleção de Carvalho é grande, já que a convivência com os artistas da cidade é um dos gatilhos para o colecionador expandir o acervo, que tem ainda a presença de obras de Luciana Paiva, Raquel Nava, Valéria Pena-Costa, Milton Marques, Wagner Barja, Elder Rocha, Alice Lara, Levy Orthof, Yana Tamayo e Pedro Ivo Verçosa.
Expoentes de uma geração anterior e ícones da arte nacional, Regina Silveira, José Rufino, Efraim Almeida Farnese de Andrade, Eduardo Frota e Sandra Cinto também estão em Espelho labirinto. "Existe, na coleção, esse labirinto na percepção das obras em geral. Elas vão criando caminhos de uma narrativa que o colecionador criou na cabeça dele. É labiríntica a coleção, não tem a intenção de fazer uma coleção com um tipo de pensamento", avisa o curador Vicente de Mello.
Espelho Labirinto
Visitação até 13 de março, de terça-feira a domingo, das 9h às 20h30, no CCBB (SCES, Trecho 2, Lote 22, Brasília, DF). O uso de máscara é obrigatório em todos os espaços do CCBB e há pontos com álcool gel nas entradas. É preciso se identificar para pegar o ingresso gratuito na recepção ou retirá-lo pelo portal do CCBB