Durante o isolamento exigido pela pandemia, a artista Clarice Gonçalves, assim como milhares de outras mulheres, precisou administrar tarefas domésticas, cuidados com um filho de 8 anos, ansiedade, medo e alguma produtividade. Partindo da rotina do trabalho doméstico e da responsabilidade como mãe solo, ela começou a fantasiar um espaço idílico, um lugar imaginário no qual houvesse liberdade para o corpo e para o pensamento.
Daí surgiram as pinturas reunidas em Idílio, em cartaz a partir de hoje na Referência Galeria de Arte. "No confinamento, me vi impelida a buscar imaginação nessas escapatórias, e a exposição é fruto desse percurso, dessa busca de conexão com o espaço natural", conta a artista. São pinturas, óleo sobre tela, acrílico sobre cartão, fotografias com registros de performances realizadas com o objetivo de criar material para a pintura.
A temática da maternidade não é nova na trajetória de Clarice. Em 2019, ela levou ao Museu da República a exposição Matriz, com pinturas nas quais refletia sobre os desafios impostos às mulheres pela maneira como a sociedade encara a maternidade. Para ela, passar pela pandemia e pelo isolamento combinados foi quase como viver um segundo puerpério. "Que é a situação de estar presa com a criança, em casa, com todo o aparato de manutenção da vida. O dano da pandemia foi muito maior para as mulheres do mundo inteiro por conta dessa questão do cuidado", acredita. "E Idílio vem da ideia de entrar nesse limite do corpo, da quase implosão, que se volta para busca de uma animalidade, de uma conexão de algo maior." Nas obras, títulos como instinto, liberdade, pertencimento e dissolução remetem aos lugares e sentimentos visitados pela artista durante o período.
A relação do homem com a natureza também é um ponto importante no trabalho de Clarice e, especialmente, nas performances que tem realizado. A primeira foi durante o 1º Festival Internacional de Eco Performance, realizado em março. Em Mulher besouro, a artista interagia com a própria sombra em uma ação on-line na qual a literalidade tinha papel importante. "Foi meu primeiro experimento de encarar a performance como parte de minha produção pictórica", conta.
Depois vieram duas sessões da Partitura performática, realizadas na DeCurators e com curadoria de Sissa de Assis. Durante a performance, as imagens de Clarice eram projetadas na vitrine enquanto ela dançava no interior da galeria com o intuito de procurar motivações para a pintura feita ao vivo. A experiência levou a artista a perceber o quanto o próprio trabalho está presente na forma de viver. "É a forma de me manifestar, está na minha corporeidade, do que gosto de me alimentar visualmente e do que sinto no corpo. O trabalho vem muito desse lugar das sensações do corpo, vou vendo isso de uma forma muito idílica de conseguir encontrar nesse corpo performático de artista uma liberdade criativa que idealizo enquanto mulher e mãe. O que não consigo realizar, consigo realizar com as imagens", conclui.
Idílio
Mostra de pinturas de Clarice Gonçalves. Curadora: Luiza Mader Paladino. Visitação até 28 de fevereiro, de segunda a sexta, das 10h às 19h, e sábado, das 10h às 15h, na Referência Galeria de Arte (CLN 202 Bloco B Loja 11 - Subsolo)