Cinema

René Sampaio, diretor de 'Eduardo e Mônica', conta o que motivou o filme

Às vésperas do lançamento do longa Eduardo & Mônica, o diretor René Sampaio fala, ao Correio, da razão para as coisas feitas com o coração, num dos filmes românticos mais esperados do cinema nacional

"Um filme feito para jovens de todas as idades": é assim que o diretor René Sampaio define Eduardo & Mônica que vem encorpado com a promessa de atingir um público nacional "bastante família" que contemple todas as variações da expressão, agregando parentes, amigos e todas e quaisquer formatações de casais, como ele demarca. Enquanto vai delineando a terceira adaptação cinematográfica de uma outra música de Renato Russo, que segue em segredo, e ainda comanda um documentário sobre a vida do "trovador solitário", René celebra o feito do novo filme, com orçamento de R$ 12 milhões, e que chegará às telas em 20 de janeiro, com alcance em 500 salas de cinema.

Na trama de Eduardo & Mônica, o papel transformador da arte toca, em especial, a protagonista que, diz René, "aprende a olhar para si, com o olhar do outro". Pesa nisso, a composição estudada de Alice Braga. Num detalhe — o de "arrancar a barba, com pinça" —, o diretor sentiu a entregou "de corpo e alma" de Gabriel Leone à caracterização de Eduardo. Como terceiro vértice da relação, o cineasta não cansa de apontar Brasília. "Tenho uma relação umbilical e verdadeira com a cidade. Vivo aqui, de certa forma, com meus projetos, com a minha família. Volto para Brasília, sempre em busca de uma relação pessoal com a cidade, e não a institucional", explica.

Pessoalmente, a ligação de René com familiares de Renato é mais alinhavada com o filho e herdeiro do compositor: "Giuliano (Manfredini) é um garoto de quem gosto muito", conta. Em Eduardo & Mônica, Giuliano é Cameo (aparece como ele mesmo, brevemente). Integrante do elenco de Faroeste caboclo, Fabrício Boliveira também tem uma aparição relâmpago no novo filme. "Gosto de pensar que se trata do João de Santo Cristo, antes de ele encontrar a Maria Lúcia. É tipo universo Marvel: aparece um super-herói de um filme em outro (risos). É um prazer trabalhar com o Fabrício, e, afetivamente, foi importante ter ele e o Giuliano no filme", diz.

Entrevista // René Sampaio

Como você encara os fãs da Legião, ao fazer um filme como Eduardo & Mônica?

A questão dos fãs é essa: eu conto com eles. Acho que eles estão sempre do meu lado, tanto na hora de criticarem quanto de assistirem ao filme. Quando faço um filme, me vejo como um deles, um legionário. Há uma visão deste fã sobre a obra do Renato. Espero que outros fãs, como eu, gostem do filme que a gente fez. Faço para eles, mas, principalmente, para mim que sou um fã também — não é cabotino. Devo muito ao Renato: meu primeiro filme foi feito em cima da obra dele, e mudou minha vida. Já havia mudado minha vida como adolescente, como jovem, escutando refletindo sobre as letras, embalando as baladas em que ia para me divertir. Embalando as depressões de adolescente, quando eu tinha um amor não correspondido (risos). Vivi muito Renato, e espero estar devolvendo para ele um pouquinho do que ele me deu.

Houve uma paciência enorme para que o filme chegasse às telas...

A gente fez para ser visto no cinema, como experiência coletiva. Direto, houve propostas financeiras atrativas para se lançar no streaming. A gente acha que é uma obra que vale a pena todo mundo passar pelo cinema e conferir. Realmente, vem num momento em que já temos muita gente vacinada. Pelas nossas contas, nos grandes centros de exibição, muitas pessoas já terão tomado as duas doses. Só vai poder entrar quem tiver com a vacinação em dia. Dentro do que a ciência permite e o que são os protocolos do momento, é um momento bacana para o público reencontrar o cinema brasileiro nas salas de cinema.

Há um toque supremo de respeito na adaptação?

Você tem que ter um ponto de vista sobre o material que você vai adaptar. Eduardo & Mônica é o meu ponto de vista sobre a música, respeitando a essência da música. Acho que sugiro o espírito da música. Estudei muito sobre a obra do Renato Russo, como um todo, sempre, há muitos anos. Aposto num ponto de vista plural e que respeita a obra dele. Acho que fui bem fiel à narrativa original da letra. E eu vivi praticamente a realidade do Eduardo — ele teria 16 e, eu, 13 anos. O universo é muito rico e é muito meu: quase tudo que está na tela ou eu vi ou eu vivi. Há objetos, situações que fizeram parte da minha vida. Tem muita referência pessoal. O filme fica muito humano, quando a gente tira dos dias atuais que estão tão conectados e tão interligados.

Na fita, há a sombra do que seja retrógrado, e conflitos de gerações. Algo bem atual, não?

A gente tentou tratar com muito cuidado a questão do conflito de gerações — um ponto importantíssimo na obra do Renato Russo: Eduardo lida com o conservadorismo e, a gente se coloca, não partidariamente, mas, politicamente, no cenário. Acho que as questões abordadas fazem parte do que é o embate entre a Mônica, filha de um exilado político, e o Eduardo, neto de um conservador. Vemos como esses dados formaram cada um deles. Eles têm que lidar com as origens, de modo muito particular, quando eles querem se conhecer de verdade. Quando a gente coloca este tempero no filme, ele se torna ainda mais atual. As frases nos anos 1980 que faziam sentido estão sendo repetidas, ainda hoje, tanto para o bem quanto para o mal. O povo no poder, o povo querendo chegar... O povo... O povo querendo ser dono do seu próprio destino, isso enquanto outras pessoas defendem a volta da ditadura, o reino do conservadorismo, etc. A discussão das liberdades ainda não foi superada. É tudo muito diferente, quando você terá que lidar com estes temas diretamente com uma pessoa. É bem diferente do que chutar (ou ser chutado) na internet.

Menos ou mais complexo, o cenário?

O filme trata da discordância na esfera do mundo real. Alguém que, na noite de Natal, apresenta pontos com os quais você absolutamente não concorda. Como lidar com isso? E como Eduardo é obrigado a lidar com isso, uma vez que envolve amor, envolve afeto, envolve respeito (com relação ao avô dele)? É diferente do que, hoje em dia, você lê na internet. Alguém que você não conhece, xinga você, sua mãe e até a quinta geração. Multiplica-se tudo, e as pessoas são arrasadas na internet. Isso não é o mundo real, e o filme traz isso. No mundo real, você terá que encontrar essas pessoas (das fortes discordâncias), de novo, tomar café com elas. Então será que não há um jeito melhor de lidar com tudo isso do que o jeito com o qual lidamos na internet?! Isso é uma delicadeza do que está no filme.

Qual o seu controle sobre a criação dos atores?

No processo, escolhemos atores que haviam sido escolhidos pelos personagens. Fiz muitos testes — mas acho que eles é que se encontraram. Quando a gente se reuniu (Alice Braga, Gabriel Leone e eu), pegamos uns nas mãos dos outros e falamos: 'Vamos juntos encontrar o Eduardo e a Mônica que achamos serem os melhores para o filme'. Claro, há indicações minhas de diretor, mas a criação dos personagens foi um processo. Trabalhamos muito, antes das filmagens.

A associação com a arte é capítulo à parte, quase como personagem extra no filme?

Quando fui fazer o filme, me questionei muito como a gente retraria a arte da Mônica. Tinha que ser algo particularíssimo dela e tinha que representar a evolução que ela tinha enquanto artista, durante o filme. No filme, ela aprende a olhar para si, com o olhar do outro. As obras de arte do filme falam sobre perspectiva. O espectador percebe que através das obras ela muda a perspectiva que ela tinha sobre o mundo. A arte dela passa por uma transformação e ela encampa alteridade — olhar para os outros com sua visão e olhar a si mesmo com o olhar do outro. Eu mesmo sempre encaro o mundo num prisma em que eu busque o olhar do outro — para eu entender o meu próprio olhar. Emprestei um pouco disso para o filme também.

Como vê a linguagem do streaming e quais são seus planos mais próximos?

Streaming traz a continuação do que se fazia. É mais um lugar de se comunicar com o público. O trânsito é possível, de um filme que saia do cinema e passe no streaming, e vice-versa. O ritmo para cinema tem um detalhe diferenciado. A pessoa só deixa uma obra na sala de cinema quando ela é muito ruim. No streaming, a pessoa se aborrecendo, ela muda de canal. Quanto aos futuros planos, pretendo adaptar Capão pecado, livro do Ferréz, que é referência na literatura marginal de São Paulo, é muito bacana, como um dos campeões de vendas no Brasil. Tenho ainda uma trilogia sobre o jogo do bicho, com longas que tratam do começo meio e fim da história do jogo no Brasil. Além disso, há a próxima temporada de Impuros, que chega à quarta temporada, depois de passar pela Fox, Globo Play e, agora, estar na Star . Neste momento, estou rodando How to be a carioca, série de Carlos Saldanha, com a Joana Mariani, dois codiretores que me chamaram e estamos nas gravações. Fala de como o estrangeiro vê o Rio de Janeiro, e é para streaming — uma delícia de se fazer.

Que visão acha que o filme abraça ao revelar traços inusitados de Brasília?

Se volto para Brasília para fazer um segundo longa, é porque estou visitando uma outra Brasília, que não é a do Faroeste Caboclo, e que é a da minha infância, e que não é a de hoje. É uma cidade que me deu tudo, em termos de arte. Fazia a brincadeira impressa no filme no Congresso Nacional: brincava, na infância, com as sombras — isso é pertinente ao brasiliense. O resto do mundo tende a ver o Congresso, quando há uma manifestação lá na frente. Para o brasiliense, aquelas cúpulas já representaram um escorregador, quando era criança; já representaram a ida para tomar um vinho, por lá, e ver simplesmente como é bonito, sem levar nada em conta de política.

Pesou, o fato de o roteirista ser da cidade?

Matheus Souza é um gênio da raça. Eu o conhecia de outros trabalhos do Rio e de São Paulo. Ele juntava tudo o que precisava, para dar a cara deste roteiro. Um roteiro jovem, profundo e que traz questões de alma — e ele é de Brasília. Eu precisava de alguém que conhecesse a cidade. Alguém que olhasse a cidade sem olhar estrangeiro. Outras pessoas pegaram este roteiro, mas eu sentia que faltava brasiliensidade nelas. Matheus teve a compreensão da obra do Renato e trouxe humanidade. Ele escreve de uma maneira matheusiana, que só ele sabe fazer. Foi uma grande parceria, e que teve participações ainda de Claudia Souto, Jessica Candal e Michele Frantz.

Quando a gente pensa na Mônica, se pergunta: 'Existe idade para eu dizer eu te amo?'. O que você pensa disso?

O amor é um sentimento muito complexo. E eu te amo é usado muito, vulgarmente. Acho que existe a idade, e que é depois que você deixa de ser criança. Nisso, você diz eu te amo finalmente, de verdade. Existe aquilo muito puro da fase do 'papai ama você', 'o papai ama a mamãe', que traz outra gama de sentimento. No sentimento que representamos no filme há a complexidade do amor em que você evolui com a pessoa. O amor não é só paixão, querer o outro tão bem quanto a si mesmo, enxergar o outro como outra pessoa e que merece respeito, e, por isso, você precisa se dar ao respeito também. Uma complexidade que, às vezes, a gente não alcança, mesmo depois de uma vida inteira, e busca o amor perfeito. O filme tem um ideal romântico, sim.