Um filme repleto de tiros, sangue e violência visual. Descrito desta forma, o novo longa-metragem assinado pelo cinéfilo (e diretor consagrado) Guillermo del Toro, perderia muito do âmago da popularidade. Refilmagem de um clássico de Edmund Goulding (cineasta vencedor do Oscar de melhor Grande Hotel, em 1932), O beco do pesadelo ajusta a trama de filme noir de 1947, com Joan Blondell. Envolvente, o enredo deriva de um romance escrito por William Lindsay Gresham. Vale a lembrança de que Guillermo del Toro foi o responsável por A forma da água (melhor filme e melhor direção, no Oscar de 2017).
Gênero popular, nos anos de 1930, para o público de Hollywood, o noir costuma se render às imagens em preto e branco. Mas, em O beco do pesadelo, a direção de fotografia extremamente colorida é cortesia do dinamarquês Dan Laustsen. Consagrado pelos temas de limitações financeiras e estrelado por personagens minados por ingenuidade, o noir embebeda a nova produção de del Toro. Antes de chegar ao coração de Nova York, o protagonista Stanton Carlisle (Bradley Cooper) abraça um dos clichês do noir outrora estrelados por Robert Mitchum e Humphrey Bogart: vaga por terrenos baldios, até pegar carona num rabo de cometa, quando passa a integrar a trupe de circo itinerante.
"Ciência e conhecimento", pelo que dita o administrador do circo Clem (Willem Dafoe), são as chaves para este novo mundo. Entre desfiles por espelhos disformes e a convivência com tipos como o homem cobra (que exibe uma flexibilidade assustadora) e um chamado selvagem (entre o humano e o bestial), Stanton abusará do carisma, chegando a invadir o dia a dia da jogadora de tarô Zeena (Toni Collette) e do fracassado mentalista Pete (David Strathairn).
"Pessoas querem ser notadas", arrisca um dos personagens que detecta brechas para toda a sorte de trambiques serem instalados no cenário do circo. A elaboração do cenário (do filme) grita perfeição, com a direção de arte a cargo de Brandt Gordon, enquanto os figurinos do canadense Luis Sequeira, igualmente, sobressaem. Entre seres "impróprios à sobrevivência" (as atrações do circo), como demarcado por Clem, Stanton passa de empregado braçal e rústico à condição de estudioso da linguagem de trapaça, na intenção de promover "um estrago" em Nova York, sede para os futuros golpes ao lado da moça perita no manejo da eletricidade, Molly (personagem de Rooney Mara).
Uma série de pecados soterra a existência de Stanton que, apostando em códigos e oportunismo, caminha para o clássico tabuleiro armado nos filmes noir: muitas situações derivam de jogo de azar ou sorte impulsionados por fraudes e muito domínio de lábia (qualidade ressaltada no roteiro do longa, assinado por Kim Morgan e o próprio del Toro).
Entre tantos trambiques e reviravoltas, o filme ambientado nos anos de 1940 não decepciona no quesito femme fatale — no passado, a cargo de personalidades misteriosas como Lana Turner. Lilith Ritter (Cate Blanchett, destacada em premiação do Sindicato dos Atores) desponta como uma doutora, não só na frieza, mas ainda em psiquiatria. Dotada de uma pistola com punho de marfim, Lilith tem tudo para conferir fatalidade ao desfecho da trama em que malas se estufam, apinhadas de dólares. Quem completa o glorioso elenco do longa é a dupla de veteranos Mary Steenburgen e Richard Jenkins.
Crítica / Spencer ****
Tormento real
Realeza e realidade entram em franco desacordo no filme Spencer, centrado na popular figura da princesa Diana, morta em 1997. Dez anos depois de estrelar o fantasioso Branca de Neve e o caçador, a atriz Kristen Stewart protagoniza o novo filme conduzido pelo chileno Pablo Larraín, que versa sobre a desgraça de uma mulher de espírito independente se ver refém das deferências e tradições esmagadoras da ala conservadora da monarquia britânica.
Rainha (Stella Gonet) e o príncipe Charles (Jack Farthing), de quem Di pretende se livrar, estão em cena — mas como vultos. Entre banquetes sequenciados comandados por Darren (Sean Harris) e e a opressão de ter cada passo (e até as vestimentas) supervisionado, a princesa agoniza, tendo por espelho Ana Bolena, ultrajada personagem do reinado de Henrique VIII e descrita num livro que Di lê.
Sem cercar uma história oficial, Larraín aposta numa visão muito particular, sem verve documental, flana nas impressões dele sobre período natalino experimentado pela princesa de Gales pelos membros da Coroa na casa de campo em Sandringham (Norfolk). Carente e emudecida, cabe a Di sussurrar, introspectiva, trechos da tragédia assumidamente vertida em fábula, no roteiro de Steven Knight (Coisas belas e sujas e Senhores do crime).
Apresentado no Festival de Veneza, Spencer se vale de uma interpretação estritamente pessoal (do ponto de vista de Stewart) da magia do corpo de 24 profissionais do departamento de maquiagem da fita e da câmera inquieta de Claire Mathon (Retrato de uma jovem em chamas).
Em frangalhos, Diana tenta, com desespero, se conectar aos filhos William e Harry, tendo por fiel confidente a serviçal Maggie (Sally Hawkins). Artista que remodelou a visão do público para Jacqueline Kennedy (com o longa Jackie), Pablo Larraín assume devaneios e riscos de um filme feito sobre o filtro contemporâneo da urgência feminista.
» De volta ao lar
Desde 2019 distanciado das tradicionais exibições no Cine Brasília (EQS 106/107), o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro volta a ter exibições no chamado templo de cinema da capital. Ocorrida em dezembro passado, em caráter virtual, a 54ª edição terá reprises de filmes em destaque, em programação basicamente montada por dois curtas um longa-metragem. E o melhor: tudo de graça. Filmes como Acaso (DF), Ela e eu (SP), Saudade do futuro (RJ) e Lavra (MG) serão mostrados.
Hoje, às 19h, com fitas premiadas na Mostra Brasília, serão exibidos o curta Cavalo marinho (de Gustavo Serrate), vencedor do Candango de melhor fotografia, e O mestre da cena, documentário que celebra o ator local Gê Martú. O filme assinado por João Inácio faturou melhor montagem e ainda o Troféu Saruê (conferido ao ator, pelo Correio).
Produções derivadas de tecnologia mais acessível e ramificação de linguagens de cinema, pelo que reforçaram os curadores do festival, resultaram na pluralidade do evento. Amanhã, a programação começará às 20h, e traz os curtas Ocupagem (de Joel Pizzini, que venceu o Prêmio Marco Antônio Guimarães) e Era uma vez... uma princesa (filme de Lisiane Cohen valorizado pela temática afirmativa)
Sábado e domingo, as sessões serão duplas: em blocos de programação iniciados às 17h e 20h. Às 17h20 de sábado, será mostrado Alice dos Anjos, longa de temática universal adaptado por Daniel Leite Almeida para o interior baiano. O longa vem baseado em Alice no país das maravilhas, a obra literária do século 19 criada por Lewis Carroll.Na semana seguinte, as apresentações serão de quarta a sexta-feira.
» Outras estreias
Fortaleza Hotel
De Armando Praça. Com Clébia Sousa e Lee Young-Lan. Uma rede de solidariedade se espalha, quando uma camareira confidencia problemas a uma hóspede sul-coreana.
Belle
De Mamoru Hosada. Anime mostra os efeitos de um aplicativo de transporte para um mundo virtual, no qual a jovem Suzu se afunda. Numa jornada que compreende autodescoberta, ela se vê popular na pele da cantora Belle.
Passagem secreta
De Rodrigo Grota.
Com Fernando Alves Pinto, Arrigo Barnabé e Luiza Quinteiro.
Identidade de uma jovem é posta em xeque, quando se muda para cidade interiorana e passa a conviver com novo ciclo de amigos.
Summer of soul (Ou, quando a revolução não pode ser televisionada)
De Ahmir "Questlove" Thompson. Com Stevie Wonder e Nina Simone. Documentário
pré-selecionado para o Oscar apresenta um grandioso festival de música novaiorquino que congrega elementos da raiz da história de afro-americanos pelos EUA.
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