Luto

Com morte de Elza Soares, Brasil perde a ‘voz do milênio’

Da vida difícil em uma favela do bairro Padre Miguel, no Rio de Janeiro, ao posto de grande diva da música brasileira, Elza Soares avançou como vendaval até o fim

Jéssica Gotlib
postado em 20/01/2022 17:26 / atualizado em 20/01/2022 18:39
Elza foi uma figura disruptiva no cenário da música brasileira desde o dia em que pisou no palco pela primeira vez -  (crédito: MAURO PIMENTEL)
Elza foi uma figura disruptiva no cenário da música brasileira desde o dia em que pisou no palco pela primeira vez - (crédito: MAURO PIMENTEL)

Elza Gomes da Conceição, nascida em 23 de junho de 1930, foi tantas mulheres em uma só vida que dificilmente terá sua história contada a contento. Eleita pela BBC de Londres ‘A voz do milênio’ na virada de 1999 para 2000, a cantora deixa um país inteiro órfão neste 20 de janeiro de 2022, curiosamente, o mesmo dia em que morria o ex-marido,  Garrincha, há 39 anos.

Segundo nota da equipe de imprensa, Elza morreu em casa de causas naturais. Sem sofrimento, por tanto, é possível imaginar. Nada mais justo para alguém que viveu tão de perto algumas das piores coisas que se pode presenciar na Terra. O nome de seu trabalho mais recente, Planeta fome, faz referência a uma frase dita por ela na primeira vez em que se apresentou publicamente como cantora.

Aos 21 anos de idade, recém-viúva, poucos anos depois de perder dois filhos para a desnutrição e com outros quatro para criar, ela foi recebida com gargalhadas pelo auditório no programa de Ary Barroso. O próprio apresentador fez graça com a figura simples, vestida com roupas muito largas e penteada com uma maria chiquinha, ele perguntou: ‘De qual planeta você veio minha filha?’, ao que Elza sempre afiada respondeu: ‘Do mesmo planeta que o senhor, Seu Ary. Do planeta fome’.

A chacota cessou depois que a cantora soltou o vozeirão ao som de Lama, Paulo Marques e Aylce Chaves, ainda hoje conhecida pelas interpretações dela. Apesar disso, o pouco dinheiro que ganhou durante a apresentação foi todo para pagar remédios para o filho de dois anos que estava doente. O sucesso só veio anos depois e, mesmo no topo das paradas de sucesso, ela precisava enfrentar o racismo e o sexismo que não escapam ao meio artístico.

Lutou contra uma campanha difamatória no início dos anos 1960, por conta de seu envolvimento com Garrincha enquanto o atleta ainda era casado. Seguiu falando de romance, ativismo e sobre as cruezas da vida até o fim, como cantou em A mulher do fim do mundo: “A minha casa, minha solidão. Joguei do alto do terceiro andar. Quebrei a cara e me livrei do resto dessa vida. Na avenida, dura até o fim”.

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