Numa corrente crescente para o cinema, os musicais voltam a se projetar nas trilhas de interesse de Hollywood. Muito natural que, depois de tantas mazelas infestando o cotidiano e o ânimo das pessoas, o ato de cantar, o universo dos sons e mesmo as trajetórias associadas a biografias musicais estejam em franca valorização. No peso do entretenimento, não há quem resista a acordes e notas musicais. Bem prestigiadas pelo público, as produções já despontam como apostas em premiações relevantes, entre as quais o Globo de Ouro e o Oscar.
Natural que com tantos fenômenos sonoros internacionais em foco, os dançantes latinos se vejam bem projetados na renovação da onda musical. No ano duro para o cinema, ante perdas de talentos cristalizados, um dos maiores compositores da Broadway, Stephen Sondheim, morto em novembro de 2021, aos 91 anos, é celebrado nos créditos do musical Amor, sublime amor, com enredo centrado na disputa de territórios entre porto-riquenhos e irlandeses, que sentem na pele o peso de serem imigrantes em Nova York.
Amor, sublime amor venceu premiação máxima do segmento no Globo de Ouro dedicado a musical ou comédia. Sondheim é o letrista das músicas a cargo do genial Leonard Bernstein. Ninguém menos do que Steven Spielberg recondiciona o longa-metragem, que, na versão de 1961, galgou até mesmo a proeza de ser o melhor filme, na prestigiosa corrida ao Oscar, no qual, à época, se juntou a recordistas, alavancado por outras 10 estatuetas. Foi ainda de Amor, sublime amor que saíram as duas melhores atrizes, na eleição do Globo de Ouro: Rachel Zegler e Ariana DeBose.
Nesse redesenhado cenário de valorização dos filmes musicais, Lin-Manuel Miranda, de ascendência porto-riquenha, ganha um status de mago dos musicais. Compositor de Dos oruguitas, concorrente (derrotado pelo fenômeno Billie Eilish) à melhor música original da animação Encanto, no Globo de Ouro, Miranda ainda é um dos autores do argumento do longa da Disney que venceu na categoria de melhor animação. Também do ramo da animação, Sing 2 — recém-estreado no circuito de cinema —, é carro-chefe do estúdio Illumination, na disputa do prêmio Annie, destacado no cenário globalizado, e a ser entregue em fevereiro.
De vislumbre mais imediato, o brilho do autor e ator Lin-Manuel Miranda parece realmente não ter limites em 2022: produtor e autor da futura adaptação de A pequena sereia para a Disney, Miranda conduz Tick, tick... BOOM!, numa estreia como diretor que rendeu candidaturas a melhor musical, e ainda deu a Andrew Garfield o título de melhor ator de musical ou comédia no âmbito do Globo de Ouro. De parcial caráter autobiográfico, o filme explora o processo de criação (verídica) de um musical idealizado por Jonathan Larson. Lin-Manuel, incrivelmente, ainda comparece nos bastidores da disputa de Em um bairro de Nova York (no qual Anthony Ramos competiu como melhor ator): ele é autor de todo o conceito da peça na qual o filme de 2021 foi baseado.
Grande sucesso no Festival de Sundance do ano passado, No ritmo do coração é dirigido pela norte-americana Siân Heder. O filme traz um tema inclusivo, que alinha música com personagens que cativaram o público de Sundance, no festival que rendeu ao filme o título de melhor (na visão do público), assim como premiou a diretora e trouxe o título de Grande Prêmio do Júri. Surda, na vida real, a atriz Marlee Matlin está na fita destacada ao Globo de Ouro e que mostra a relutância de uma filha de pais surdos em assumir a estreita ligação com a música. Troy Kotsur também competiu ao Globo de Ouro, em papel coadjuvante.
Candidato (derrotado) a melhor música, o filme Respect: A história de Aretha Franklin, estrelado por Jennifer Hudson, traz uma ode à cantora de rhythm & blues, morta em 2018. Encabeçado pelo ator Peter Dinklage (candidato, no Globo de Ouro, a melhor ator de musical ou comédia), Cyrano competiu ao Globo de Ouro na categoria de melhor filme. Em pauta, no filme de Joe Wright, está o tema do nanismo e da crueldade de parte da sociedade representada no filme, que retoma as partituras musicais da Broadway setentista, e que redesenhou a famosa peça escrita, em 1897, por Edmund Rostand.
Crítica // Annette
Sem toque divino
Impactante e pedante: assim pode ser definida a nova obra do diretor Leos Carax (considerado o melhor pelo júri do último Festival de Cannes). Annette traz um colorido nas imagens cuja trama tem apoio numa criação dramática idealizada pelos irmãos Mael (da banda setentista Sparks).
Um mundo caótico cerca a existência da cantora de ópera Ann (Marion Cotillard, mais uma vez doce a ponto de galgar indicação ao Globo de Ouro de melhor atriz), no enredo em que ela se envolve com o despojado Henry (Adam Driver, num papel desagradável e enlouquecido). Afrontador e desequilibrado, Henry se promove sob o estranho título de O Macaco de Deus, e protagoniza shows humorísticos de teor contestável.
Em suma, no bojo de Annette (o nome da filha que ambos terão e que carrega um destino inusitado), o clássico e o vulgar, que define os protagonistas, são confrontativos. Numa das cenas finais há até momentos de alta emoção, mas é tarde, dada a duração da fita: são quase duas horas e meia de jornada do longa vibrante e detestável.
Outros pasitos bailantes
Vila Sésamo — Na terceira experiência de longa-metragem dos famosos bonecos saídos de programa de tevê, Anne Hathaway estrela o longa em que a Vila Sésamo fica virtualmente fora do mapa.
Aline — Valérie Lemercier assumiu a direção do longa em que ela mesma interpreta a fictícia cantora canadense Aline Dieu, que tem a trajetória inspirada por Céline Dion.
Pinocchio — A obra de Carlo Collodi ganha versão em stop-motion de Guillermo del Toro, numa obra com números musicais já adquirida pela Netflix.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.