A professora de literatura e ensaísta Vera Lúcia Oliveira se impôs um desafio: apresentar a obra de Dostoiévski de maneira cronológica, da maneira mais simples, aos não iniciados e aos iniciados. Aos não iniciados porque ela relata a linha da narrativa e, aos iniciados, porque revela novas interpretações sobre textos clássicos. O resultado dessa faina está reunido nos artigos e ensaios de Dostoiévski sem moderação (Ed. Sarau das Letras): "Essas obras da primeira fase permitem acompanhar o desenvolvimento de Dostoiévski, ver a evolução na construção dos personagens, o peso de certos valores na obra dele", comenta Vera.
O título Dostoiévski sem moderação brinca com Thomas Mann, que, ao ser convidado por uma editora para escrever sobre o escritor russo, delimitou a apreciação a seis romances e, por isso, chamou o ensaio de Dostoiévski moderado: "A experiência de ler Dostoiévski é inigualável, avassaladora", justifica Vera. Em Dostoiévski imoderado, ela interpreta O duplo, Niétotchka Niezvânova, O pequeno herói, Noites brancas, O ladrão honrado, Recordações da casa dos mortos, O homem do subsolo, entre outros.
Além disso, estabelece conexões entre Dostoiévski e Edgar Alan Poe, Dostoiévski e Oscar Wilde. A primeira fase de Dostoiévski não difere da de outros escritores, tais como Machado de Assis, Graciliano Ramos ou Tólstoi: "Esse estudo ajuda a compreender a obra dos grandes escritores", comenta Vera. "O homem do subsolo é a gênese de outros personagens obstinados, contraditórios, difíceis e complexos que vão aparecer mais adiante na obra de Dostoiévski."
Na primeira fase, Dostoiévski coloca em primeiro plano pessoas simples, bondosas e compassivas. Mas, à medida em que a obra evolui, ele chega a personagens de extraordinária complexidade dramática em Crime e castigo, Os irmãos Karamazovi, O idiota e Os demônios: "Dostoiévski mapeou e mergulhou na alma do homem russo nos primeiros livros. Ele se torna eslasófilo, exalta a Rússia como referência espiritual para o ocidente. Com a experiência na prisão, ele conhece os homens pobres, perigosos, abandonados pela sorte. Mesmo nesses, ele vislumbra relances de bondade submersa. O personagem de Um ladrão honrado rouba e se arrepende.Dostoiévski era um homem bom, queria ver a bondade no seu semelhante."
O fluxo do inconsciente se manifesta a todo momento da ficção dostoievskiana e se presta a muitas análises psicanalíticas. Embora a ênfase seja a análise literária, Vera usa os conceitos da psicanálise em vários momentos para interpretar a obra do escritor russo: " Fui observando os personagens, em algumas histórias parece que Dostoiévski está falando dele mesmo. Nesse aspecto, é importante analisar a epilepsia e o que ele via nessas crises. Muito da obra dele vinha desses lampejos. Algumas situações dramáticas ou algumas palavras desencadeiam todo um fluxo do inconsciente".
Vera tentou facilitar o acesso dos leitores não iniciados na obra de Dostoiévski, ao evocar as narrativas para que seja possível acompanhar a análise. Ela recomenda a leitura do escritor russo em razão do seu profundo e arrebatador humanismo: "Ele foi preso, viveu o vício do jogo e era epiléptico. Não foi um homem perfeito. Mas, a despeito do paraíso ou da perfeição, ele prefere o homem humano. Ler Dostóievski é se reconectar com uma profunda humanidade."
Dostoiévski, sem moderação
De Vera Lúcia de Oliveira
Ed. Sarau das Letras/153 páginas
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.