Durante a pandemia, com o isolamento forçado, Ana Maria Machado começou a escrever um livrinho muito delicado, dedicado a memórias de seus encontros com leitores. No texto, ela lembra de várias ocasiões em feiras, palestras e lançamentos durante os quais conversou com leitores. São momentos que estavam guardados na lembrança, mas sobre os quais nunca pensou escrever. Como muitas pessoas, durante a pandemia, a escritora e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) fez um balanço da própria trajetória. "Me dei conta de como fui privilegiada não só de poder fazer pandemia com teto e comida na geladeira, mas com boas lembranças de bons encontros. A vida me deu presentes. E comecei a lembrar dessas pequenas alegria", conta.
Rastros e riscos ganhou primeiro o nome de "pequenas alegrias discretas" no arquivo do computador da autora. O livro chega agora às livrarias para celebrar os 80 anos de Ana Maria e como estreia da Coleção Delas, da Ática, uma série dedicada às grandes escritoras brasileiras. Além das memórias, a autora lança também Vestígios, coletânea de 11 contos cuja publicação estava prevista para o ano passado, mas acabou adiada por causa da pandemia.
Reconstruir e escrever sobre os encontros com os leitores foi um exercício de reflexão. "Ao longo do tempo, conversei tanto com leitores que acho que a troca se fazia oralmente, Eu escrevia para leitores, mas não sobre leitores, Acho que foi o fato de termos ficado quase dois anos fechados, sem contato direto, que me fez escrever sobre eles", explica. "Não sou muito de redes sociais, então acho que esse mergulho para dentro de mim, esse balanço de estar fazendo 80 anos, trouxe a oportunidade de refletir sobre esses encontros." Rastros e riscos é um livro afetuoso e amoroso, sentimentos que ajudaram a autora a passar pelos dois últimos anos,
Já Vestígios não foi escrito durante a pandemia, mas também tem uma ligação forte com a memória. Produzidos ao longo dos anos, os contos são um exercício de um gênero pouco praticado pela autora. "Não sou uma contista, me acho mais uma romancista, acho que meu forte, quando escrevo ficção, é desenvolver lentamente uma personagem, criar uma atmosfera. O conto exige uma concisão, tem um poder de condensação de narrativa muito forte com o qual tenho dificuldade, por isso escrevo menos", explica.
Quando a editora sugeriu reunir em um volume os textos escritos nos últimos anos, Ana Maria fez uma pesquisa para ver se conseguia encontrar um fio condutor entre as narrativas. Ela queria evitar uma colcha de retalhos e preferia dar uma unidade à antologia. "E vi que alguns tinham em comum o fato de apresentar rastros, vestígios, pegadas, um reflexo atual do passado ou sobre alguma coisa presente que vai se jogar para o futuro", diz. "(Eles tinham em comum) o fato de mexerem com a memória, com a passagem do tempo e com as marcas que o tempo deixa na vida."
A pandemia refletiu em muitos livros publicados em 2020 e 2021 por autores contemporâneos brasileiros, mas Ana Maria ainda não viu o Brasil real aparecer em sua ficção. "Seguramente, se viver o suficiente para isso amadurecer, isso vai aparecer. Mas meu processo é mais lento, escrevi sobre 1968 em um livro que publiquei em 1988, escrevi sobre o denuncismo dos anos 2000 10 anos depois", reflete. Por enquanto, ela ainda está perplexa com o Brasil. "É uma desgraceira, não tem como encarar como coisa boa", lamenta. "A gente tenta se proteger por sobrevivência. Mao Tsé Tung dizia que o primeiro dever do revolucionário é sobreviver. Então vamos sobreviver. Eu acho que a gente tem que conseguir sair disso, tem que conseguir, por meio de união, no que é possível."
Ela lembra de uma conversa recente com o acadêmico Alfredo Sirkis, pouco antes dele morrer, no ano passado. Os dois refletiam sobre a necessidade de a ABL tomar partido e fazer algo no que diz respeito à desigualdade e às mudanças climáticas. Os dois queriam entender como o Brasil assistia a tudo de maneira um tanto passiva se comparada a outros países. "Outro dia li uma entrevista da Marina Silva em que ela dizia que não é possível que a gente não consiga incorporar os diferentes legados positivos que tivemos desde a redemocratização do país, que a gente tem que conseguir valorizar uma responsabilidade fiscal, um trabalho conjunto para diminuir desigualdades sociais e uma preocupação prementíssima com o meio ambiente, que é urgente para todos nós. Não é possível, isso é urgente urgentíssimo, era para ontem, tinha que ter sido feito", acredita.
Sobre a entrada de Gilberto Gil e Fernanda Montenegro para a ABL, Ana Maria diz que é um movimento natural da instituição. Para ela, a ABL sempre foi muito variada, mas a mídia prestou muita atenção nisso agora. A acadêmica lembra que cineastas e letristas, assim como afrodescendentes, há muito faziam parte dos quadros da casa. "O Gil entrou derrotando um candidato negro, o Salgado Maranhão. Taí, esse é um fato, um sinal dos tempos, uma abertura que está vindo, mas não é só por isso, por causa dessas duas entradas, desse dois representantes desse momento tão simbólico de um momento novo", garante.
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