Música

Alma nordestina resiste! Artistas se reúnem e discutem fortalecimento do forró

Evento com forrozeiros de todo o Brasil e até do Japão discute o fortalecimento da cadeia produtiva do forró, agora patrimônio cultural do Brasil aprovado pelo Iphan

João Pessoa — Lá do céu, Luiz Gonzaga está em festa com mestre Januário. Foi uma peleja iniciada em 2011 por pesquisadores, artistas, produtores culturais que travaram uma desgastante, mas vitoriosa batalha, para criar todo o arcabouço teórico e técnico, que deu ao forró o reconhecimento de patrimônio imaterial brasileiro, cujo resultado foi aprovado por unanimidade pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), no último dia 9.

Incansável e símbolo dessa luta para preservar as tradições e a diversidade musical do forró, a pesquisadora Joana Alves esteve à frente de todo esse processo. Ela também foi responsável pelo IV Encontro Nacional de Forrozeiros e o III Fórum Nacional de Forró de Raiz, encerrados na última sexta-feira, no Espaço Cultural José Lins do Rego e na Usina Cultural Energisa, em João Pessoa.

Há 13 anos, o zabumba, a sanfona e o pandeiro entravam para valer na vida de Joana Alves. "Antes mesmo, tinha uma relação muito forte com o forró, porque minha filha fazia parte de um grupo forrozeiro, conhecido como Bastianas. Ela se preocupava com as dificuldades de artistas populares e decidiu fazer uma associação para dar suporte a esses músicos. Foi então que assumi a Associação Cultural Balaio Nordeste e fomos em busca de apoio e de viabilizar essa cadeia produtiva", lembra.

Mas o embate com a burocracia era desgastante. Joana não desistiu. "A partir daí, começamos a fazer encontros com representantes do segmento, e a trabalhar uma proposta para registrar o forró no Iphan. Logo depois, foi aberto um edital para fazer o 'Dossiê do Forró', vencido pelo etnomusicólogo Carlos Sandroni, professor do Departamento de Música da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e representante da instituição Respeita Januário", acrescenta.

Representante autêntica da música nordestina, Elba Ramalho era só alegria quando falou ao Correio sobre o reconhecimento do Iphan. "É necessário legitimar, de fato e de direito, o que nosso povo sabe: a importância do baião, xote, xaxado, chamego, quadrilha e dos gêneros que estão agrupados no forró. Temos que celebrar. É a preservação da nossa identidade musical e cultural", ressalta a paraibana.

Pandemia

Os próximos passos, de acordo com Joana Alves, serão estreitar ainda mais relações entre todo o segmento econômico por trás do forró, principalmente depois do baque da pandemia, provocado pela covid-19. Muitos artistas chegaram a passar por sérias dificuldades e foram socorridos por entidades, como a Associação dos Forrozeiros do Distrito Federal (Asforró- DF). "Fizemos um movimento durante as lives musicais para conseguir doações de cestas básicas e até encontrar padrinhos que pudessem pagar contas de água e de luz dos artistas em dificuldade", lembra Marques Rodrigues de Almeida, presidente da Asforró. "Por conta dessas ações, a Ambev doou 200 cestas, o que ajudou a sustentar alguns músicos por quatro meses durante o isolamento imposto pela pandemia", afirma.

Participante do Encontro em João Pessoa, Marques tem esperança que o título de patrimônio imaterial, "trará uma sustentação jurídica para que a associação possa buscar editais e captar recursos, além de se integrar à economia criativa do DF". E esse é só o começo para promover o intercâmbio das comunidades forrozeiras e das expressões identitárias da cultura nordestina. A sanfona celebra na marcação do zabumba e do triângulo. Viva o forró!

O repórter viajou a convite da PBTur e do evento

 

Alice Guimarães/Divulgação - Crédito: Alice Guimarães/Divulgação. Encontro de Forrozeiros em João Pessoa, ( PB ).
Alice Guimarães/Divulgação - Joana Alves: "O próximo passo é estreitar ainda mais relações entre todo o segmento econômico por trás do forró"

Três perguntas para Roger Alves Vieira, diretor do Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI) do Iphan

Depois da confirmação do forró como patrimônio cultural do Brasil, qual serão as próximas etapas desse processo?

Quando o bem cultural é inscrito em um dos Livros de Registro do Iphan, dá-se início a execução de um conjunto de ações estratégicas de curto, médio e longo prazo, visando à sustentabilidade das matrizes tradicionais do forró como patrimônio cultural do Brasil, a próxima etapa será, portanto, traçar, em colaboração com as comunidades forrozeiras, ações de apoio e fomento à continuidade e salvaguarda do bem cultural reconhecido.

A portaria do Iphan 299/2015 é a que normatiza os tipos de ações e atividades a serem desenvolvidas para a salvaguarda de um bem cultural registrado, e visam contribuir tanto para a sua continuidade de modo sustentável quanto para a melhoria das condições sociais e materiais de transmissão e reprodução que possibilitam sua existência.

Dessas atividades, podem resultar ainda um plano de salvaguarda com gestão compartilhada a partir da criação de coletivos deliberativos — constituída por grupos, comunidades ou segmentos sociais diretamente envolvidos com as matrizes tradicionais do forró e outros atores públicos e privados. Estes espaços de diálogo, de interlocução continuada ente Estado, detentores e parceiros institucionais, são responsáveis pelo planejamento, acompanhamento e validação das ações pactuadas e o fomento para autonomia das comunidades detentoras para a gestão do seu próprio patrimônio.

 

Foram 10 anos de luta para que o forró fosse reconhecido por unanimidade pelo Conselho Consultivo do Iphan como um bem brasileiro. Quais os motivos da demora?

Os processos de reconhecimento de patrimônios culturais de natureza imaterial, no Iphan, não são meramente declaratórios, em que bens culturais possam ser meramente inscritos nos Livros de Registro como patrimônios culturais sem que maiores consequências sejam produzidas no âmbito das vidas das comunidades e diferentes segmentos sociais que detêm os conhecimentos necessários à existência dos bens culturais reconhecidos e sem as quais não haveria condições do Estado, por si só, garantir a existência do bem cultural reconhecido.

Na política federal, os reconhecimentos dos patrimônios culturais de natureza imaterial seguem aquilo que está previsto no Decreto 3.551/2000 e Resolução Iphan n° 001/2006, que demandam, não apenas a produção e sistematização de conhecimentos e documentação sobre o bem cultural, mas também a mobilização da comunidade detentora do bem cultural em questão, ou seja, no caso das matrizes tradicionais do forró, a comunidade forrozeira em todo o país.

A partir de agora é necessário pensar em políticas públicas para proteção e incentivo à cadeia produtiva do forró. Como o Iphan pode colaborar nesse sentido?

O conhecimento gerado durante os processos de identificação e reconhecimento é o que permite diagnosticar, de modo bastante preciso, as formas mais adequadas de salvaguarda dos bens culturais de natureza imaterial. E para que isso aconteça, a mobilização social de comunidades, grupos ou indivíduos vinculados à produção e reprodução do bem cultural é uma condição fundamental, já que as recomendações para a construção do plano de salvaguarda são elaborados pelos próprios detentores, com o apoio do Iphan e constam do Dossiê de Registro das Matrizes Tradicionais do Forró, avaliado e aprovado por unanimidade pelo Conselho Consultivo do Iphan.

A partir do que está diagnosticado no Dossiê de Registro, comunidade forrozeira e Iphan passam a atuar em parceria, na busca de promover e apoiar ações que promovam a salvaguarda dos saberes, expressões e condições que possibilitem a existência das matrizes tradicionais do forró, sobretudo a partir das condições de existência dessas matrizes tradicionais em cada unidade da federação em que o Iphan atua juntamente ao lado dos fóruns de forrozeiros, apresentando suas demandas.