Um equilíbrio na valorização entre ficção e documentários norteou a premiação do 54º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, encerrado, de modo on-line, com transmissão na plataforma play.innsaei.tv. Saudade do futuro — documentário que traz fluxos de sentimentos entre brasileiros, portugueses e personagens cabo-verdianos intermediados pelas ondas do mar — foi considerado o melhor filme, pelo júri oficial. Com direção de Anna Azevedo, Saudade do futuro dividiu atenções com a ficção Alice dos Anjos, longa que venceu nas categorias de direção (Daniel Leite Almeida), figurino, maquiagem e direção de arte. Além disso, a fábula que bebe da literatura de Lewis Carroll, e a transpõe para o sertão, venceu como melhor filme, em votação do júri popular, e levou prêmio paralelo, concedido pela Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema).
Ao longo da festa de premiação, foram entregues 46 troféus Candango, a tradicional estatueta do evento. Sob apresentação da dupla Murilo Rosa e Maria Paula Fidalgo, a festa trouxe expectativas para os integrantes de 28 produções alinhadas nas competições de escala nacional e ainda no segmento reservado à Mostra Brasília. A exemplo dos festejos de 2020, neste ano, os prêmios Candango serão despachados, futuramente, para os vitoriosos.
Entre as interpretações, dois destaques saíram do elenco de Ela e eu: a melhor atriz Andréa Beltrão e Eduardo Moscovis, considerado melhor ator. Leonardo Levis, coautor do roteiro, faturou na categoria, com a colaboração de Gustavo Rosa de Moura (também diretor do filme) e de Andréa Beltrão. Na trama, uma mulher volta ao cotidiano familiar, depois de passar 20 anos em coma.
Além da vitória do filme local Acaso, na categoria de melhor montagem (Juana Salama), o júri ainda concedeu troféus para os longas documentais Lavra e De onde viemos, para onde vamos. O primeiro (de Lucas Bambozzi), detido nos crimes ambientais impulsionados pelo extrativismo mineral, obteve menção honrosa e ainda foi valorizado pela melhor fotografia (de Bruno Risas). Debruçado nas problemáticas de perdas de raízes do povo Iny, De onde viemos, para onde vamos faturou como melhor filme com temática afirmativa e como filme de melhor som. Coube também ao longa dirigido por Rochane Torres a menção honrosa atribuída pela Abraccine.
Na festa da 54ª edição do Festival de Cinema, o curta Chão de fábrica — que tem a particularidade de contar apenas com talentos femininos em cena e nos bastidores, e explora anseios de operárias — saiu consagrado. Considerado melhor filme, rendeu Candango para a melhor diretora, Nina Kopko; atriz (Joana Castro) e ainda teve conquistas de melhor montagem (Lis Paim) e figurino (Gabriella Marra). Duas atrizes (Karol Medeiros e Isabela Catão) obtiveram menção honrosa, pelo filme Terra nova. Considerado melhor filme com temática afirmativa, Era uma Vez... Uma Princesa expôs meandros de uma relação abusiva. Icônica para o cinema nacional, a atriz Léa Garcia também encampou as vitórias femininas no evento: pelo conjunto da obra, faturou troféu.
Da boca da noite à barra do dia, produção pernambucana que trata da manifestação cultural cavalo-marinho, conquistou os votos do júri popular e rendeu Candango de melhor ator (em curta) para Sebastião Pereira de Lima. A produção local Filhos da periferia, ambientada na Ceilândia, rendeu Candango pela melhor direção de arte (Rodrigo Lelis, vencedor ainda no âmbito da Mostra Brasília).
Uma das boas novidades desta edição do festival veio com a possibilidade de os espectadores acompanharem os filmes vencedores, disponíveis até 23h59 de amanhã, na plataforma play.innsaei.tv. Serão mostradas oito produções, destacadas pelos júris oficial e popular. Ainda na instância de curtas, Como respirar fora d'água (de Júlia Fávero e Victoria Negreiros) — sobre a violência contra uma personagem negra e lésbica — faturou o prêmio de melhor som e conquistou o prêmio paralelo do Canal Brasil. Com enfoque em lideranças femininas dos sem-teto atuantes em São Paulo, e alinhavado por registros literários, o curta Ocupagem, de Joel Pizzini, venceu o Prêmio Marco Antônio Guimarães, concedido pelo Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro.
Prata da casa
Com realização quase doméstica, dado o orçamento mínimo, o longa Acaso (de Luis Jungmann Girafa) venceu, no âmbito da Mostra Brasília; ainda pelo júri oficial, Benevolentes se destacou na premiação como melhor curta-metragem. As escolhas, em júri popular, recaíram sobre o longa Advento de Maria e o curta A casa do caminho. Advento de Maria — que trata de uma personagem juvenil transgênero — venceu prêmio de atriz, de roteiro, figurino e maquiagem.
Na seção reservada aos filmes produzidos em Brasília, Jimi Figueiredo e Sérgio Sartório conquistaram, por Noctiluzes, o prêmio de melhor direção, e o filme, que trata de preconceito e violência, rendeu ainda troféus Candango para os atores Chico Sant'Anna, André Deca e Vinícius Ferreira. Vencedor de prêmios anteriores com O menino leão e a menina coruja, o diretor Renan Montenegro, formado pela UnB, em 2021, conquistou troféu como melhor filme com temática afirmativa pelo filme A casa do caminho.
Celebração local
O documentário Mestre da cena, em torno da figura do ator e diretor Gê Martú, assinado por João Inácio, além de ter conquistado, na Mostra Brasília, o prêmio de melhor montagem, trouxe ecos na celebração do artista. Coube a Gê Martú o troféu Saruê, concedido pela equipe do caderno de cultura do Correio e reservado ao melhor momento do festival. Na justificativa para o prêmio confeccionado pelo artista plástico Galeno, se destacou: "É num conjunto de centenas de obras, seja no cinema ou nos palcos, que a personalidade de Gê Martú sempre chamou a atenção pela atitude tranquila com a qual lidou com a popularidade. Em mais de 70 anos de carreira, esse intérprete representou em esferas de poder e investiu em personagens de verve artística".