"Um festival maravilhoso": assim é a percepção da cineasta Rochane Torres, ao analisar o 54º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que chega à reta final, na noite de hoje, com encerramento e premiação. Diretora concorrente, pelo longa De onde viemos, para onde vamos, ela ansiava pela versão presencial do evento, com troca de energia e de experiências diretas com a tela do Cine Brasília e mesmo com os colegas cineastas. "Mas, a edição on-line trouxe questões positivas: pudemos acompanhar tudo, com mais facilidade na hora de montar um cronograma para prestigiar os filmes. Houve debates, e achei ótimo o Festivalzinho — destinado a crianças — apresentar O menino e o mundo", analisa a diretora que, no longa que conduz, habilitado para premiações do troféu Candango, trata de temas indígenas.
Na festa de hoje (que pode ser conferida, a partir das 20h, na plataforma play.innsaei.tv), 46 prêmios Candango entram em cena para serem distribuídos. Murilo Rosa e Maria Paula Fidalgo responderão pela apresentação da festa.
"O festival é rico, faz história e conta história. Há o compromisso com o cinema, com a história e com o Brasil. É um festival que tem vida longa, por ser consagrado. Achei fundamental a discussão do tema O Cinema do Futuro e o Futuro do Cinema, repleta de questões conceituais e de linguagem", elogia Rochane. Temas coerentes com a proposta do festival mobilizaram Rochane: "Muito se discutiu sobre as diferenças, sobre as inclusões e as exclusões sociais no mundo contemporâneo". O colega Gustavo Rosa de Moura, que defendeu Ela e eu, exibido na última sexta, endossa a visão. "A diversidade da programação foi o que mais curti nessa edição do festival. Adorei a curadoria do evento. Mesmo na competição de longas, que tem só seis filmes, a seleção foi muito diversa e interessante, com filmes fortes e bem diferentes entre si", opinou.
Na extensa programação, a diretora Anna Azevedo (concorrente por Saudades do futuro) conta da arrebatadora sessão em que pode rever ao clássico O país de São Saruê, de Vladimir Carvalho, — filme que completa 50 anos de lançamento e 20 anos de restauração. "Eu não me lembrava do quão rica é a trilha sonora do filme. Ouvir o realizador Vladimir Carvalho é sempre uma vacina que nos energiza e nos faz querer filmar, apesar de tudo, e sempre. Houve, ainda, a homenagem à professora e escritora Lucília Garcez (falecida esposa do diretor), o que também me deixou muito emocionada, uma profissional que eu admirava profundamente", cometa Anna Azevedo.
Presente nas filmagens, Paraíba adentro, do longa Dois sertões (no qual faz a produção executiva), o diretor Daniel Leite Almeida, competidor aos prêmios Candango (pelo longa Alice dos Anjos), acompanhou, como pode, o Festival de Cinema. "Assisti ao curta Ocupagem, que trata sobre consciência coletiva e ainda ao Terra nova, feito sobre a pandemia, e que me deixou angustiado, dada a desgraça que nós, brasileiros-artistas, passamos nos últimos meses. Deu tempo de conferir Saudades do futuro, que achei belíssimo. Um filme sobre saudades que perpassa desde lugares da subjetividade e do luto, como também questões sociais, num lugar que chega à universalidade: saudades das mulheres portuguesas pelos entes que se perderam no mar, ou dos povos indígenas que perderam suas terras, ou das mães que perderam seus filhos pela violência policial", observa o diretor.
Diretores ligados ao terreno das artes plásticas, tanto Luis Jungman Girafa (do longa Acaso, incluído ainda na competição da Mostra Brasília) quanto Lucas Bambozzi (do longa Lavra) projetam para o futuro o desdobramento da passagem pelo Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Fotógrafo e artista plástico, Girafa vai intercalar o dia a dia, com a demanda das exposições, junto com a perspectiva de um próximo filme, mas que, com análise e aval de roteiro até mesmo de Carlos Reichenbach (morto em 2012), se projeta com formato de produção mais profissional. Vale a lembrança de que Acaso foi criado a partir de um investimento de aproximadamente R$ 25 mil, na maioria, saídos do bolso do diretor.
Exibido há uma semana na noite competitiva, o longa Lavra, em torno da predatória exploração do extrativismo mineral, de Lucas Bambozzi, também ecoará em novos frutos para fortuna crítica. "Pretendo desenvolver uma versão do filme Lavra na forma de instalação artística, privilegiando os aspectos mais sensoriais do filme, as paisagens mutiladas e o desolamento visual. Ainda não há um espaço ou instituição definida, mas pretendo, junto com os produtores do longa, seguir adiante com essa proposta. Tenho, ainda, a ideia de transformar o material não utilizado no longa, em um curta-metragem, aprimorando a parceria com a roteirista Christiane Mesquita", adianta o diretor Lucas Bambozzi.