Olhos d’Água é um pequeno vilarejo com pouco mais de 6 mil habitantes a pouco mais de 100 quilômetros de Brasília. Um rio chamado Galinhas e uma ponte “estragada” cortam o setor de chácaras da cidade, marcada pelo ritmo mais lento do cotidiano do interior. Essa combinação foi essencial para que os artistas Raissa Studart, Cecília Lima e Cleber Cardoso Xavier produzissem as obras da exposição Hospitalidade, em cartaz no Museu Nacional da República.
A mostra é fruto de uma residência realizada em 2019 na casa da também artista Suyan de Mattos que, em 2018, teve a ideia de abrir as portas para receber artistas por longos períodos. Um grupo de jurados seleciona os nomes, que passam duas semanas na casa de Suyan em Olhos d’Água enquanto trabalham para produzir uma exposição. Raissa, Cecília e Cleber fazem parte da segunda edição do projeto, que tem como curadoras Yana Tamayo e Cíntia Falkenbach.
A própria Suyan propôs o tema da hospitalidade, inspirado em textos do filósofo francês Jacques Derrida. “A hospitalidade é tratar sobre você receber e Derrida afirma que essa hospitalidade não é só no coração do abraço, ela também pode ser hostil, e ele vai tratar essas duas palavras, hospitalidade e hostilidade”, explica Suyan que, ao receber os artistas, pediu que eles lessem o livro do filósofo, assim como uma bibliografia específica.
A partir da ideia de contraposição entre as duas noções propostas pelo francês, os artistas criaram obras realizadas a partir de caminhadas em Olhos d’Água, coleta de materiais, encontro com moradores e artesãos e registros da cidade.
O cemitério ganhou o olhar lírico e memorialístico de Cléber Cardoso Xavier, que realizou um ensaio com 16 imagens no local. “Dá para a gente ter um olhar sócio antropológico de uma comunidade por meio de um cemitério, por meio das lápides, do tipo de material, do tipo de jazigo”, avisa o artista “Em Olhos d'Água, o foco foi um olhar de visitante que buscava atualizar as lembranças e memórias.” Órfão de pai e mãe, Cléber encarou o espaço como um visitante em busca de memórias. Cada imagem vem acompanhada de um título que acaba por direcionar a leitura. Além do ensaio, o artista também realiza uma série de performances que fazem parte do trabalho.
A coleta de objetos encontrados pelo chão da cidade guiou Cecília Lima na montagem de sua Ciranda moscovita. A residência ocorreu durante o período das festas de São João, o que fez a artista atentar para os restos de fogueira abandonados e para fragmentos de objetos descartados que contivessem brilho, como papéis de bala, cacos de vidro e restos de madeira. Antes da residência, Cecília se interessava pela construção de trabalhos cuja linguagem estivesse associada à luz, mas a experiência em Olhos d’Água ampliou a perspectiva. “A residência foi um divisor de águas em alguns caminhos que tomei a partir dela. Eu já tinha alguma experiência com instalação que envolvia luz, mas esse trabalho com fragmentos ficou mais forte”, conta.
Para Raissa Studart, a coleta de materiais foi tão importante quanto o contato com os habitantes da cidade. A partir dos encontros regados a cafezinhos, ela criou a série de monotipias, mapas e de bordados presentes na exposição. A manchas de café remanescentes no fundo da xícara forneceram o desenho para os mapas e monotipias e as caminhadas pautaram os bordados. “Penso no mapa como testemunho geográfico do encontro com um outro. A residência foi marcada muito por caminhada e, na caminhada, tem uma construção lenta da paisagem. Assim como a caminhada é um pé na frente do outro, o bordado é um pontinho na frente do outro”, explica Raissa, que também levou para o museu uma releitura da ponte sobre o rio Galinhas.
Hospitalidade
Exposição de Raissa Studart, Cecília Lima e Cléber Cardoso Xavier. Visitação até 6 de fevereiro, sexta, sábado e domingo, das 9h às 17h, no Museu Nacional da República
Confira o vídeo de performance de Cléber Cardoso Xavier: