Quando Jorge Paz,36 anos,ficou sabendo que o filme sobre a história do militante revolucionário Carlos Marighella seria dirigido por Wagner Moura, ele não pensou duas vezes e fez de tudo para participar do longa baseado na biografia homônima escrita pelo jornalista Mario Magalhães. E conseguiu. "Botei na cabeça que ia fazer esse filme", conta. A determinação do ator de Brasília valeu a pena.
No longa, que já conta com a maior bilheteria do cinema nacional em 2021, Jorge Paz interpreta Jorge, um dos guerrilheiros que lutou ao lado de Marighella contra a ditadura militar no Brasil. O personagem tem inspirações no operário e sindicalista Virgílio Gomes da Silva, primeiro preso político a ser declarado desaparecido após a edição do AI 5, ato mais rígido da ditadura. Antes de se envolver com o filme, Jorge Paz lembra que nem sabia quem tinha sido Marighella e, por isso mesmo, ele ressalta a importância da obra. "Eu me mudei para o Rio de Janeiro em 2011. Durante sete anos, eu me via no fim da fila por não estar nos padrões de beleza para a televisão. Nesse tempo, eu fiz somente dois testes para filmes: um para Serra Pelada e outro para Marighella", lembra. O ator recorda que quando descobriu que o filme seria dirigido por Wagner Moura ficou ainda mais entusiasmado com a possibilidade de estar no elenco. "Wagner era um exemplo", afirma. Para conseguir o papel, ele tentou entrar em contato com todos os envolvidos do filme e fez vários testes até ser selecionado.
A expectativa foi recompensada, sobre o diretor, Jorge só tem elogios. “Eu admirava muito o Wagner. Não digo que era meu ídolo porque não acredito em ídolos, acredito em indoles. E hoje em dia admiro ele como pessoa. Não tinha um dia no set que ele não te recebesse com um abraço. Ele é muito carinhoso, concentrado e ao mesmo tempo é muito firme”, recorda. Além disso, ele destaca a importância do ator e diretor como inspiração para atores como ele. “Foi uma honra e um prazer trabalhar com ele, porque Wagner é um nordestino e existe muito preconceito com o nordestino na nossa carreira. Wagner e Lázaro Ramos quebraram essa barreira e mostraram que é possível.”
Apesar de só ter chegado aos cinemas agora, Marighella estreou no circuito internacional no Festival de Berlim em 2019 e com prestígio. Apesar disso, a polêmica em torno do lançamento tem sido grande. A produção do filme tem acusado o governo federal de censura. “O nosso filme venceu todo esse movimento de boicote e todo esse movimento político do governo Bolsonaro que tentou impedir o lançamento do filme com uma censura velada, disfarçada por leis.” Apesar de tudo isso, Jorge destaca que o público não poderia ter recebido o trabalho de forma melhor. “A recepção tem sido maravilhosa, só recebo carinho nas minhas redes. O público está se identificando muito com o personagem, principalmente as mães, porque ele defende a família. Pensei que ia receber críticas, mas só estou recebendo amor. Muita gente dizendo que não tinha noção do que aconteceu no nosso passado, que saem do cinema chorando, que dormem e acordam pensando. É um filme que está tocando o público”, afirma.
Mas por que tanta resistência ao filme? Para Jorge a resposta é simples. “É um filme que fala sobre liberdade e amor. E o herói de Bolsonaro é Carlos Brilhante Ustra. É um cara racista, homofóbico e misogino. É óbvio que esse filme incomodaria a família de Bolsonaro e seus seguidores. O povo não conhece a história do Brasil, não conhece Marighella e compra a história de que ele era terrorista e não é nada disso. É um reflexo da ignorância e do medo.”
Toda essa repercussão positiva já tem refletido no trabalho de Jorge. Desde o lançamento do filme no circuito internacional, ele estreou a série original da Netflix, Irmandade, lançada em 2019, estará no próximo filme do diretor Sérgio Machado baseado no livro de Milton Hatoum, Cidade ilhada, previsto para ser lançado no ano que vem, e, neste momento, está gravando uma série para a Amazon Prime sobre o Cangaço Novo, que se passa no sertão da Paraíba. "Marighella foi meu primeiro filme e é o filme da minha vida. Mesmo antes de ele ser lançado no Brasil, comecei a receber propostas", conta Jorge.
Nordestino, mas de Brasília
Jorge Paz nasceu em Sobral, no Ceará, mas Brasília se tornou seu lar desde os cinco anos, quando sua mãe resolveu tentar a vida na Capital. “Quando me perguntam de onde eu sou, a primeira coisa que respondo é que sou de Brasília”, diz. Assim como seu personagem em Marighella, Jorge se vê como um retirante. “Eu achei que seria só uma participação, mas depois vi que meu personagem era grande e muito forte. Meu personagem também é nordestino, teve que sair e lutar por seu espaço. Se engajou nas lutas. São caminhos diferentes, mas é o mesmo percurso”, compara.
Filho de mãe solo, cabeleireira, Jorge logo ganhou a missão de ajudar na criação dos três irmãos. Na capital federal, a família morou na Ceilândia, Samambaia e Planaltina, onde a mãe vive até hoje. Foi por aqui que a carreira de ator começou. Desde os 14 anos já sabia que queria atuar, influenciado pela televisão, que era o maior divertimento na época, e pela mãe que brincava com ele de teatro. “Desde criança minha mãe sempre brincou comigo de fazer teatrinho, ela me ensinou a desenhar e eu assistia filmes com ela. Mas a primeira vez que falei para a minha mãe, ela riu da minha cara por ser uma coisa muito distante da nossa realidade. Nossa família era muito humilde, nunca teve muito uma visão cultural. Isso era algo distante. Mas isso me deu mais força, me senti desafiado. Mas minha família nunca me desencorajou, nunca disseram para eu desistir”, lembra.
Os obstáculos para realizar o sonho de ser ator, porém, foram muitos. O primeiro curso que ele quis fazer custava quase o valor do salário mínimo na época, todo o salário de sua mãe. “Minha mãe ganhava um salário mínimo para cuidar de quatro filhos. Foi quando eu arrumei um estágio e consegui pagar o primeiro curso que fiz”, recorda. O workshop foi no Dulcina de Moraes, referência nacional no ensino de artes, e onde ele diz ter formado toda sua base artística. O curso contou com a instrução do ator e diretor Abaeté Queiroz. Um ano depois ele repetiu o capacitação e foi convidado para ser assistente do Abaeté, com quem trabalhou por sete anos. Depois desse período, Jorge passou 10 anos na Companhia de Teatro Setebelos. “A comédia é maravilhosa, você tem que ter um senso crítico para fazer comédia e ainda tem a questão do improviso. Me ajudou muito com a formação como ator”, destaca sobre o período.
Poderia ser mais fácil
Jorge Paz afirma que gosta de saber que pode servir de inspiração para outros jovens como ele, porém cobra a necessidade de iniciativas de incentivo e fomento às artes.”Não gosto de romantizar a minha luta, se tivesse mais políticas teria sido muito mais fácil”, diz. Ele lembra a falta de incentivo dentro das escolas para as artes e como essa é uma área que deveria ser mais incentivada. "Queria deixar claro que o fato de eu estar dando uma entrevista para um jornal de Brasília serve para os adolescentes saberem que uma pessoa da periferia daí está conseguindo quebrar barreiras e acho que se tivéssemos mais políticas culturais teríamos muitos frutos bons”, destaca. “Tem gente que não tem condições de pagar passagem para ir para o Plano Piloto. Se tiver mais oportunidades, vai sair muita gente maravilhosa da periferia”, completa.