MÚSICA

A voz de Ana de Hollanda: artista lança álbum de sonoridade refinada

Cantora e compositora lança disco com parcerias que se destacam pela sonoridade refinada, como a de Nivaldo Ornelas

Ana Maria Alvim Buarque de Hollanda tem dedicado a vida basicamente à cultura. Em boa parte do seu tempo de vida exerceu os ofícios de cantora, compositora, atriz, dramaturga, diretora e produtora e ocupou cargos de comando em órgãos públicos como Ministério da Cultura, Funarte, Centro Cultural São Paulo e Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. Escrever letras é a atividade com a qual tem se ocupado mais atualmente. Ela, porém, faz uma ressalva: "Eu não sou poeta. Nunca escrevi um verso sequer que não fosse para uma melodia".

Grande parte desta produção da irmã do cantor e compositor Chico Buarque e das cantoras Miúcha e Cristina Buarque pode ser apreciada no Vivemos, álbum recém-lançado, que traz 11 faixas, nas quais há o registro de 10 canções feitas com parceiros diversos: o samba Primeira dama, em homenagem a Dona Ivone Lara, e a valsa Berço vazio é dela e de Leandro Braga. Lucina é coautora de Era tão claro e da música que dá nome ao disco. A melodia de Verão que ficou, ouvida na abertura do repertório tem a assinatura do mineiro Nivaldo Ornelas; enquanto a de O que deixei cair é do compositor amazônico Nilson Chaves.

Os outros parceiros são Lula Barbosa (Outono), Marcelo Menezes (Fantasias), Cristovão Bastos (Jamais decifrei), Simone Guimarães (Botucuxi). Sem fim é a única totalmente autoral. "Desde que saí do Ministério da Cultura, estava ensaiando essa volta aos estúdios. Não pude fazer nada nesse sentido, profissionalmente, quando estive no MinC e na Funarte, pois haveria conflitos de interesse. Daí a minha felicidade em poder agora gravar um disco como eu vinha planejando, com repertório e músicos que souberam casar muito bem o clima das canções com os arranjos e a minha voz", disse Anna ao Correio.

Vivemos, o quinto título da discografia da artista, se junta a Anna de Hollanda (1980), Tão simples (1995), Um filme (2001) e Só na canção (2009). "Esse álbum é intimista, com letras intensas, para ser escutado com atenção. Tem muita sutileza nele também. O público que quero atingir é esse amante de músicas elaboradas na criação da melodia e seu casamento com as letras, vestidas por arranjos que completam o clima", comenta a cantora. "Todos os parceiros são músicos que admiro, tenho afinidade musical e sou amiga. Cada um tem um estilo, e a melodia é que me guia", acrescenta.

Vivemos - album de Ana de Hollanda com 11 faixas. Lançamento da gravadora Biscoito Fino.

Duas perguntas/Ana de Hollanda

Todas as canções são inéditas?

A música Primeira dama tinha sido gravada pelo Leandro Braga num CD que ele fez em homenagem a Dona Ivone Lara, mas não tinha letra. Aí, ele me deu a melodia e eu, que era também fã incondicional de Dona Ivone como cantora, compositora e por sua história, fiz a letra pensando nela. Jamais decifrei também tinha sido gravada pelo Cristóvão Bastos em um CD instrumental dele, mas com outro título.

Como foi escrever letras para temas de parceiros diversos?

Todos os parceiros são músicos que admiro, tenho afinidade musical e sou amiga. Cada um tem um estilo, e a melodia é que me guia. Tudo que me inspira parte da melodia, porque não sou uma poeta: uma folha em branco não me diz nada, mas uma melodia estimula minha imaginação. Me deixa alegre, triste, apreensiva, ansiosa e tento traduzir tudo isso em palavras. Mas não é raro receber músicas bonitas que não me inspirem a letrar...

 

Reverência a Chico Buarque

"A felicidade geral com que foi recebida essa banda tão simples, tão brasileira e tão antiga na sua tradição lírica, que um rapaz de pouco mais de vinte anos botou na rua, alvoroçando novos e velhos, dá bem a ideia de como andávamos precisando de amor...". Esse é um trecho da crônica de Carlos Drummond de Andrade, sobre a marchinha A banda, de Chico Buarque, vencedora da primeira edição do Festival da Record, escrita em 1966, na coluna que o poeta mantinha no Correio da Manhã.

Trata-se do mais antigo depoimento entre os 60 reunidos por Augusto Lins Soares, no Meu caro Chico, livro recém-lançado pela editora Francisco Alves. Palavras elogiosas sobre o cantor, compositor, escritor, cidadão politizado e amante do futebol e uma das figuras de maior relevância da cultura brasileira foram selecionadas para esse projeto pelo arquiteto e designer pernambucano autor também de Revela-te Chico — Uma fotobiografia, que saiu em 2018, pela Bem-T-Vi.

Enfático, Antônio Carlos Jobim afirmou: "Chico Buarque meu herói nacional. Chico Buarque gênio da raça. Chico Buarque salvação do Brasil". À voz de Tom se juntam textos — a maioria já publicados e alguns inéditos — de nomes destacados das áreas da música, teatro, cinema e literatura, entre eles Caetano Veloso, que escreveu uma crítica sobre o show Caravanas), Vinicius de Moraes, Glauber Rocha, Rubem Braga, Luis Fernando Veríssimo e José Saramago. Há falas também de Luiz Inácio Lula da Silva.

De Clarice Lispector, por exemplo, foi trazido para a coletânea um bilhete, no qual a escritora ressalta: "Eu poderia dizer isso pessoalmente, mas tive medo de me emocionar. Você sabe que não me seria difícil convidar o que se chama de personalidades para minha casa. Mas não foi por você ser uma personalidade que chamei. Convidei você porque, além de ser altamente gostável, você tem a coisa mais preciosa que existe: candura".

Já Maria Bethânia o enaltece: "Eu sou talvez a maior admiradora do Chico. Ele me representa, traduz meu pensamento, meu sentimento, minha pulsação. O que ele faz, da maneira como faz, tudo é bonito, elegante, de bom gosto e sincero. E ele tem ainda a alma feminina. Acho lindo".

Meu caro Chico — Depoimentos

Organização de Augusto Lins Soares, com 256 páginas. Lançamento da editora Francisco Alves. Preço R$ 65.