Não seria um hiato de quatro décadas que diminuiria a relevância de uma das maiores potências da história da música pop. Entre a década de 1970 e início de 1980, ABBA emplacou dezenas de hits nas paradas europeias. Até hoje, são mais de 400 milhões de álbuns vendidos e um lugar garantido entre os artistas consagrados pela fama e pelo talento.
Hoje, os suecos Agnetha Fältskog (71), Björn Ulvaeus (76), Benny Andersson (74) e Anni-Frid Lyngstad (75) (cujas iniciais formam o acrônimo que dá nome ao grupo) estão no caminho de retorno à brilhante carreira musical que conseguiu conquistar fãs de diferentes gerações. Voyage é o primeiro álbum depois do último lançado por eles, The visitors, de 1981. A separação do quarteto foi anunciada no ano seguinte.
A nova turnê tem temporada prevista para começar em maio de 2022, em Londres, mas não significa uma volta literal aos palcos e ao contato direto com o público. No lugar dos quatro artistas cantarem ao vivo, eles se apresentarão por meio de avatares digitais, criados pela Industrial Light & Magic. Fundada por George Lucas, de Guerra nas estrelas, é a maior empresa de efeitos especiais de Hollywood. A turnê Voyage é a primeira aposta da companhia fora do universo do cinema.
O espetáculo conduzido por avatares, apelidados pelos membros do grupo de "ABBAtares", será possível graças a softwares de captação de movimentos, com sensores costurados nas roupas dos cantores. A façanha foi elaborada por 850 técnicos e uma equipe internacional formada pela produtora islandesa Svana Gisla, responsável pelos vídeos Black star e Lazarus, de David Bowie. Também estão envolvidos o filho de Benny, Ludvig Andersson, que também foi produtor do filme Mamma mia! Here we go again, Johan Renck, além dos diretores britânicos Baillie Walsh e Wayne McGregor, coreógrafo do Opera Ballet, de Paris.
De onde pararam
"Eu não sei quem é Drake (o rapper norte-americano), eu não faço ideia o que os artistas do pop moderno estão fazendo", confessou Benny a jornalistas em um evento, em setembro. A declaração de um dos B's explica o porquê de Voyage ser uma continuação de The visitors, que foi uma fase mais madura e experimental da banda, com mais sintetizadores, menos orquestrações e arranjos menos alegres.
O álbum produzido após 40 anos longe dos estúdios preserva a essência do ABBA, que é o pop denso e poderoso, harmonizado com muitos instrumentos. É importante lembrar que as vozes dos cantores estão mais graves, o que faz com que Voyage seja um álbum mais circunspecto.
O primeiro single, I still have faith on you, cantado por Agnetha, é uma balada com piano que trata da relação que os quatro ainda têm. A faixa conta com 26 músicos da Stockholm Concert Orchestra conduzidos pelo maestro Göran Arnberg. A composição tem a assinatura de Benny e Björn.
A faixa Bumble bee chama atenção pela letra. No lugar de relacionamentos, a banda usa a melancolia para tratar das mudanças climáticas. "É um absurdo nesta manhã de verão / Pensar que poderíamos estar presos / Dentro de um mundo onde tudo está mudando / Muito rápido para as abelhas se adaptarem", diz a letra.
O começo
Benny e Björn começaram a escrever suas primeiras composições ainda em 1966. Três anos depois, Agnetha Fältskog e Anni-Frid se juntaram aos dois. O grupo passou a ser formado por dois casais.
Já com o nome ABBA, o quarteto era pouco conhecido pelo público até vencer o Eurovision de 1974, famoso festival de canções da Europa, com Waterloo, música que usa a vitória inglesa sobre o exército de Napoleão como alegoria para uma relação conturbada. Depois de Waterloo, veio Mamma Mia, em 1975, outro hit de sucesso. O álbum Arrival (1976) trouxe Money, money, money, Knowing me, knowing you e Dancing queen. Ao todo, foram nove álbuns e mais de 40 singles.
O divórcio de Björn e Agnetha veio em 1979, término que originou The winner takes it all, umas das canções mais potentes do grupo. Em 1981, Benny e Frida também se separam, mas os rompimentos não acarretam no fim imediato do ABBA. Em 1981 lançam o The visitors, e anunciam um descanso após uma turnê pelo Japão no ano seguinte, pausa que durou até este ano.
Fãs
ABBA é um capítulo à parte da música popular global. A genialidade do grupo faz com que sua obra não se restrinja aos anos em que ainda estavam na ativa. Afinal, não é difícil ir a alguma festa em que toque Dancing Queen ou Gimme, gimme, gimme. ABBA é um clássico que conquistou fãs de diferentes gerações.
"São letras tão cantáveis. Elas me provocam uma catarse que eu me sinto a própria vocalista. Ao mesmo tempo elas carregam inúmeras mensagens que mexem muito comigo", descreve a consultora educacional Nathalia Bertolo. O primeiro show para o qual ela foi na vida foi de um cover do ABBA, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, quando tinha 14 anos.
Entre as canções preferidas da banda, a brasiliense de 25 anos cita Slipping Through My Fingers, Chiquitita e When all is said and done. Nathalia entrou em contato com ABBA pela primeira vez pelo musical Mamma mia, cuja produção da trilha sonora é assinada por Benny e Björn. "Logo que lançou, eu assisti mais vezes do que me lembro, e, desde então, tanto ABBA quanto o filme têm sido meus companheiros nos momentos de tristeza."
O musical de 2008, estrelado por Meryl Streep, também serviu de portal entre Gabriela Leão e o quarteto sueco. "As músicas do ABBA me dão uma sensação nostálgica, de tempos mais simples. Eu não vivi os anos 1970, mas quando escuto as músicas dá vontade de cantar e dançar, até mesmo aquelas que falam de desilusões amorosas e corações partidos. Realmente é uma sensação de escape, um momento de extravasar", descreve a brasiliense de 23 anos.
O pai e algumas das amigas de Gabriela também são fãs de ABBA, que acaba significando uma união especial. "Sei que parece clichê, mas minha música preferida é Dancing queen, que, inclusive, foi a música que eu dancei na minha festa de 15 anos", lembra Leão.
Néviton Barros ouviu ABBA pela primeira vez pela voz da cantora brasileira-paraguaia Perla, interpretando Chiquitita. Mas quando cresceu e virou músico, ele passou a perceber o alto nível de sofisticação das canções da banda. "Virou um vício! Boa combinação de letras inteligentes com bonitas melodias e interessantes arranjos vocais e instrumentais. Cada álbum conta uma história", explica Barros, que é doutor em música e professor na Muhlenberg College (EUA).
O brasiliense considera que Voyage preserva o que ele chama de "DNA do ABBA", que é a sonoridade do grupo, agora mais maduro. Para ele, as vozes envelheceram de maneira saudável, o que não é visto em outros cantores e bandas que decidem voltar depois de um longo hiato. "Voyage é um álbum provocativo, nos faz refletir. As canções têm um fio narrativo. É um álbum para se escutar inteiro, as canções fazem muito mais sentido em seu contexto que como singles".
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira