Gregório Duvivier encara a forma poética do soneto como um cubo mágico. Ele sempre gostou e, ao longo dos últimos 10 anos, ensaiou alguma poesia, mas foi durante a pandemia que se dedicou com afinco aos versos. O resultado está em Sonetos de amor e sacanagem, um livro que não poupa o leitor de secreções e piadas poéticas. "Cada soneto é uma espécie de cubo mágico, você tira um verso daqui, põe no outro, tinha vários que tinha uma estrofe, um verso mas, não tinha o final", conta o ator, que é formado em letras pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) e há dez anos ensaia alguns versos.
Duvivier se apaixonou pelo soneto porque a rigidez da forma o torna disciplinado. "Essa forma é muito gostosa de escrever porque é um desafio, os versos têm que caber em dez sílabas e têm que rimar em esquema rígido. Isso faz com que acabe dizendo coisas novas, inusitadas, porque agora tem que caber. A restrição liberta, ela ajuda a dizer o que você quer dizer", acredita. Mas se engana quem acha que o poeta se leva a sério.
Logo no primeiro soneto, para abrir o livro, ele avisa: "Deste livro, veloz, me livraria,/nada que encontras nele é necessário./Não entendo o porquê da Companhia/publicar tantos livros desse otário." É um recado, mas, ao mesmo tempo, uma maneira de encarar a poesia. "Um dos problemas da poesia é que, às vezes, ela se leva a sério demais e o poeta se encara como um iluminado que mora numa torre de marfim", explica. Com esse Soneto de apresentação, ele se dirige ao leitor como um poeta que enxerga o mundo "ao rés do chão". E para não desembarcar do tom humorístico, ele avisa: "Até pela estatura dele (autor), por ser baixinho, acostumado a ver as coisas de baixo para cima".
O escárnio é o guia de Sonetos de amor e sacanagem. Ele está em todos os versos, como se o autor quisesse provar a possibilidade de levar o humor para uma forma clássica da poesia lírica e romântica. Se há romance nos versos do humorista, é em tom de deboche. No Soneto do amor romântico, ele avisa: "Ah, o amor — te dirão — é coisa séria!/Mas, depois de brincar de gato e rato,/quem brincou já não quer pagar o pato/e do amor só herdamos a bactéria." A pandemia também não passou batida e há um poema para as máscaras, outro para a maconha e outro para a morte.
Para Duvivier, a forma poética traz uma contenção muito bem-vinda e até inspiradora. "A restrição formal me obriga a dizer coisas que não digo na crônica ou nos esquetes do Porta dos Fundos. Essa restrição gera uma nova leva de imagens, por exemplo. A poesia pede um certo frescor, nas imagens, nas metáforas, assim como o humor. Tanto no humor quanto na poesia, se trata um de jogar um olhar novo sobre um tema que a gente vê todo dia", explica.
E o soneto, ele acredita, é perfeito para qualquer forma de expressão. Versos políticos, engajados, satíricos, cabe tudo no conjunto de quatro estrofes dessa poesia profana destilada no livro. "Gosto exatamente do contraste dessa forma normalmente associada a uma poesia mais clássica, esse contraste com uma poesia profana que não fala de temas transcendentes, mas de temas cotidianos, terrenos como secreções, excreções", garante o autor.
Soneto do soneto
A restrição ajuda o desbloqueio.
A ninguém interessa quem tu és
Corte o verso em idênticos filés
de dez sílabas cada, sem recheio.
Só te peço pra não botar o freio
de cesura no cinco: entorta os pés.
Pare no quatro, seis, sete, oito ou dez:
mas não divida, nunca, um verso ao meio.
Tudo presta, cabendo na cadência.
Cale-se, vaidade. Nada vence a
escuta. Inteligência? Vade retro.
Acenda um baseado ou faça um chá.
O que tens a dizer logo virá.
Deixa falar em seu lugar o metro.
Sonetos de amor e sacanagem
De Gregório Duvivier. Companhia das Letras, 106 páginas. R$ 39,90