Crítica

Sem máscaras

Ney Matogrosso continua pescando pérolas e dando a elas um brilho único a partir de sua voz de contralto e de uma abordagem que nunca é linear. Desde o primeiro disco solo, quando ele pôs passarinhos para cantar no início do disco — a música é Homem de Neandertal, de Sá — ele imprime sua marca nas canções.

Lá se vão 56 anos, e o disco Nu com minha música reafirma todas essas qualidades,com uma mistura de estilos que junta Caetano, Vitor Ramil, Raul Seixas, Lenine e Roberto/Erasmo, e só faz sentido a partir da abordagem criativa desse senhorzinho octagenário. Há uma vitalidade rara que costura canções muito pouco afins.

De um Caetano de 1981, ele escolheu a canção que dá nome ao disco, abre e sustenta a fieira melódica a partir da marcação do ritmo com um chocalho. Não é das mais conhecidas, assim como Faz um Carnaval Comigo, de Pedro Luis, e Estranha Toada, gravada antes por Martins. Mas o frescor das canções vai além desse quase ineditismo.

Os arranjos são enganosamente simples, com valorização dos violões, pianos e participações de sopros em solo, embora haja também (esparsos) naipes de violinos e metais, mas nada que possa encobrir a voz de Ney Matogrosso, cantor ainda afiado, de frases musicais exatas, inflexões precisas e um controle absoluto de tudo o que canta. Antigos sucessos do rádio estão no disco, caso de Quase um Segundo, dos Paralamas do Sucesso, Gita, de Raul Seixas e Sua Estupidez, de Roberto Carlos. Mas todos ganham uma roupa nova, mais reflexiva, talvez para valorizar as letras, reduzindo o tempo das composições, como a transformação do xote Espumas ao Vento, gravada por Fagner, numa balada.

O disco é um bálsamo nesses tempos de abertura social. Ney Matogrosso aparece sem máscaras e desafiando o distanciamento pessoal com uma música que aproxima.