As curvas e as cores do Brasília Shopping, do Royal Tulip e de mais 300 outras obras arquitetônicas no Brasil têm uma assinatura inconfundível, a de Ruy Ohtake. O arquiteto responsável por esses e outros edifícios marcantes em vários pontos do país morreu, ontem, aos 83 anos. Filho da artista plástica Tomie Ohtake, japonesa radicada no Brasil, Ruy lutava contra um câncer de medula.
Natural de São Paulo e formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Ohtake foi um dos principais arquitetos pós-modernos do Brasil. Integrante da escola paulista de arquitetura, liderada por Vilanova Artigas e Paulo Mendes da Rocha, além de fã de Oscar Niemeyer, o arquiteto deixa um legado que vai muito além das obras concluídas em diversas cidades do país e do planeta.
Ohtake tinha um estilo característico que usava formas geométricas muito bem delimitadas, com prédios, em sua maioria, cheios de curvas e com cores vibrantes como protagonistas. Destacam-se no vasto trabalho do arquiteto construções como os hotéis Unique, Renaissance; o Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, e a Embaixada do Brasil em Tóquio, no Japão.
"Ruy Ohtake, um dos arquitetos brasileiros mais importantes da atualidade, que coloriu a paisagem monocromática de São Paulo, deixou um grande legado construído em todo o país", observa Daniel Mangabeira, arquiteto e ex-presidente do Conselho de Arquitetos e Urbanismo do Distrito Federal (CAU/DF). "Foi um arquiteto e urbanista preocupado mais com o impacto social da profissão do que com o reconhecimento dos seus pares, talvez por isso dizia que era mais elogiado pela população do que por arquitetos", adiciona Daniel, que, nos tempos de iniciante, estagiou em uma obra de Ohtake. "Fará falta ter um pensador livre de amarras atreladas à nossa herança arquitetônica moderna. Ruy Ohtake foi único e, como poucos, fará muita falta à arquitetura brasileira", complementa.
Um grande admirador de Brasília como projeto arquitetônico, Ohtake é responsável não só pelos marcantes Brasília Shopping e Royal Tulip, mas também foi o idealizador do estádio Walmir Campelo Bezerra, o Bezerrão, casa do time Gama no DF. Outra obra famosa do arquiteto em Brasília foi o PO 700, bloco empresarial de Paulo Octávio. O empresário lamentou a morte do filho de Tomie. "Com tristeza me despeço do grande amigo de três décadas, Ruy Ohtake. O homem gentil, o arquiteto genial, o amigo fraterno, um pensador da cultura. Criou obras que ficarão para sempre na história de Brasília. Descanse em paz Ruy", afirma Paulo Octávio.
O arquiteto via Brasília como orgulho para todo país e para a profissão que desempenhava. "É a cidade contemporânea mais expressiva que o mundo conhece desde o século passado. Entendo pelo contemporâneo não só o desenho, mas também o conteúdo que Brasília traz", afirmou o próprio Ruy em entrevista ao Correio em 2018. "A gente tem que ter muito orgulho desse plano urbanístico inédito, não há nada igual em nenhuma cidade do mundo", falou o profissional na mesma entrevista.
Brasília em luto
"As obras de Ruy Ohtake em Brasília aderem à cidade modernista uma variável lúdica. Quem nunca se surpreendeu com a forma inusitada do Brasília Shopping ou com as cores e estrutura do seu Hotel à beira do Lago?", questiona Ana Paula Campos Gurgel, professora e coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. "A seriedade nipônica e o gosto pelas cores podem parecer por vezes contrastantes, mas sempre refletiram as origens, a brasilidade e o espírito de inovação de Ruy", acrescenta.
Ana Paula lembra que já teve a oportunidade de encontrar Ruy Ohtake pessoalmente duas vezes. Ela pontua que a última, em 2019, foi marcante, pois Ruy a recebeu com a turma de alunos da UnB na casa que ele mesmo projetou para a mãe em São Paulo. "Sentados em torno dele, tivemos durante uma tarde a oportunidade de assistir a uma 'aula' sua. Não se falou apenas sobre arquitetura ou cidades, discutimos sobre a vida", conta a professora, que ainda se recorda de mais uma passagem marcante no encontro. "A maior lição que ficou daquele dia foi a sua simplicidade e humildade. E nos brindou com um generoso conselho: 'mantenham sempre a cabeça, o coração e o Pé na Estrada'", completa. Pé na Estrada é o nome do projeto de extensão da FauUnB, para alunos estudarem a arquitetura de outras cidades do Brasil.
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