Fã da Legião Urbana, a brasiliense Julliany Mucury ocupava uma mesa no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em 2009, ao lado do cineasta Vladimir Carvalho, do poeta Nicolas Behr e da professora Sylvia Helena Cyntrão, na noite de autógrafo do livro Renato Russo, o filho da revolução, do jornalista e biógrafo Carlos Marcelo. Na conversa entre eles surgiu um questionamento: o compositor, cantor e roqueiro seria um poeta? Dez anos depois, foi esta faceta do artista que a então estudante de literatura da Universidade de Brasília (Unb) buscou demonstrar em sua tese de doutorado.
Intitulada Renato Russo: Um eu em colisão consigo mesmo, a tese serviu de base para o livro que Mucury acaba de lançar pela editora Garota FM Books, no qual faz abordagem inédita sobre o legado poético do criador da Legião. Para tanto, foram importantes os relatos que constam de obras — sobre o mesmo personagem — que chegaram ao mercado anteriormente; e a aprofundada análise que fez de letras das canções.
No livro, embora o foco seja sobre o poeta, ela optou por tratar Renato Russo como cancionista, inspirada pelo termo usado pelo linguista Luiz Tatit em um dos seus livros. Para Julliany, ele foi mais do que um poeta e sua obra "merece estar entre os cânones da música brasiliense e brasileira". Para chegar a essa constatação, a autora analisou 29 letras, de "um compositor que se preocupava muito com as palavras".
Julliany Mucury, que atualmente vive em Berlim, avalia que as canções representaram uma parte fundamental da vida de Renato Manfredini Jr. e o ajudaram a compreender melhor seu lugar no mundo, liberando um lado seu que até então era reprimido. "Por isso, as músicas de Renato o acompanham em sua transformação, falando de questões típicas de sua geração, atravessando a própria Legião Urbana, a partir da década de 1990", ressalta.
Dividido em cinco capítulos, o livro tem capa, em três cores, criada por Alex Moraes, brasiliense como a autora, que optou por ilustrá-la apenas com um par de óculos, semelhante ao que o artista usava. Para Julliany, o livro é um presente aos fãs do poeta, "mas também uma oportunidade para que novas gerações de amantes da música brasileira possam conhecer o seu legado".
Entrevista
Julliany Mucury
Em que fase de sua vida ouviu pela primeira vez músicas de Renato Russo?
Ouvir mesmo e prestando atenção foi na adolescência, ou seja, meados de 1994 adiante. O que foi ótimo, porque recuperei o que vinha antes já me aproximando do disco final da banda, Tempestade, de 1996.
Por que decidiu escrever sua tese de doutorado na UnB sobre a faceta poética do compositor?
Parte por gostar das letras de Renato e considerar isso importante, já que ia dedicar quatro anos da minha vida acadêmica a isso, e parte também pela provocação ótima de levar um roqueiro para o ambiente da pesquisa de pós-graduação em literatura e outras artes, na UnB.
No trabalho de pesquisa da obra do artista, o que mais lhe chamou a atenção?
A maneira como Renato conseguia tornar palatável e fácil suas referências em meio às suas letras de canção. Ele citava livros, cineastas, músicos, artistas e personalidades em meio a contextos históricos e bíblicos, fazendo esta miscelânea funcionar muito bem e provocando quem o ouvia a correr atrás do que seria tudo isso.
Ao transpor para o livro o que escreveu em Renato Russo: um eu em colisão consigo mesmo, a tese, houve algum acréscimo?
Houve muitas mudanças, pois contei com a leitura crítica do Carlos Eduardo Lima, reestruturamos a tese inteira, limei 100 páginas de cara e reordenamos os capítulos. Ele trouxe algumas informações novas e eu adorei o resultado.
Seu olhar acadêmico prevaleceu sobre a visão da fã ao escrever o trabalho?
Sempre. Eu queria escrever um livro que fosse rigoroso e mantivesse a análise como pesquisadora e não como fã, o que retiraria muito da credibilidade do meu trabalho. Segundo os membros da banca de avaliação da tese, obtive sucesso nisso! O que nos ajuda a determinar de uma vez por todas que o legado do Renato Manfredini Jr. é digno não só de ser revisitado como também de um respeito maior por parte do público em geral. Ele foi um grande compositor da nossa música e sua memória deve permanecer viva.
Quais são as letras descobertas mais recentemente que mereceram sua abordagem?
Eu considerei 29 letras de autoria exclusiva de Renato Russo, como Eduardo e Mônica, Faroeste Caboclo e Índios, entre outras, incluindo aí quatro que foram musicadas depois de sua morte. Duas dessas letras estavam em posse do Eduardo Paraná, ou Kadu Lambach (Medieval e Vício Moderno), e as outras duas da banda Urban Legion, Mariane II e Apóstolo São João.
Que perfil de fã do ídolo, na sua avaliação, vai ter o interesse despertado para Renato, o Russo?
Todos os perfis. Quem é fã de fato do Renato e de seu legado, vai querer saber da minha abordagem sobre o estudo dessas letras e ainda mais sobre a divisão clara que eu estabeleço entre o Renato Manfredini Jr. e o Renato Russo.
Renato, o Russo
Livro de Julliany Mucury com 240 páginas, Lançamento da editora Garota FM Books.
Preço R$ 64.
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