Filme de Pixinguinha traz emoção e exemplo para jovens negros

Conduzido pela diretora Denise Saraceni, o longa-metragem registra a afetividade que transborda na trajetória de um dos mais importantes artistas do século 20

Ricardo Daehn
postado em 14/11/2021 06:00 / atualizado em 14/11/2021 06:00
 (crédito:  Páprica Fotografia/Divulgação)
(crédito: Páprica Fotografia/Divulgação)

O impulso de combater "violências estúpidas" sofridas por um Brasil "talentoso, resistente e imensamente carinhoso", que anda sufocado, mas pode ser salvo "por meio da arte", bateu forte no discurso da diretora Denise Saraceni, quando assumiu o desafio de contar a história humana projetada no longa-metragem Pixinguinha — Um homem carinhoso, em exibição na cidade. Autor dos arranjos de Ta-hí (eternizada por Carmen Miranda), compositor de Rosa e Carinhoso e solista de flauta, fundamental para sucessos dos Oito Batutas, como Urubu malando, Pixinguinha (ou Alfredo da Rocha Vianna Filho) inspirou a direção musical do maestro Cristóvão Bastos no filme, incrementada pelos voos de choro, bossa nova e jazz.

Ao buscar a alma do mestre do choro (morto em 1973), a cineasta encontrou a capacidade visceral de Seu Jorge, intérprete do instrumentista. Semelhanças de vida e de "dificuldades com a cor da pele", além dos ganhos de um "carisma abissal", levaram à escolha do protagonista. "Foram definitivos, os estudos de Seu Jorge, a sensibilidade, a concentração e a coragem de dialogar com o Pixinguinha, com uma flauta que aprendia a tocar nos sets. A cada etapa, ele entendia o momento emocional do personagem, e entrava comovendo a todos no set", conta Denise.

Para "solar" com o Pixinguinha das telas (interpretado por vários atores), a produção encorajou o uso de imagens reais do artista. "Ele entra para confirmar emoções muito precisas. Nas cenas da montagem do sax, da sua cantoria francesa e ao tocar piano para a esposa Beti, Pixinguinha está vivo no filme, e na nossa memória cultural", destaca a diretora. Codirigido por Allan Fiterman, o longa se apoia, pelo que revela Seu Jorge (em material de divulgação), nas admirada aura angelical e na doçura do instrumentista. "A preocupação maior foi trazer a atmosfera de generosidade do Pixinguinha, da pessoa com simplicidade no olhar", pontua.

Deixar viva a nossa maior referência de brasilidade, nas palavras da cineasta, é meta da produção. "Pixinguinha certamente é muito conhecido em Paris e no Japão, mas gostaria que o filme potencializasse seu legado nas comunidades carentes e ávidas de bons exemplos. Nossos negros, muitas vezes, são apenas titulares nos filmes, quando bandidos. Pixinguinha é um artista criador de nossa identidade. Precisamos contar histórias potentes para um público desprezado", observa.

A divulgação da fita em telões ambulantes, com promoção de debates, vem idealizada na fala da diretora. "Tenho certeza de que quem não conhece Pixinguinha — a grande maioria da nossa população — vai se emocionar com o filme e buscar mais e mais informações na internet, e, quem sabe, em bibliotecas", comenta Denise.

No filme, pesa o plano pessoal, no exame do relacionamento intenso com Albertina Pereira, a Beti (papel de Taís Araújo) e no desafio de ter filhos. O plano artístico abarca a ida para Paris, em 1922, em vivência com o "centro cultural do mundo naquela época", como ressalta a cineasta.

Resumo do choro

A história do gigante artista acatou uma narrativa sintética. "A música ajudou muito, porque ela, por si, já é um roteiro", diz Denise. Com o filme comercializado para Globo, Telecine e GloboPlay, o que permitiu viabilizar a finalização do projeto nascido em 2010, há a ideia de uma série musicada. O resgate da figura do gênio musical, pelo cinema, era visto como obrigação.

Concomitante à realização do filme, a Fundação Moreira Salles organizou um arquivo transformado em site. Denise Saraceni ressalta que foram publicados muitos livros e partituras importantes, nos 100 anos de Pixinguinha (em 1997). A escuta singular de Pixinguinha (obra de Virgínia de Almeida Bessa) respaldou a pesquisa para o roteiro de Manuela Dias e a estrutura musical, a partir do enfoque da música popular no Brasil, entre 1920 e 1930.

Encarando Alfredo da Rocha Vianna Filho como um "cara da nossa família", Denise Saraceni registrou o artista que, aos olhos do multi-instrumentista Seu Jorge, ganha a dimensão de "uma escola" e "que deixou de herança todo o código do genoma da nossa música". 

 

 


Três perguntas // Taís Araújo

Às vésperas da celebração do Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro), ao Correio, Taís Araújo trata do espírito de luta que a fizeram popular, desde um dos pontos de virada da carreira, com Xica da Silva (novela de 1996 da extinta Rede Manchete).

Quais detalhes de Beti e do Pixinguinha aumentaram sua admiração por eles?

Não sabia que ela era uma artista e isso diz muito de uma época: uma mulher que abre mão de seu sonho para construir uma família. Mas é bonito também que eles tenham permanecido juntos por uma vida inteira. Minha admiração pelo Pixinguinha vem desse homem e da família dele (pai, mãe, irmãos). Ver tudo o que eles conseguiram construir, logo no pós-absolvição da escravatura. E num país como o Brasil! Acho que a pensão Vianna (no bairro do Catumbi, em que havia a animação com as rodas de música da família) é um acontecimento que a gente tem que pesquisar mais.

Protagonizar Xica da Silva mudou você como artista. Hoje, com a visão mais feminista da sociedade, acha que deveria ser revista a obra?

Acho que, hoje, Xica da Silva tinha que ser revista, sim. E entender essa mulher como a mulher política que ela foi. Ela nunca foi tratada com esse viés. Ela teve atitudes políticas importantes. Sinto que ela foi sempre só sexualizada. Falta contar melhor a trajetória dela.

Às vésperas da celebração do Dia da Consciência Negra acredita em conquistas?

Estão vindo as conquistas. Na dramaturgia, acho que tem evolução, mas ainda precisa de muitas coisas. A gente vê muito mais personagens negros, humanizados, mas ainda faltam escritores e diretores negros, uma vez que percebo (a necessidade de) uma questão identitária. 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

  • Pixinguinha: o autor de Carinhoso deu forma ao chorinho
    Pixinguinha: o autor de Carinhoso deu forma ao chorinho Foto: Walter Firm/Acervo/pixinguinha
  •  2021. Credito: Paprica Fotografia/Divulgacao.  Cultura. Cena  do filme Pixinguinha.
    2021. Credito: Paprica Fotografia/Divulgacao. Cultura. Cena do filme Pixinguinha. Foto: Paprica Fotografia/Divulgação
  • Denise Saraceni:
    Denise Saraceni: "A música, por si, já é um roteiro de cinema" Foto: Paulo Belote/TV Globo
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação