O romance contemporâneo precisa dar conta desse uso da tecnologia? Por quê? Como incorporar essa nova linguagem que surge com as redes sociais na literatura?
Não creio que o romance contemporâneo "tenha que" fazer nada em especial. Mas nossas vidas estão neste momento completamente atravessadas por tecnologias e dispositivos aos quais confiamos a gestão de dezenas de coisas, desde nossas contas bancárias até como e onde vamos fazer sexo com alguém, passando pela forma como conduzimos nossos veículos, em quem votamos, onde e como fazemos nossas compras e o que dizemos que somos nas redes sociais. E se o romance contemporâneo não conta essa parte de nossas vidas, corre o risco de fazer com que essa parte se integre ao fluxo dos acontecimentos sem que nada seja questionado, sem que ninguém pense nela nem se pergunte se nossa liberdade e nossa capacidade de tomar decisões não estão sendo muito, muito limitadas por tudo isso.
Por que escolheu não dar nomes aos personagens e chamá-los apenas de Ele e Ela?
Queria dar ao livro uma dimensão universal, quase arquetípica. Ele e ela não são nada em particular, ao mesmo tempo em que são, ou somos, todos nós. O que acontece com eles, por outro lado, não é muito diferente do que se passa com os demais. Mas a diferença substancial entre eles e nós é que eles se detém em pensar no que acontece com eles, e, ao fazê-lo, conquistam uma liberdade e uma autonomia que muitos não parecem recordar que alguma vez tiveram.
Existe um momento no romance no qual os personagens se perguntam o que é um homem e o que é uma mulher. O que isso nos diz sobre os tempos contemporâneos?
Queria dizer que, apesar de todos os seus problemas, nossa época é também uma época de possibilidades, e que há nela batalhas que valem a pena serem lutadas. Por exemplo, a batalha para conquistar novas ideias (e outros nomes) para falar do que é ser um "homem" e que coisa é "uma mulher", para falar de quem somos e do que queremos ser além das imposições e expectativas dos outros.