Música

Disco apresenta canções inéditas de Aldir Blanc em grandes vozes da MPB

Álbum 'Aldir Blanc inédito' reúne letras do poeta da canção popular musicadas e interpretadas por João Bosco, Chico Buarque, Moacyr Luz, Sueli Costa, Guinga, entre outros

Na volta de uma viagem ao Rio Grande do Sul, nove meses depois da morte de Aldir Blanc — vítima da covid 19 — , Mary Lúcia de Sá Freire, viúva do poeta, letrista e cronista, determinada em honrar a memória do marido, passou a reunir manuscritos, letras e poesias inéditas, do legado deixado por ele. O material chegou até a gravadora Biscoito Fino, pelas mãos da cantora e compositora Ana de Hollanda e de Sônia Lobo, administradora do Nossa Música, braço editorial da gravadora carioca.

Surgia ali a ideia da produção de um álbum, que viria ser chamado de Aldir Blanc inédito, e que tomou forma a partir da importante contribuição de parceiros e amigos do artista, nascido em 2 de setembro de 1946, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Algumas das músicas, registradas nas 11 faixas do repertório, já estavam finalizadas, enquanto outras ganharam melodias neste ano. O CD ficou pronto a tempo de celebrar os 75 anos do autor de O bêbado e a equilibrista.

Aldir Blanc Inédito, gravado entre julho e agosto últimos, traz capa do designer gráfico do ilustrador Elifas Andreato, tem produção musical de Jorge Helder e arranjos de Cristovão Bastos. “Fiquei honrado ao ser convidado para produzir esse projeto, no qual, também, toquei contrabaixo acústico, baixo elétrico e violão”, ressalta Helder. “Conheci Aldir Blanc pessoalmente quando da gravação do Catavento e girassol, de Leila Pinheiro, com músicas dele e João Bosco, em 1996. Depois, participei do disco comemorativo dos 50 anos do poeta. Nos tornamos parceiros quando compomos Dorivá, em homenagem a Dorival Caymmi, uma das faixas de Samba doce, álbum que lancei em 2020”, acrescenta.

O repertório com 12 faixas reúne músicas com letras de Aldir que receberam melodias dos parceiros João Bosco — o mais assíduo — Moacyr Luz, Guinga, Luiz Carlos da Vila, Cristovão Bastos, Leandro Braga, Moyseis Marques, Sueli Costa, Joyce Moreno e Clarisse Grova; além do mais recente, o ator e cantor Alexandre Nero — atualmente em cartaz nas novelas da TV Globo Império (reprise) e Nos tempos do Imperador.

Boemia carioca
Para abrir a lista foi escolhida Agora eu sou da diretoria, feita por Aldir Blanc e João Bosco para a campanha publicitária de uma cerveja, veiculada entre 2013 e 2014, que relata o clima da boemia carioca, cantada por João. Os dois e Moacyr Luz assinam Acalento, com letra que faz alusão a Acalanto, de Dorival Caymmi e ganhou interpretação de Ana de Hollanda. Luz é co-autor também de Palácio de lágrimas, que recebeu pungente interpretação de Maria Bethânia; e de Mulher lunar, com Luiz Carlos da Vila. A voz do grande ícone da MPB, Chico Buarque, é ouvida em Voo cego, musicada por Leandro Braga.

Depois de um ida a Búzios, em 1993, cidade da região dos lagos, no litoral fluminense, Aldir colocou no papel suas impressões sobre a viagem. Os versos ganharam melodia do pianista Cristovão Bastos e gravação de Dori Caymmi — um dos pontos altos do disco.

Entre as inéditas que foram resgatadas estão Aqui, daqui e Ator de pantomima, que Aldir havia feito com Joyce Moreno e Sueli Costa — interpretadas por elas; além de Navio negreiro, cuja melodia tem a assinatura do mestre Guinga, que dividiu a interpretação com Leila Pinheiro. Moyseis Marques e Clarysse Grova, parceiros do letrista da nova geração, musicaram e colocaram a voz em Baião da muda e Outro último desejo, respectivamente. Na letra desta última, ele partiu do conceito contido no samba clássico de Noel Rosa.

Virulência, que fecha o repertório, é resultado da troca de ideias de Aldir com Alexandre Nero, para a criação de uma canção a ser utilizada na trilha sonora de uma montagem teatral. Um dos versos da música, bem de acordo com os tempos de agora, diz: “Que falta me faz meus pais/Que falta me faz a paz/ Que falta me faz um país”.


Depoimentos

João Bosco
Somos uma parceria ajustada na paixão, na lealdade, e na completude. Nas nossas canções, a arquitetura de linguagem desconhece limites. Parceria é isso aí. Um percebendo o outro, e ambos cantando a nação. Um mineiro, barroco, o outro carioca, do Estácio, um engenheiro, o outro médico. Um flamenguista, o outro vascaíno. Um continua aqui, correndo atrás da bola, o outro, bem, o outro, agora, é diretoria.


Maria Bethânia
Aldir, o Brasil sabe do grande compositor, grande cronista do sentimento da sua gente. Uma honra e grande alegria poder retribuir, demonstrar minha gratidão a um artista brasileiro que tanto me defendeu quando o Brasil me machucou. Linda música dele e do Moacyr que coube a minha voz. Viva Aldir
e sua vida de luz.


Guinga
Eu acho que eu posso sintetizar o sentimento que eu tenho sobre o Aldir Blanc com uma frase, apenas para quem quiser entender: Aldir Blanc salvou a minha vida.


Ana Hollanda
Havia gravado duas músicas do Aldir. Nos tornamos amigos, assim como fiquei, também, da Mary. Foram muitas conversas ao telefone e por e-mail. Ele passou a ser uma pessoa muito presente em minha vida. Fiquei feliz por, junto com Sônia Lobo, ter feito o material enviado pela Mary chegar às mãos da Katy (Almeida Braga) que, de imediato, autorizou a produção do álbum. A Mary quis saber se o Chico (Buarque) poderia participar. Falei com ele, que topou na hora e escolheu a canção que iria gravar. Quanto a mim, foi uma honra ser convidada para interpretar Acalento, canção pela qual fiquei fascinada, não só pela sua beleza, mas também pela letra traduzir uma visão essencialmente feminina — rara na obra do Aldir.


Alexandre Nero
Meu primeiro contato foi com a Mary, para conhecer o Aldir. Eu pensava em fazer um espetáculo de teatro em cima da obra literária e das músicas dele,mas a partir daí, o Aldir passou a me mandar textos e eu a falar sobre o álbum que estava gravando. Sugeri fazermos uma parceria e ele prontamente topou. Trabalhou na letra e me enviou. Quando recebi, achei que a atmosfera da letra não encaixava com a do disco, então perguntei se seria possível a gente tentar adaptá-la. Ele gentilmente me disse: “Vamos mexer na letra, fique à vontade, faça o que quiser”. Propus que ele me enviasse outros textos, frases, guardados e, também, trechos dos e-mails que a gente trocava. Cada e-mail do Aldir era uma forma de poesia. Só sabia escrever assim. Pura poesia. Em cima de todos esses elementos começamos a mexer na letra original, mas acabou que o Aldir não a viu finalizada. Com a sua morte e o meu envolvimento na composição, fiquei cheio de incertezas sobre letra e melodia, então convidei o Antônio Saraiva para me ajudar a terminar Virulência.

 

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