Elas estão de olho nos jovens artistas, nas manifestações periféricas, na necessidade de trazer para o centro questões políticas também na arte, nas novidades e em como amarrar tudo com o contexto social e político. E que ninguém se engane, arte é um ato político, por mais que isso não esteja explícito no trabalho. Quatro jovens curadoras da cidade têm proposto exposições importantes, muitas vezes com um olhar especial para a produção feminina, e trazem novos ares para as artes plásticas no Planalto Central.
Rayane Soares, Tatiana Reis, Sissa de Assis e Gisele Lima fazem parte da nova geração de curadores brasilienses e estão por trás de um olhar que procura renovar a cena das artes visuais na cidade. Algumas têm formação em teoria e crítica de arte, outras em pedagogia, e todas estão em busca das tendências e do que há de novo na produção de todo o Distrito Federal, especialmente nas áreas fora dos eixos.
Rayane Soares tem 29 anos e é formada em pedagogia. Há cinco anos, ela começou a coordenar o programa Jovem de Expressão. No topo da lista de objetivos, está a construção da cidadania e da identidade cultural. Em 2018, surgiu a oportunidade de ocupar um antigo posto policial transformado em galpão na Praça do Cidadão, em Ceilândia. Nesse espaço, ela e um grupo de outros produtores culturais começaram as atividades da Galeria Rizofloras, hoje referência para a cena cultural da cidade.
O espaço é totalmente independente e funciona com parcerias. A exposição atual, Laços e confrontos, tem apoio do Sabin e da Galeria Index. “A gente se montou a galeria com o objetivo de dar espaço à juventude periférica que está produzindo muita coisa e que não está em galerias profissionais. Nosso objetivo é fazer desse espaço um lugar onde esse jovens possam se potencializar como artistas e que sirvam de exemplo para outros jovens da comunidade. A gente esquece de olhar para a arte da comunidade. É uma arte de protesto, todas falam sobre alguma coisa da comunidade, sobre a questão racial”, avisa Rayane, curadora da Rizofloras ao lado de Luiz Henrique Ferreira.
Formada em teoria crítica e história da arte pela Universidade de Brasília (UnB), Gisele Lima, 26 anos, também prefere lançar o olhar para o que é produzido ao redor dos grandes centros. Ela começou a trabalhar em 2015, com produção.
De lá para cá, ganhou o edital de curadoria da Galeria Oma, em São Paulo, foi curadora da mostra Triangular, promovida pela Casa da Cultura da América Latina (CAL) na Casa Niemeyer, ajudou a constituir o acervo da CAL e, desde 2019, é a curadora da Galeria Pilastra, que precisou fechar o espaço no Guará por causa da pandemia.
Gisele conta que observou, durante a faculdade, uma forte presença periférica na ocupação do espaço acadêmico de formação em arte. Para ela, isso está mudando a cara da produção artística de Brasília e a Pilastra é uma das expressões desse novo cenário. “Tive contato com muitos artistas que ainda não estão no grande centro. Minhas três últimas exposições têm recorte voltado para artistas não homens, que pensam gênero, racialização”, avisa.
Na exposição que levou para a Oma, Gisele incluiu três homens e deu um tom mais formal e menos político ao trabalho, mas já anunciando um olhar periférico. “Ali, eu já falava dessa ocupação do não centro, de artistas de Brasília que não moram dentro do avião e convivem com a estética concretista no movimento pendular de entrar e sair da cidade”, conta a curadora, que faz parte do projeto Conexão Afro.
A Pilastra perdeu o espaço físico após fechar as portas por causa da pandemia, mas continuou uma série de atividades de formação e acompanhamento curatorial on-line bastante procuradas pelos jovens artistas da cidade. Em 2022, uma parceria vai permitir a ocupação da DeCurators, na 412 Norte, para a qual Gisele quer levar um pouco da produção das cidades do DF.
A fotógrafa Tatiana Reis, 36 anos, encara a curadoria como uma atividade capaz de propor conversas inusitadas e enriquecedoras para a sociedade de forma geral, e não só para o mundo das artes. “Acho que a curadoria precisa abrir diálogos, escutar melhor os artistas. É o que estou tentando”, explica. “A curadoria precisa ter um olhar generoso. O curador está no lugar hereditário de definir coisas.” Pensando assim, Tatiana escolheu os 13 artistas da mostra Deslocamentos, apresentada na Galeria Casa em dezembro de 2019. “Trabalhamos com arte decolonial, fora do olhar hegemônico. O que a gente precisa agora é sair do eixo, do senso comum, romper um pouco esse sistema, porque a gente acaba criando esses vícios na cidade, os mesmos artistas, os mesmos lugares. É um refresco que a gente precisa um pouco, que sai do Plano Piloto, da pele branca, do homem”, acredita.
Um pouco desse olhar guia Sissa de Assis, 42 anos uma das idealizadoras do Suburbanidades, projeto que pensa formas de incluir artistas da periferia, homens e mulheres. É dela a curadoria de Latinamérica, primeira individual de Gabriela Noujaim, em cartaz até novembro no Museu Nacional da República. Na série de 17 gravuras apresentada na instituição, a artista reflete sobre o impacto negativo da pandemia entre as mulheres, especialmente aquelas mais vulneráveis, que trabalham no setor informal e de forma precária, como cuidadoras e empregadas domésticas.
Professora de história da arte e artes visuais na Universidade Católica até 2020 e atualmente pesquisadora e professora do curso de artes da Universidade Mauá (UniMauá), Sissa adentrou mesmo a curadoria em 2020, mas há 10 anos trabalha com pesquisa na área. “Foi muito fácil passar para a curadoria. Como sou assídua em visitação de exposições, sempre ia com meu olhar crítico reflexivo. Sou historiadora da arte, então, meus recortes passam por períodos históricos, de mulheres artistas em especial”, conta. Entre seus projetos mais recentes está Processos do desejo à obra corpo-pintura, um misto de exposição e performance da artista Clarice Gonçalves na DeCurators. “Minhas pesquisas de mestrado e doutorado foram sobre mulheres artistas na arte brasileira e acaba que na curadoria, também”, explica.
“A gente montou a galeria com o objetivo de dar espaço à juventude periférica que está produzindo muita coisa e que não está em galerias profissionais.
Rayane Soares, curadora
“O que a gente precisa agora é sair do eixo, do senso comum, romper um pouco esse sistema, porque a gente acaba criando esses vícios na cidade, os mesmos artistas, os mesmos lugares.
Tatiana Reis, curadora