CINEMA

Tiros de arma cenográfica disparados por Alec Baldwin provocam tragédia em set de filmagem

Tiros de arma cenográfica desferidos pelo ator Alec Baldwin provocam a morte da diretora de fotografia do filme Rust, Halyna Hutchins, e ferem o diretor Joel Souza

Ricardo Daehn
postado em 23/10/2021 06:00 / atualizado em 23/10/2021 11:36
Halyna Hutchins, a diretora de fotografia vítima da tragédia ainda não esclarecida -  (crédito: Sonia Recchia/AFP)
Halyna Hutchins, a diretora de fotografia vítima da tragédia ainda não esclarecida - (crédito: Sonia Recchia/AFP)

A responsabilidade na circunstância que envolveu a morte da diretora de fotografia do filme Rust, Halyna Hutchins, e resultou em ferimentos para Joel Souza, realizador à frente do longa alinhado à corrente do faroeste, paira como uma enorme dúvida para a polícia norte-americana. Ainda que se saiba que o tiro partiu de uma arma cenográfica manipulada pelo ator Alec Baldwin, maiores esclarecimentos sobre o caso não vieram a público. Usando redes sociais, o astro manifestou o coração partido, ante “o marido e o filho de Halyna”, estendendo os sentimentos “a todos que a conheciam e amavam”.

Além disso, Alec Baldwin afirmou estar “sem palavras para descrever” o choque nele e a tristeza com o que chamou de “acidente trágico”. Tudo ocorreu pouco antes das 17 horas da quinta-feira (horário de Brasília). Na imprensa norte-americana, há relatos de que o acidente resultou de um só disparo.
Simulacros de armas de fogo, que, apesar de trazerem clarão e estrondo realistas, não ocasionam disparo de projétil são comumente usados no cinema. Os cartuchos são reais, porém modificados, apesar de trazerem explosivos. Simulando efeitos reais, as balas de festim nunca foram novidade na indústria do entretenimento. Os chamados acidentes nas filmagens, também não.

Quem trouxe visibilidade para o teor de responsabilização foi a irmã do ator Brandon Lee (filho de Bruce Lee) Shannon, que externou num tuíte a dor de ter o irmão morto, em 1993, aos 28 anos, durante as gravações de O Corvo, em circunstâncias similares. “Repasso minha solidariedade para as famílias e todos os envolvidos no incidente em Rust. Ninguém deveria morrer por causa de arma de fogo num set de filmagem. Ponto final”, registrou.

Numa indústria da estatura de Hollywood, há padrões de segurança tidos como rigorosos. Mesmo assim, Brandon teria sido atingido com um cartucho velho, acondicionado no cano da arma. David Slack, roteirista de Law & Order, igualmente veio a público tratar do caso. “Pistolas são armas. Cartuchos de festim contêm pólvora de verdade. Eles podem ferir ou matar — e fizeram-no”, explicitou, no Twitter.
Uma série de circunstâncias perturbadoras envolvem o novo caso do longa filmado ao sul de Santa Fé (Novo México). Com enredo situado no Kansas de 1880, um assassinato acidental incrimina o neto do fazendeiro Harland Rust, personagem de Alec Baldwin. O garoto, condenado à morte, traça um plano de fuga, ao lado do avô, na trama do longa estrelado ainda por Frances Fisher, ex-companheira do ator e diretor Clint Eastwood, consagrado por faroestes.

No caso

Atendido no Centro Médico de Santa Fé, o diretor Joel Souza foi liberado. Já a diretora de fotografia Halyna Hutchins chegou a ser atendida em Albuquerque, ao ser transferida por meio de helicóptero. Ela não resistiu.

Nascida na Ucrânia, para onde retornava quando possível, Halyna foi lembrada por amigos como uma mulher “espirituosa e bela”. Criada numa base militar instalada no Ártico, ela havia cursado economia e jornalismo, antes de seguir para Los Angeles, onde frequentou o American Filme Institute. À frente das filmagens no Bonanza Creek Ranch (que abrigou as produções de Appaloosa — Uma cidade sem lei e Os indomáveis), Joel Souza é conhecido por encabeçar seis projetos de baixo orçamento no exterior.

A produtora Rust Movie Productions LLC, em pronunciamento, sublinhou a devastação sentida pelo elenco de Rust, diante da “tragédia”, externando as condolências a familiares e entes queridos. No informe, houve a confirmação de interromper a produção (“por tempo indeterminado”). A produtora reiterou ações como providenciar “acompanhamento psicológico” aos profissionais envolvidos. O astro Alec Baldwin assegurou a integral cooperação com a polícia, “para descobrir como essa tragédia aconteceu”. Ele reiterou o apoio oferecido aos familiares de Halyna. Impactado pelo ocorrido, em estado de choque e aos prantos, Alec Baldwin chegou a ser fotografado pela imprensa estrangeira.

Muitos casos

Num levantamento de acidentes em filmagens, a Associated Press destacou que, desde 1990, foram computados 43 casos de acidentes que resultaram em alterações profundas no curso da vida de profissionais da indústria do cinema. Cerca de 150 profissionais, ainda que com todas as precauções, sofreram com problemas que trouxeram mutilações, ossos partidos e mortes. Apontando 37 acidentes graves, desde os anos 2000, o representante da Associated Press Anthony McCartney elencou casos de registros judiciais e relatórios de notícias ligados ao tema. Quedas de escadas, equipamentos caídos em acidente e máquinas sem controle de segurança ocasionaram muitos dos danos a profissionais.

No Instagram, integrantes da Associação Brasileira de Cinematografia trouxeram os sentimentos da entidade. “A ABC, em nome de todas os associados, manifesta suas sinceras condolências à família, amigas e amigos da diretora de fotografia e a toda equipe do filme Rust”. E, no comunicado, completou: “Esperamos que os fatos sobre essa tragédia sejam esclarecidos o mais breve possível e que toda a comunidade cinematográfica internacional se una para discutir e impedir que tristes episódios como este voltem a acontecer”.

Um dos casos mais chocantes, em escala internacional, a atingir outro ator foi durante a produção da série televisiva Retrato falado, em 1984. Mesmo sem projétil ou bala, o ator Jon-Erik Hexum, 26 anos, tirou a própria vida, num acidente que resultou em hemorragia no crânio. Num intervalo de gravação para a obra da CBS, ele apontou uma pistola em direção à têmpora e efetuou disparo. Sem bala envolvida no acidente, o processo externo proporcionou afundamento de osso no cérebro do intérprete.

Nos relatos da Associated Press estão lembrados profissionais de longas como Os Vingadores (John Suttles, que em 2011, caiu, de modo fatal, da carroceria de um caminhão), Blade Runner 2049 (em que um integrante da cenografia morreu, na Hungria) e Deadpool 2 (que trouxe a morte da dublê Joi ‘SJ’ Harris, num acidente com motocicleta).

Para além dos ferimentos sofridos em cenas de Tom Cruise e Daniel Craig, respectivamente, em ações das franquias Missão: Impossível e 007, há registro das fraturas na face e no traumatismo cerebral que atingiu o ator Dylan O´Brien, na terceira parte da saga Maze Runner (A causa fatal), depois de um acidente envolvendo um carro de dublê.

Depoimento

O diretor Marcelo Galvão
O diretor Marcelo Galvão (foto: Midori De Lucca/ Divulgação)

Sem necessidade

Toda produção precisa ter seguro e segurança. Seguro para cobrir financeiramente algum imprevisto que possa ocorrer e segurança para não deixar que nenhum imprevisto ocorra. É muito difícil opinar e impossível julgar o que aconteceu no filme do Alec Baldwin. São muitos fatores que ainda não sabemos.

Todos os filmes que eu fiz e que tinham muitos tiros, eu preferi resolver tudo na pós-produção e não me arrependo por isso. Fiz um faroeste inteiro (O matador) com apenas dois tiros de festim e o pior, sem necessidade. Todos os outros tiros foram feitos todos na pós. Economizamos tempo, consequentemente dinheiro e ficamos totalmente despreocupados com a segurança dos atores e da equipe.

Tanto nas produções americanas, quanto nas produções brasileiras não vejo mais sentido trabalharmos com armas preparadas para as cenas. As armas não precisam ser preparadas, pois tudo pode ser feito depois, elas precisam apenas parecer com as originais e ter um bom intérprete que as segure.

Marcelo Galvão, diretor do premiado Colegas

 

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Relembre a carreira de Alec Baldwin

Ator para diretores de peso, entre os quais Martin Scorsese (O aviador e Os infiltrados), Woody Allen (Para sempre Alice, Blue Jasmine e Para Roma, com amor) e Wes Anderson (na narração de Os excêntricos Tenenbaums), Alec Baldwin, aos 63 anos, sempre foi associado ao sucesso que o acompanhou em incursões televisivas em Saturday Night Live (para o qual criou paródia do ex-presidente Donald Trump) e estrelou a série cômica 30 rock, apoiado pelo talento da colega de cena Tina Fey.

Irmão mais velho no clã de atores que inclui Daniel, Stephen e William, Alec nasceu em Amityville (NY) e, depois de uma escalada em programas de tevê, chegou ao topo, ao integrar, em fins dos anos de 1980, comédias como Os fantasmas se divertem (Tim Burton) e De caso com a máfia (Jonathan Demme). Em tom jocoso, ele tomou parte do documentário de James Toback Seduzido e abandonado — Os bastidores de Cannes, no qual desbaratava bastidores dos financiamentos de longas-metragens.

Num dos pontos altos da carreira, Alec foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante por The cooler — Quebrando a banca, no qual encarna um mafioso metido em querelas em cassinos de Las Vegas. Também atrelado a desmandos, no longa de animação O Poderoso chefinho, ele emprestou a voz para personagem consagrado pelo público. Baldwin, num registro de suspense, estrelou Caçada ao Outubro Vermelho, e se tornou amigo de Meryl Streep, ao encenar a comédia Simplesmente complicado (2009). Casado desde 2012, com Hilaria Baldwin, ele teve seis filhos com ela. À prole, soma-se a filha que teve com Kim Basinger, estrela com a qual esteve na telona em Uma loira em minha vida (1991).

 

Estado de alerta

“É algo muito triste e chocante ver uma profissional perder a vida em um set de filmagem. Penso que seja muito importante aguardar as investigações para entender o que realmente ocorreu, mas, ao que tudo indica, foi um incidente similar ao que ocorreu com Brandon Lee no set de O Corvo, em 1993. Se confirmada essa versão, o ator não pode ser responsabilizado, pois estava fazendo o que lhe mandaram, com o equipamento que lhe forneceram para exercer seu trabalho. Armas reais sempre vão representar risco à vida, onde quer que estejam e por mais cuidado que se tenha. Foram feitas para ferir. Parece que já passou da hora de balas de festim serem aposentadas nos sets de filmagem. Com a tecnologia que temos hoje, tenho certeza de que podemos encontrar soluções mais seguras”.

Iberê Carvalho, diretor do longa O homem cordial

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