Em meados dos anos 1960, o autor Frank Herbert estabeleceu novo curso para a literatura que envolvia aspectos de ficção científica, com a publicação do romance Duna. Passados 20 anos da publicação, coube a David Lynch um fracasso artístico ao empreender uma jornada cinematográfica em torno da obra. Mais de 36 anos depois, chega a visão do canadense Denis Villeneuve (de filmografia vistosa, vide A chegada e Blade Runner 2049), a fim de recondicionar Duna para a telona. Ao lado dos roteiristas Jon Spaihts (Doutor Estranho) e Eri Roth (Nasce uma estrela), Villeneuve calibra com elementos medievais a saga interplanetária nutrida por forças de opressão, misticismo religioso, premissas ecologistas e suspense palaciano.
Arriscando alto, sem preconizar a luz como pressuposto de cinema, o diretor oferta um filme (que é apenas a primeira parte de uma saga) escuro e profundo, em que uma guerra santa é arregimentada, num jogo de poder no deserto, mais precisamente no planeta de Arrakis. A excelência narrativa de Villeneuve torna clara a trama em que 80 anos de dominação de Arrakis, por integrantes da Casa Harkonnen, vão por água abaixo, a partir das definições de um imperador (descrito como “perigoso e ciumento”). Há imposição de uma nova ordem, com a chegada da Casa Atreides ao poder. A meta dos novos conquistadores é perpetuar o sistema colonial implantado, numa estratégia que achata o clã Fremen, originário daquele ambiente.
Sem a pretensão que acompanha o diretor Christopher Nolan (Tenet) e com qualidades próximas às de George Miller (Mad Max) e Ridley Scott (Alien), Denis Villeneuve desenvolve, ao lado de astros competentes como Stellan Skarsgard, Rebecca Ferguson e Zendaya (presente em presságios), personagens repletos de personalidade, singulares na criação de um épico. Helicópteros assemelhados a insetos, edificações à la pirâmide do Egito e projeções holográficas ganham camadas de naturalidade pela equipe de efeitos visuais supervisionada por Paul Lambert (O primeiro homem e Tron, o legado).
Ao servir de ponte para um governo de transição, a pesquisadora Liet Kynes (papel de Sharon Duncan-Brewster), em Arrakis, dá muitas coordenadas num quadro de exploração da chamada especiaria, um recurso energético que, pela vida toda, enriqueceu estrangeiros e deu sustentação às jornadas espaciais. Quem se beneficia dos avanços no uso da especiaria são os gigantescos vermes que habitam o deserto, e chegam a se desdobrar em até 400 metros de comprimento.
Filho do íntegro Duque Leto (Oscar Isaac, em participação destacada), o personagem de Timothée Chalamet, tido como um ser predestinado, o frágil e inocente Paul, terá aprendizados duros, ao lado de mentores como Duncan (Jason Momoa) e Gurney (Josh Brolin), ambos memoráveis. Para além do registro da grandiosidade de ritos associados à chegada da Casa Atreides na administração das riquezas do deserto e das privações de recursos naturais às quais se sujeitam os altivos integrantes de família real, Duna desvenda maravilhas visuais, ao mostrar o reconhecimento de campo de Arrakis (com direito à ação de uma Natureza onisciente) e ao captar operações espaciais.
Alta tecnologia
Cadenciadas batalhas corpo a corpo e cenas premonitórias vivenciadas pelo heroico Paul ganham relevância com o emprego da trilha sonora de Hans Zimmer. Situado em 10191, o enredo especula sobre a falta de água, e traz engenhocas tecnológicas intrigantes, como os escudos corpóreos e os trajestiladores (vestimentas ajustadas às exigências do deserto).
Num sistema feudal proposto por Duna, extrapolando a magnitude das figuras reais, há diversão extra, na presença de participantes de luxo no elenco estelar como os atores Javier Bardem, na pele do insolente Stilgar, e da astúcia emanada por Charlotte Rampling, na pele da vidente e experiente integrante da sociedade Bene Gesserit, que doutrina espécie de bruxas. Rampling, sob um véu, domina uma das melhores cenas de Duna: a da descoberta das dores de Paul, a partir do uso de uma misteriosa caixa.
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