A obra eterna de Luiz Gonzaga ganhou mais uma releitura, desta vez com a marcante voz grave de Jorge Du Peixe, vocalista do Nação Zumbi. Intitulado Baião granfino, o álbum reúne desde canções clássicas do Rei do Baião, como Sabiá, Qui nem jiló e Pagode russo, até composições menos conhecidas pelo público, como Acácia amarela, com novas propostas sonoras, arranjos criativos e a interpretação potente de Du Peixe.
Embora seja difícil desvincular o vocalista do movimento que teve Chico Science como maior símbolo, Jorge ressalta que o projeto não é uma “leitura Mangue Beat” de Gonzagão. “Esse trabalho é uma leitura minha, pessoal, de memória afetiva. Eu não sou o Mangue Beat. Fiz parte do grito, da intenção. Mangue Beat não é um gênero musical. É um grito, um movimento”, pontua o cantor.
Destaque do projeto, a faixa O fole roncou conta com a participação especial da cantora e compositora paraibana Cátia de França. Não é a primeira vez que a canção e o trabalho artístico de Jorge se cruzam. O Nação Zumbi gravou uma versão de O fole roncou para a coletânea Baião Viramundo, um tributo ao centenário do Rei do Baião. “Eu coloquei essa música no Baião granfino, porque a considero importantíssima. E foi bom ter trazido a Cátia, que é uma artista das antigas e que chegou a ver de perto o Luiz Gonzaga tocando”, explica o cantor.
Parceria
A ideia do álbum surgiu ainda em 2017, durante as gravações do programa musical Clubversão, no qual artistas de diferentes gerações criam novas versões de clássicos da música popular. No programa, Du Peixe gravou a música Manhã de carnaval (Luiz Bonfá/Antônio Maria) ao lado do sambista Wilson Neves. Fábio Pinczowski, produtor do programa, e que assina a produção musical do disco, logo se interessou em fazer um projeto com Jorge. Ali nascia a parceria que resultaria no Baião granfino, gravado no início deste ano, em São Paulo.
A escolha do repertório foi tomando forma em 2020, no início da pandemia, em conversas entre Du Peixe e Pinczowski. O intuito era manter a célula harmônica do baião, mas trazendo outros elementos musicais para a música de Gonzagão. A faixa Orélia, por exemplo, foi transformada em um ska, gênero musical nascido na Jamaica nos anos 1950, acompanhada pela tradicional rabeca do cancioneiro nordestino.
Para o cantor, o baião proporciona um vasto horizonte de possibilidades rítmicas, incluindo também elementos eletrônicos à leitura da obra de Gonzaga por Jorge Du Peixe. “Não só na música de Luiz Gonzaga, mas o eletrônico cabe em qualquer coisa, desde que haja limites da sua intenção, da sua perspectiva musical. Tanto é que nasceu o Baião granfino”, analisa Jorge, que diz ser averso o uso do termo “modernizar”: “Acho cafona”.
“Tratando-se de uma obra eterna e tão extensa como a de Luiz Gonzaga, fica até difícil de escolher linhas melódicas e harmônicas do baião, que já foi gênero nacional, pop brasileiro que antecedeu a bossa nova e a Tropicália, e que flerta com todos os gêneros. Então é totalmente possível trazer elementos eletrônicos para a música dele”, explica.
Jorge Du Peixe lembra que Luiz Gonzaga cantava outros gêneros além do baião, como bolero e maracatu-canção. “Era um artista à frente do seu tempo. Nunca teve, inclusive, medo de guitarra. O fole roncou, por exemplo, é um baião com uma intenção de rock ‘n’ roll”, destaca.
Para o cantor, o momento de chegada do Baião granfino é muito oportuno, nesse “momento de escuridão que passamos”. “É importante trazermos um artista tão grandioso quanto Luiz Gonzaga para as pessoas. Mais do Brasil para o Brasil. Não à toa, o primeiro single foi Rei Bantu, que é um grito de ancestralidade e de empoderamento. Com certeza o disco veio no momento certo”, analisa Du Peixe.
Trajetória
A carreira musical de Jorge começa em 1993. Após a morte precoce de Chico Science, ele assume os vocais do Nação Zumbi, da qual já era integrante. Com a banda, lançou 13 discos, fez parceria com diversos artistas e shows em vários países.
O artista também integra outros projetos musicais, como a banda Los Sebosos Postizos, com quem lançou o disco Los Sebosos Postizos com músicas de Jorge Ben Jor, produzido por Mário Caldato Jr., e o grupo Afrobombas, que tem como vocalista, além de Du Peixe, Lula Lira, filha de Chico Science.
Jorge também trabalhou no cinema, compondo trilhas para filmes nacionais, como Amarelo manga (2003), e Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Lançou também, em 2020, o livro juvenil A nave vai, pela editora Barbatana. Em formato de compacto, a publicação conta com o texto e a narração de Jorge Du Peixe e as ilustrações do artista Rodrigo Visca. Recentemente, fez parcerias com os artistas Marcelo D2, na música Pela sombra, e Edi Rock, na música e clipe Vai.
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira