A pandemia foi ruim para o comércio de forma geral, mas alguns setores cresceram e o livreiro foi um deles. De acordo com o 7º Painel do Varejo de Livros no Brasil de 2021, realizado pela Nielsen Book e divulgado pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livro (Snel), o primeiro semestre de 2021 foi ótimo para o mercado editorial. A pesquisa indica que houve aumento de 48,5% na venda de livros no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2020.
A sondagem também registrou um total de 28 milhões de livros vendidos e aumento de 38,26% no faturamento do setor em relação a 2020. O mercado vendeu um volume 44,39% maior. Segundo o Snel, a alta variação indica dois momentos diferentes do mercado: um sob o impacto das medidas de restrição adotadas em 2020 por causa da pandemia e outro, mais resiliente e consolidado, que corresponde ao primeiro semestre de 2021.
A melhora do setor foi notada por editoras, livreiros e autores. Um dos reflexos dessa recuperação está na abertura de, pelo menos, três novas livrarias em Brasília. No início do mês, a Circulares abriu as portas na 113 Norte com a proposta de vender títulos selecionados com cuidado pelas proprietárias, Camila Sahb e Ariana Frances. Em novembro, a rede carioca Livraria da Travessa inaugura uma unidade no mesmo espaço deixado pela Livraria Cultura, no Casa Park, e, em 2022, é a vez da paulistana Livraria da Vila, no Iguatemi.
A pandemia obrigou todo mundo a passar mais tempo em casa. Para Camile, da Circulares, essa foi uma das razões para o aumento do consumo de livros. “Os clubes de livros explodiram, muitos grupos se formaram para ler em conjunto, ao contrário do que a gente imaginava. A coisa de estar on-line criou oportunidade de participar de grupos fora da cidade. Mas acho que tem a magia de pegar o livro, folhear, olhar a capa, ler a orelha, a experiência on-line não reproduz isso”, diz a livreira, que resolveu dar vida a um desejo antigo de criar um espaço dedicado à leitura.
A Circulares inaugurou em 8 de setembro com um acervo dedicado, principalmente, à literatura contemporânea. “O que nos motivou foi mesmo a vontade de poder conversar sobre livros com as pessoas. Acho que a pandemia deixou todo mundo em casa, mas mostrou o tanto que precisamos estar próximos, juntos, o quanto faz falta essa coisa da troca”, avalia Camile. “A gente fez uma pesquisa de mercado, acho que tinha mesmo essa sensação de que tinha um vácuo em Brasília, um espaço para isso. A gente tinha imaginado que ia vender uns 20 livros por dia, mas a gente está vendendo um pouco mais que isso.”
Com inauguração marcada para novembro no Casa Park, a Livraria da Travessa chega a Brasília de olho em um mercado importante. Segundo Rui Campos, sócio-diretor da empresa, a capital é a terceira na lista de cidades que mais compram livros na Travessa. Para ele, houve uma mudança no modelo de livrarias no país: grandes redes como Cultura e Saraiva deram lugar a lojas menores e com projetos curatoriais. A pandemia arrefeceu um pouco o negócio em 2020, mas o cenário já é de retomada. “A gente teve um 2020 desastroso, com lojas fechadas, então, obviamente, houve, sim, uma retomada, mas ainda não é tão bom quanto 2019, que foi um ano excelente”, aponta Rui.
Vitor Castro, da Mórula Editorial, percebeu um aumento de vendas de títulos do catálogo no primeiro semestre de 2021, principalmente no site da editora e pela Amazon, o que surpreendeu o editor. “Meu faturamento é, essencialmente, de livrarias, porque, quando você é independente, você acaba trabalhando com livrarias pequenas, e elas fecharam por causa da pandemia ou ficaram muito tempo sem funcionar”, explica.
“Nosso faturamento com livrarias diminuiu significativamente no primeiro semestre e aumentaram as vendas no nosso site. Não sei dizer exatamente o porquê. Foi um pouco abrupto, os pedidos aumentaram mesmo não tendo livraria.”
Para Vitor, o momento é mais de retomada do que de crescimento. “Num primeiro momento, isso me surpreendeu, porque estamos vivendo um momento no esdrúxulo no país, as pessoas pensam pouco, vivem de fantasia de WhatsApp e temos poucos leitores, mas esses poucos leitores vivem um momento em que estão precisando ler mais e, por mais que seja pequeno num universo geral, é um universo grande”, avalia.
Beth Cataldo, da Tema Editorial, atribui o aumento nos números a uma combinação de fatores. O avanço da vacinação ajudou a dar um impulso às livrarias, que voltaram a ter público com impacto nas vendas presenciais. “Outro fator que pode ter sido um impulso é o fato de que as pessoas ficaram mais conectadas em leitura, retomaram hábitos, se autoalimentaram de informações, entretenimento, buscando alternativas na leitura para enfrentar esse período, que é muito solitário”, acredita a editora.
Segundo a editora, a melhoria nas vendas foi perceptível, mas ainda há o temor de que a recuperação não seja totalmente sustentável por causa do aumento da inflação, que reduz o poder aquisitivo das pessoas.
Níveis pré-pandemia
Com lucro acima de R$ 1 bilhão, o diretor comercial da Todavia, Marcelo Levy, tem observado um bom nível de vendas nos últimos lançamentos. “O aumento é em grande medida um princípio de volta aos níveis pré-pandemia. A base de comparação (primeiro semestre de 2020) é muito baixa. No nosso caso, atribuímos a boa resposta aos nossos lançamentos e ao crescimento de alguns títulos do catálogo, como Torto arado”, explica.
O diretor conta que o ritmo de publicação voltou a crescer, abrangendo desde clássicos da literatura e autores consagrados até novos escritores. “Voltamos ao ritmo de publicação de 2019, de lançar cinco novos títulos por mês, em média”, revela.
Em virtude do isolamento exigido pela pandemia de covid-19, o tempo de permanência em casa aumentou e, na visão da escritora Lella Malta, esse foi um dos principais motivos para o aumento da venda de livros. “O isolamento social deixou claro que um bom livro ainda é nossa melhor companhia, e um ‘descanso’ para nossas vistas e vidas tão ligadas em telas”, acredita.
Outro dado da pesquisa aponta que o segundo semestre de 2021 também apresenta bons resultados. Durante o Amazon Prime Day, promoção realizada pela gigante do varejo, houve um aumento de 59,3% de vendas em relação à mesma época do ano passado, e o faturamento saltou de R$ 117,08 milhões para R$ 185,52 milhões. “Sem dúvida nenhuma, um dos fatores que ameaçam a leitura no Brasil é o preço do livro”, lamenta Lella.
Leitores assíduos
Teletrabalho e aulas remotas foram grandes incentivadores para os leitores, por estarem mais em casa e gastarem menos tempo em deslocamentos. A estudante de jornalismo Carina Benedetti leu 34 livros em 2020 em consequência de ter mais tempo livre. Este ano, por causa do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), as leituras literárias ficaram um pouco de lado, abrindo espaço para livros acadêmicos e de metodologia. “Eu tento alternar entre livros do TCC e literatura, pois é importante para dar um respiro, né? Mas também estou lendo muito sobre política e economia, pois é minha área de interesse de atuação”, explica.
Pedro Castro, estudante de medicina, encarou os livros como uma forma de passar pelo isolamento social de um jeito mais leve e de viajar sem sair de casa. “Minha experiência literária nessa pandemia teve seus altos e baixos, menos para a minha carteira. No início, quando as aulas estavam suspensas, me peguei lendo quase um livro por semana, comprando histórias novas e velhas, brasileiras ou gringas, não importava. Era um jeitinho de viajar sem sair de casa”, conta. Com a retomada das aulas e da rotina de provas, o tempo de leitura ficou reduzido, mas Pedro continuou a adquirir livros, principalmente em sebos, com a esperança de lê-los.
*Estagiária sob a supervisão de Severino Francisco