O educador pernambucano Paulo Freire é um dos intelectuais das ciências humanas mais estudados no mundo. A Finlândia é uma referência internacional em educação de qualidade. Freire é um dos pensadores que está por trás da pedagogia que orienta o ensino no país nórdico. Existem 20 institutos dedicados à propagação das ideias do educador pernambucano no mundo.
Mas, para Claudiney Ferreira, gerente do Núcleo de Audiovisual e Literatura do Itaú Cultural e integrante da equipe curatorial da exposição, Paulo Freire é mais importante ainda para os brasileiros. Por isso, na passagem do centenário de nascimento do educador pernambucano, o Instituto Itaú Cultural elegeu Freire como personagem de uma ocupação cultural, que se desdobra em exposição, publicação de ensaios e eventos virtuais: “Paulo Freire tem um pensamento de educação que é a cara do lado bom do Brasil, o lado amoroso, o lado que procura a boniteza, para usar uma expressão dele”, comenta Claudiney: “Ele é de uma profundidade e de uma acuidade impressionantes.”
A ocupação revela como o pensamento de Paulo Freire influenciou a saúde, a segurança pública, o meio ambiente e as artes visuais. Todas as quartas-feiras, pesquisadores releem a obra de Freire sob o olhar de múltiplos saberes: “Freire não buscou isso, o seu pensamento é que despertou as pessoas para esses aspectos,” comenta Claudiney.
O hot site permite o acesso a vídeos, textos, imagens e podcast. A vida de Freire é reconstituída de maneira cronológica. O primeiro momento é o da nordestinidade, as fotos de família em Jaboatão e no Recife. Em seguida, a vida estudantil, a experiência seminal para a formulação de sua pedagogia em Angicos, o exílio, a consagração internacional e a volta para ocupar o cargo de secretário de educação de São Paulo. O percurso fecha com uma instalação sobre Paulo Freire no mundo, que mostra os lugares onde recebeu o título de doutor honoris causa e a repercussão de suas ideias: “O Instituto Paulo Freire na Alemanha ajudou na recepção aos imigrantes”, observa Claudiney.
O que permanece no pensamento de Paulo Freire na sociedade virtual do século 21? A busca do rigor, a autocrítica, o diálogo, a ideia de que a curiosidade não deve ser domesticada, a pedagogia do oprimido e a pedagogia da esperança, responde Claudinei: “Freire enfatiza o diálogo, o saber escutar, os saberes indígenas e das culturas oriundas de África. Ensina a respeitar os saberes dos outros. Ele propõe uma pedagogia antiopressiva.”
O horizonte utópico de Paulo Freire não é o do sonho da impossibilidade; é um sonho do projeto. Precisa ser construído e ter um final: “Freire quer chegar a um resultado. É um sonho planejado. Vale dizer que ele escreve muito bem, os textos dele são lindos.” Se vivesse nos tempos virtuais, Paulo Freire teria muitos seguidores? “Uma coisa importante, Paulo Freire não queria seguidores”, responde Claudemir: “Quero pessoas que me reinventem, ele dizia. O livro Pedagogia da esperança é uma autocrítica. A BBC fez uma matéria mostrando que Freire é muito respeitado em todo o mundo, mas ele não é uma unanimidade. Isso não importa, ele é referencial.”
A arte-educadora Ana Mae Barbosa conheceu Paulo Freire em 1955, quando fez um curso na Escolinha de Arte do Recife, da qual ele era presidente. Ana optou pela área da educação porque era a única profissão que a família considerava digna. Freire pediu que todas as alunas escrevessem por que escolheram ser professoras. Ana fez uma redação em que enumerava por que não queria ser professora. Freire pediu uma conversa pessoal: “Ele explicou que educação é libertação. Comecei a me encantar. As aulas dele eram maravilhosas. Não escreveu sobre arte, mas dava aulas com obras de arte.”
Para Ana, os livros de Paulo Freire permanecem, dramaticamente, atuais. Parecem mágicos. Ensinam que você só aprende alguma coisa se estabelece uma ligação com a própria vida. Você busca algo fora e inclui nos seus conhecimentos. “O conhecimento do aluno dialoga com o que você quer que ele aprenda. Antes de alfabetizar, tem de levar a pessoas a ler o mundo a seu redor.”
Ana Mae considera que o pensamento de Paulo Freire é essencial para uma época de polarização dogmática, como a que vivemos no Brasil. Lembra que ele distinguia sectarismo e radicalismo. Não considerava o radical, necessariamente, negativo.
O radical ouve o outro e dialoga, enquanto o sectário sempre está certo, é o dono da verdade, não escuta o que o outro fala: “A campanha de desqualificação de Paulo Freire é, na verdade, uma campanha contra a educação pública de qualidade. Querem reduzir o aluno a ler, escrever e contar. Não interessa a educação para a liberdade, defendida por Paulo Freire. Quanto menos o povo pensar, melhor, será mais fácil manipular.”
Ângela Antunes, diretora do Instituto Paulo Freire em São Paulo, concorda que atacar Paulo Freire é atacar o direito à educação e a sociedade democrática e solidária. Porque, para Freire, a educação precisava ser comprometida com a ideia de justiça social: “Para entender o pensamento de Freire, primeiro é preciso é compreender que a educação é um ato político. Não existe educação neutra. Não existe projeto de mundo dissociado de educação. Se quisermos viver em uma sociedade justa e igualitária, precisamos construir essa possibilidade com um projeto de educação. Ele defendeu uma educação crítica, propositiva e criativa.”