Vidas fantásticas

Biografias de Stan Lee, Amy Winehouse e Simone de Beauvoir oferecem um passeio por três ícones da cultura do século 20

Stan Lee nunca quis ser quadrinista. Menino, gostava de cinema muito mais do que qualquer outra forma de entretenimento. Passava horas nas cinco salas da Washington Heights, próximo à sua casa, em Nova York. Foi meio que por acaso, por indicação de um conhecido, que foi parar na editora Timely Comics, que mais tarde daria origem à Marvel. A carreira de Lee na Marvel também não foi óbvia, mas foi notável, como fez questão de indicar o biógrafo Danny Fingeroth no título de A espetacular vida de Stan Lee, biografia que desembarca no Brasil pela Agir.
Antes da trajetória que culminou na presidência da editora, Lee escreveu muitos obituários, entregou o New York Herald Tribune em muitas portas de Manhattan e iluminou muito chão como lanterninha da Broadway. Mas foi na editora de quadrinhos mais famosa do mundo que ele encontrou pouso. “Pergunte a qualquer fã de cultura pop quais são seus três quadrinistas favoritos. É muito provável que respondam Stan Lee”, avisa o autor, no prefácio. “E então vão parar por aí. Stan Lee é o único quadrinista que a maioria conhece.”
Lee pode nunca ter sonhado em escrever quadrinhos, mas sonhava em ser escritor e escrever um grande romance. Acabou por impulsionar uma das indústrias mais lucrativas do entretenimento nos anos 1960 criando personagens como Homem-Aranha, Vingadores e X-Men. Pouco se sabe sobre a infância de Lee e a origem de seus pais e, para quem busca mais informações sobre esse período, a biografia de Fingeroth vai se revelar frustrante. É mais sobre o processo de criação dos quadrinhos mais vendidos no mundo e a trajetória de Lee na Marvel que o autor se concentra.
Stan Lee não era um gênio solitário. Uma equipe talentosa de artistas gravitava em torno dele para que os heróis da Marvel tomassem corpo, forma e ganhassem as histórias das HQs vendidas em praticamente todo o mundo. Entre os colaboradores mais importantes estavam Steve Ditko e Jack Kirby, personagens constantes na biografia. Lee era capaz de ditar três histórias ao mesmo tempo às suas secretárias, mas Ditko e Kirby tinham papel importante na materialização das HQs.
Dividido em capítulos que se pautam mais por circunstâncias históricas do que pela vida de Lee, a biografia também acompanha a trajetória do próprio gênero quadrinhos. Da demonização das revistinhas – segundo alguns críticos, elas incitavam a violência – às mudanças provocadas na cultura pop pela chegada da televisão, da importância do rádio para divulgar as HQs à influência do contexto político e social na criação das narrativas e dos heróis, A espetacular vida de Stan Lee faz um recorte de uma época enquadrada pela perspectiva de um gênio criador de histórias.

A espetacular vida de Stan Lee
De Danny Fingeroth. Tradução: Flora Pinheiro. Agir, 488 páginas. R$ 79,90


Memórias de uma amizade
Foi o cantor e compositor Tyler James, hoje afastado do showbizz, quem encontrou o corpo de Amy Winehouse no início da tarde de 22 de julho de 2011. James era presença constante no apartamento da cantora e os dois dividiam o local por períodos intermitentes. Amigos desde a pré-adolescência, os artistas costumavam brigar bastante porque James insistia para que Amy largasse drogas e bebidas. Ele tinha 10 anos quando a conheceu e acompanhou, sempre de muito perto, a ascensão e a destruição da inglesa, que morreu após uma overdose, aos 27 anos.
É a história dessa amizade que Tyler James conta em Minha Amy – A vida que partilhamos, uma espécie de autobiografia na qual a menina branca com voz de jazzista das antigas é mais protagonista do que coadjuvante. “Amy era apenas uma pessoa com alguns problemas, como todos nós”, escreve o autor. “Mas o que aconteceu com ela não era inevitável.” A maneira como a fama afetou psicologicamente a cantora é um dos temas recorrentes do livro.
James conta que Amy nunca quis ser famosa, ao contrário dele, cujo projeto era ganhar o máximo de projeção possível antes dos 25 anos. “Amy era definitivamente alguém que nunca deveria ter sido tão famosa, que se limitaria a uns poucos shows ao ano, em lugares como o Jazz Café em Camden, vivendo uma vida modesta e confortável”, acredita. “À medida que seu alcoolismo se intensificava, mais e mais pessoas não conseguiam lidar com ela e sua vida ficou cada vez mais solitária. Era como um confinamento permanente sem nenhuma saída”, escreve o músico, que encara um livro como uma espécie de alerta e de desabafo. Além da carreira musical e da amizade, os dois também partilharam a dependência química e o vício.

Minha Amy – A vida que partilhamos
De Tyler James. Agir, 336 páginas. R$ 69,90

Pioneira do feminismo

Simone de Beauvoir escreveu a própria biografia pelo menos três vezes. A lembrança de Huguette Bouchardeau no prefácio de Simone de Beauvoir – A biografia é importante para delinear que rumos a autora escolhe para contar a vida de uma das figuras mais importantes da filosofia europeia do século 20 e do feminismo moderno.
Em Memórias de uma moça bem comportada, a Força da idade e a Força das coisas, Simone convida o leitor a visitar sua própria vida a partir de perspectiva muito pessoal. “Para nós, o desafio consiste em delinear o retrato de um modelo que já teria esboçado no caderno traços indiscutíveis, de dar vida a um personagem que já se mostrou o melhor encenador de si mesmo”, constata Huguette, que então se arma de sua própria formação em filosofia para encarar a empreitada de perfilar a existencialista.
Formada em filosofia, matéria sobre a qual deu aulas no liceu e na universidade, ex-deputada, ex-ministra do meio ambiente de François Mitterrand e ex-candidata à presidência da França pelo Partido Socialista Unificado (PSU) em 1980, Huguette opta por uma biografia na qual foca a construção da trajetória de Simone de Beauvoir a partir de momentos decisivos. Não é uma biografia detalhada e sim uma espécie de ensaio que ajuda a compreender por que, após mais de sete décadas, a filósofa ainda é forte influência nos movimentos feministas contemporâneos.

Simone de Beauvoir – A biografia
De Huguette Bouchardeau. Tradução: Caio Liudvik. Nova Fronteira, 344 páginas. R$ 59,90