Depois de quase três anos de trabalho, alguns cancelamentos e inevitáveis mudanças de planos, a 34ª Bienal de São Paulo abre as portas neste sábado com a proposta de refletir sobre os limites da compreensão e o lugar da arte em tempos de exceção. O título de Faz escuro mas eu canto, verso de Thiago de Mello publicado em 1965, norteou o curador Jacopo Crivelli Visconti, os convidados Carla Zaccagnini, Francesco Stocchi e Ruth Estévez e o adjunto Paulo Miyada na seleção dos 91 artistas que participam da mostra.
Além das palavras do poeta amazonense, o pensamento do filósofo antilhano Edouard Glissant forneceu o conceito de opacidade que perpassa toda a exposição montada no Pavilhão da Bienal, em São Paulo. “Para o Glissant, o direito à opacidade é a ideia de que eu não preciso compreender totalmente o outro, ser capaz de decifrar os códigos de um diferente, não preciso eliminar a opacidade do diferente para reconhecer sua humanidade, seu direito pleno à existência”, explica Miyada.
Para Crivelli, uma das maiores marcas da Bienal de São Paulo é a diversidade do público. Pelo Pavilhão, passam desde pessoas acostumadas a frequentar exposições de arte até visitantes que nunca pisaram em uma galeria. O curador queria que o conjunto de obras selecionadas e a concepção da apresentação fossem acessíveis a todos. “A Bienal de São Paulo é única no panorama artístico latino-americano e até mundial, não tanto pela escala da exposição ou importância artística, mas pela diversidade de público que ela consegue tocar”, explica o curador. “A gente começou a construção da Bienal a partir de uma metodologia, e não de um tema, e ela visava criar uma relação muito próxima com esses públicos diferentes e mostrar como a bienal ia se construindo no tempo.”
Uma das estratégias para ampliar o alcance foi programar uma série de exposições que funcionariam como extensões da Bienal no tempo e no espaço, em momentos anteriores e posteriores e em diferentes instituições. No entanto, a pandemia afetou os planos e nem todos os projetos foram realizados. Em novembro de 2020, a mostra Vento funcionou como uma prévia. Agora, concomitante à abertura no Pavilhão do Ibirapuera, entram também em cartaz 16 exposições de 20 artistas no que os curadores chamam de rede de instituições parceiras da Bienal. Nesse percurso, há desde arte contemporânea indígena até uma homenagem a Carolina Maria de Jesus.
Reflexões
Como uma espécie de norte para o público, os curadores elaboraram 14 enunciados que servem de introdução às obras. Dessa vez, grandes textos na parede foram substituídos por essas indicações, que podem ser reflexões escritas, mas também objetos que façam referência a situações históricas do passado ou do presente.
Assim, uma escultura de um deus asteca nos lembra de que há uma história anterior à colonização e objetos recuperados do incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro remetem ao lugar da cultura nas esferas públicas nos tempos atuais. Uma foto do abolicionista Frederick Douglas e um bordado feito na prisão por João Cândido, o almirante negro líder da Revolta da Chibata, sugerem uma reflexão sobre um passado violento e recente, assim como uma fotografia de Carolina Maria de Jesus.
Em um dos pontos chaves da Bienal está o único sino de Ouro Preto a tocar quando Tiradentes foi executado. “Os trabalhos são agrupados para introduzir um enunciado, que não é teórico nem explica a relação entre os trabalhos, mas para diversificar os significados. Situações que ressoam no nosso presente, ressoando como estamos vivendo em um loop histórico ”, explica Ruth Estévez.
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