Na reta final de exibições de filmes nacionais no 49º Festival de Cinema de Gramado (transmitido pelo Canal Brasil, às 21h30), a dupla de veteranos Renata Pinheiro e Aly Muritiba traz os longas Carro rei e Jesus Kid, respectivamente. Espécie de pioneira, com arriscado filme no qual um carro fala, Renata aposta na tradição de arte latino-americana e no realismo fantástico, dotado de fantasia, para o longa que já coletou elogios dada a originalidade e ousadia do roteiro, coescrito por Sergio Oliveira e Leo Pyrata. Matheus Nachtergaele e Luciano Pedro Jr estrelam o longa, já apresentado no Festival de Roterdã (Holanda).
“De certa forma, o carro (do filme) querer manipular os homens e ter um projeto de poder é quase nada, se comparado ao que temos vivido; aliás, traz uma metáfora aos últimos anos, em que brasileiros têm sofrido, com falsas ideias de prosperidade, ideologias apoiadas em tortura e totalitarismo”, avalia a diretora. No filme, um ferro-velho abriga o lunático Zé Macaco (Nachtergaele), tio de Uno da Silva, o rapaz com o dom de entender profundamente os carros.
Assumindo influências muito pop e entregue ao cinema de entretenimento, Renata Pinheiro alinha a contemporaneidade de Carro rei ao filme que ganhou a Palma de Ouro em Cannes (Titane), dirigido por Julia Ducournau, em que uma mulher se relaciona com um carro (de modo íntimo), além de pontuar afinidades com a manifestação da queima da estátua de Borba Gato (em São Paulo).
“Não é fácil ser pioneira. Acho que o brasileiro é muito tradicional, gosta do que já conhece. É importante haver aberturas, em lugares fechados que estão mudando, como Cannes, que se abriu para um filme mais livre (Titane), e me ajuda também, no caso do Carro rei, visto sem grandes bloqueios”, opina Renata Pinheiro.
Formada em artes plásticas, a artista visual pernambucana conta que Carro rei teve filmagens em Caruaru (PE), a cidade do poeta e escultor Mestre Galdino, influente no filme. “Ele criou um bestiário de seres que eram híbridos entre homem e animais. Para cada escultura, Galdino elaborou uma poesia, contando a história daquele animal-homem”, sintetiza a também autora do longa Amor, plástico e barulho (2013), que ganhou três troféus Candango no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
Western cômico
Adaptado de livro de Lourenço Mutarelli, Jesus Kid (atração de amanhã) lembra algo do mundo pandêmico, com um escritor que se vê confinado, em isolamento de hotel, durante o processo criativo. “Mas ele encontra muita gente e ele trava os mais diversos contatos , inclusive físicos, com alguns”, adianta o cineasta Aly Muritiba. Inquietude e busca por novos territórios moveram o diretor que traz produção paranaense. “É uma comédia que brinca com os gêneros cinematográficos, inclusive o western. Brinca com suspense e aventura. É bem diferente dos meus outros filmes, essencialmente, dramas sociais”, arremata.