O legado de um dos nomes mais expressivos da música popular brasileira contemporânea, o cantor e compositor carioca Luiz Melodia, morto em 4 de agosto de 2017, é o tema do documentário dirigido por Marco Abujamra, que depois de ser apresentado em alguns festivais, inclusive fora do Brasil, pode ser apreciado agora no Canal Curta.
Intitulado Todas as melodias, o filme dirigido por Marco Abujamra e produzido pela Dona Rose Filmes, que celebra os 70 anos do artista, mostra a trajetória de Melodia no meio de um rico acervo que inclui momentos do seu cotidiano e de suas performances musicais, além de entrevistas com pessoas que conviveram com ele — algumas gravadas exclusivamente para este projeto.
A narrativa foi conduzida pela viúva Jane Reis, com quem o cantor foi casado por 40 anos. Por meio desse olhar íntimo e afetivo, o público pode conhecer a história do artista negro e pobre, nascido no morro de São Carlos, no centro do Rio de Janeiro, que enfrentou diversos percalços — devido à cor e a origem —, mesmo após o reconhecimento artístico.
“Sempre ouvi muito o Melodia, desde a adolescência. De certa forma foi a admiração pela sua obra que originou esse filme. Mas a experiência desse mergulho, contextualizando as músicas e épocas em que foram feitas, trouxe também uma perspectiva histórica bem interessante. Reconectou-me também com meu próprio passado de compositor”, destaca Abujamra.
Produzido pela Dona Rose Filmes e viabilizado pelo Canal Curta, por meio do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), Todas as melodias contam com a participação de artistas que o conheceram de perto e que se tornaram grandes admiradores do homenageado, que deram depoimentos ou são vistos em shows — entre eles Jards Macalé, Waly Salomão (já falecido), Gal Costa, Zezé Motta, Arnaldo Antunes, Céu e Leniker.
Mariana Marinho, da Dona Rose, conta que o documentário foi produzido em 2019 e filmado em em 2020. “A participação de Jane Reis foi fundamental para a realização. O filme já foi exibido em alguns festivais e mostras, entre os quais o de Paris, São Paulo, Tiradentes (MG); e obteve ótima acolhida por parte da crítica”.
Elegância poética
Melodia teve a obra conhecida por meio de músicas — samba, blues, rocks soul — que se caracterizam pela elegância poética. Foi a partir de 1971, após Gal Costa gravar a canção Pérola negra, que Melodia passou a ter o trabalho valorizado. Carismático, de personalidade marcante, deixou sua voz registrada em 16 discos, dos quais saíram incontáveis sucessos.
Até os 20 anos, a popularidade de Luiz Carlos dos Santos (nome registrado em cartório), não ia além do bairro do Estácio, na região central do Rio de Janeiro. Tudo mudou na vida do filho do sambista Haroldo Melodia, quando em 1971, ao subirem ao morro de São Carlos, o poeta Waly Salomão e o artista plástico Hélio Oiticica conheceram o talento daquele jovem compositor e o apresentaram a Gal Costa, quase à véspera da estreia do show Fa-Tal, considerado um marco na carreira da cantora baiana, musa do Tropicalismo.
Waly, que dirigia o espetáculo, no Teatro Teresa Raquel, em Copacabana, incluiu Pérola Negra, no repertório, lado a lado com clássicos da obra de Luiz Gonzaga e Ismael Silva e de novas canções de Caetano Veloso, Roberto Carlos e Erasmo Carlos, além de uma dele, em parceria com Jards Macalé. A composição inédita transformou-se em sucesso imediato.
Surgia ali uma das grandes revelações da MPB naquele período. Em 1973, Melodia daria início a carreira musical como cantor ao lançar LP Pérola negra, e a partir do qual construiu uma sólida e relevante trajetória na MPB, compondo samba, rock, blues e soul e emplacando incontáveis sucessos, como por exemplo, Dores de amores, Estácio Holly Estácio, Fadas, Juventude transviada e Magrelinha, além, obviamente, da clássica Pérola negra.
De sua discografia constam 16 títulos — o último álbum, Zerrima, é de 2014. O artista carioca fez várias apresentações na Europa, tendo participado inclusive do lendário Festival de de Montreux, na Suíça. Em Brasília, Melodia fez vários shows, sendo o primeiro, em 1977, no Teatro da Escola Parque, ao lado de Zezé Motta e Marina Lima. O último foi na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional.
Zezé foi quem mais gravou músicas do compositor, a quem prestou tributo com o álbum Negra Melodia, em 2018. No mesmo ano, ele foi o grande homenageado na 29ª edição do Prêmio da Música Brasileira, realizado no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, quando suas músicas foram ouvidas na voz de vários intérpretes.
Todas as melodias
Documentário sobre Luis Melodia, dirigido por Marco Abujamra. Disponível no Canal Curta
» Entrevista// Jane Reis
O que a levou a se aproximar dele e depois se tornarem marido e mulher?
Nos aproximamos naturalmente em uma festa na minha casa, em Salvador, bairro da Boca do Rio, em 7 de março de 1977. E, naturalmente, continuamos apaixonados.
Na longa relação afetiva de 40 anos, o que mais destaca?
Amor.
Se houve perrengues, como conseguiu contorná-los?
Duas pessoas que se amam, juntas conseguem qualquer coisa, inclusive ganhar dinheiro.
Por qual das facetas dele tinha mais admiração?
Honestidade.
Entre tantas belas canções de Melodia, qual é a sua preferida e porquê?
Sigo e vou, porque é ele falando a respeito de si mesmo.
Alguma foi mais marcante e porquê?
Fadas, pois descobri que estava grávida no dia da gravação.
Que sentimento norteou sua atuação no documentário como narradora?
Revisitar uma história com uma saudade imensa e a certeza de que estive onde queria e devia estar, junto com ele.
Qual sua avaliação do filme e da direção do Marco Abujamra?
Agradeço ao Marco, a Mariana e todos que participaram da realização desse filme delicado e poético.