Ipanema revista e ampliada

Ruy Castro acrescentou verbetes, muitas páginas e um caderno de fotos à nova edição de Ela é carioca, verdadeira enciclopédia do bairro mais famoso da capital fluminense

Os tempos de reclusão provocados pelo novo coronavírus tiraram Ruy Castro, 73 anos, das ruas do Rio de Janeiro. Impedido de circular e parte do grupo de risco, um dos mais importantes biógrafos da capital fluminense se debruçou, então, sobre a confecção de alguns projetos. “A pandemia me roubou o Rio, mas aproveitei o tempo para trabalhar em cinco livros ao mesmo tempo”, avisa.

O primeiro acaba de ganhar nova edição, mas não chega a ser uma novidade para quem acompanha o trabalho do escritor. Ela é carioca nunca saiu de catálogo desde que foi publicado, em 1999, mas, agora, está de volta com nova roupagem e uma revisão que acrescentou à enciclopédia de Ipanema um total de 110 páginas. O segundo livro sai este ano. Com 500 páginas, As vozes da metrópole —Uma antologia do Rio dos anos 20 reúne frases, reportagens, crônicas, poemas e polêmicas dos autores e jornalistas personagens de Metrópole à beira-mar — O Rio moderno dos anos 20, publicado no fim de 2019. “Acho que as pessoas vão levar um choque com a modernidade daquela turma”, acredita o autor, que também finaliza a ficção Os perigos do Imperador — Um romance do Segundo Reinado e trabalha em um livro sobre biografias. Os dois estão programados para 2022. O quinto projeto é segredo.

Em Ela é carioca, o autor reúne, em forma de verbetes, um compilado de personagens, locais e eventos que marcaram o bairro de Ipanema durante a primeira metade do século 20. Castro para em 1970. Revisto e ampliado, o livro ganhou novo projeto gráfico, 32 páginas de cadernos de imagens e mais de 200 atualizações, incluindo seis novos verbetes dedicados ao fotógrafo Alair Gomes, ao chansonnier francês Jean Sablon, à cantora Joyce Moreno, às musas Lygia Marina e Silvia Sangirardi e à histórica Toca do Vinicius. “A edição original nunca saiu de catálogo. Mas, nesse tempo, muitos personagens morreram, e descobri muita coisa nova sobre quase todos eles. Estava na hora de atualizar”, garante Ruy Castro. “Ampliei a bibliografia, que ficou, modéstia à parte, incrível e acrescentei verbetes de pessoas que deveriam ter entrado desde a primeira vez. É, sem dúvida, um novo livro. E muito melhor.”

 

Ela é carioca
De Ruy Castro. Companhia das Letras, 556 páginas. R$ 114,90

 

 

 

 

Quatro perguntas / Ruy Castro

“Ipanema mudou o jeito de o brasileiro escrever, falar, vestir-se (ou despir-se) e, talvez, até de pensar.” E hoje? Ainda há vanguarda em Ipanema? Ainda há vanguarda no Brasil?
Tudo isso que falei continua valendo: Ipanema mudou tudo entre 1920 e 1970. O que aconteceu de lá para cá não faz parte do livro. Se os estudiosos se debruçarem sobre ele e compararem tudo aquilo com o panorama atual, vão ter muita coisa para discutir…


Quando você olha para esse elenco de Ela é carioca — para todos esses personagens que permitiram que o Brasil fosse um lugar tão luminoso culturalmente entre 1920 e 1970 — e quando olha para os dias de hoje, sente nostalgia? O Brasil conservador, negacionista e perverso enterrou esse espírito?
Ela é carioca foi escrito para registrar um momento importante e, por incrível que pareça, pouco conhecido da cultura brasileira. Se, ao ler o livro, alguém olhar para trás e sentir saudade, não posso fazer nada. Mas, para mim, ele é uma ferramenta da cultura, não da nostalgia. Antes dele, ninguém tinha atentado para o significado de tanta gente criativa, independente, rebelde e até suicida vivendo e trabalhando junta no mesmo espaço e por tanto tempo. Acho que essa é a contribuição, não a de provocar suspiros. Eu próprio vivi a última fase daquela época de Ipanema, a partir de meados dos anos 1960, conheci quase todo mundo, convivi com a maioria e até namorei algumas das moças. E não preciso ter saudade. Saudade só se tem daquilo que não se viveu. O difícil, realmente, vai ser, no futuro, sentir saudade de hoje.


Uma das marcas desses personagens do livro é a multidisciplinaridade: eles faziam de tudo. Perdemos isso? O Brasil ainda tem espaço para o surgimento de uma cena tão fértil?
Hoje, sinceramente, não sei, estou por fora. Na Ipanema de Ela é carioca, muitas pessoas faziam muita coisa ao mesmo tempo, porque tinham talento para isso. Mas já era difícil, naquele tempo, fazer tudo que se podia.O mercado no Brasil era muito mais acanhado que o de hoje.


Que Brasil você enxerga para o futuro?
O Brasil será o que fizermos dele. Neste momento, compete a nós resistir e lutar. Um dia, será o tempo da reconstrução.