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Biografias de personalidades brasileiras levam a mergulho na história do país

Vidas de Lina Bo Bardi, Alberto da Veiga Guignard e Euclides da Cunha conduzem leitor a um panorama de diferentes momentos da história do Brasil

Nahima Maciel
postado em 28/08/2021 06:00 / atualizado em 28/08/2021 16:56
Lina Bo Bardi: experimentalismo e interação com a cultura brasileira -  (crédito: Arquivo Pessoal)
Lina Bo Bardi: experimentalismo e interação com a cultura brasileira - (crédito: Arquivo Pessoal)

Biografias são excelentes maneiras de se conhecer um personagem, mas também de mergulhar em recortes variados da história de um país. Quatro biografias que chegaram recentemente às livrarias brasileiras oferecem leituras variadas para momentos emblemáticos da história do Brasil perpassados por personagens que deixaram marcas importantes. Lina Bo Bardi, Alberto da Veiga Guignard e Euclides da Cunha são boas razões para deixar a ficção um pouco de lado e se embrenhar num Brasil que já foi vanguarda.

Ilustre desconhecido

O pintor Alberto da Veiga Guignard é um caso curioso de ilustre desconhecido na história da arte brasileira. Nascido em Nova Friburgo, (Rio de Janeiro), em 1896, passou boa parte da vida na Europa antes de se radicar em Minas Gerais. Pintou muito, virou nome fundamental da arte moderna, mas seus quadros estão ausentes das grandes coleções públicas. Intrigado com esse personagem, o jornalista Marcelo Bortoloti fez uma pesquisa que envolveu arquivos públicos e privados no Brasil e no exterior, viagens a mais de 12 cidades europeias e muitas entrevistas para chegar a Guignard - Anjo mutilado, uma biografia detalhada sobre o pintor.
É com uma cena peculiar que Bortoloti dá início à narrativa, um episódio ocorrido quando o pintor tinha 65 anos, mas capaz de dar muitas pistas sobre quem era a figura chamada por Carlos Drummond de Andrade de “Anjo mutilado” por conta do lábio leporino. Indignado com boatos de abuso e exploração veiculados em jornal de Belo Horizonte, o médico Santiago Americano Freire colocou Guignard em seu Olds Mobile e rumou para a casa da escritora Lucia Machado de Almeida. Enquanto acusava a mulher e o marido de espalharem o boato, também avisava que o pintor ficaria ali. Guignard era hóspede do médico havia cinco anos. Fora acolhido em seu sobrado e encontrara em Americano um protetor que gerenciava sua carreira e saúde.

Diabético e debilitado, frágil e incapaz de negociar os próprios quadros, Guignard morou de favor em várias casas da elite mineira, que o acolhiam e propiciavam condições de trabalho, mas que também ficavam com alguns quadros em troca. Um pouco por isso, as obras do pintor acabaram desconhecidas do público: mais da metade está em coleções privadas. A cena inicial descrita por Bortoloti é um ponto de partida para o início e o fim da vida de Guignard. “Eu sou jornalista também e sempre tive atração pela história do Guignard: é uma vida trágica, dramática, e foi através da vida dele que me aproximei mais da obra”, conta Bortoloti.

A pesquisa em arquivos públicos levou o biógrafo a se deparar com informações que permitiram um nível de detalhe remarcável para a vida de um personagem em torno do qual pairavam muitas incertezas. “Percebi que não havia uma publicação que fugisse dos depoimentos dele, que se pautasse só por aquilo que ele falou”, diz. “A maior parte dos livros publicados tinha essa fonte quase única de referência, com depoimentos dele ou de amigos. E os depoimentos dele nem sempre eram muito confiáveis, existem muitas versões diferentes das mesmas histórias. Achei que havia essa lacuna e tentei preenchê-la.”

Dama da arquitetura

Francesco Perrotta-Bosch começou a estudar Lina Bo Bardi ainda na graduação. Fascinado pela arquiteta italiana criadora do Masp e do Sesc Pompeia, o também arquiteto passou a escrever sobre a arquiteta em ensaios para revistas. Daí para Lina — Uma biografia, foi uma questão de tempo e aprofundamento da pesquisa. Com quase 500 páginas, o livro de Perrotta traz algumas excentricidades para um trabalho biográfico.

O autor optou por estrutura não linear nem cronológica. Como projetos arquitetônicos se estendem no tempo e levam anos para serem concluídos, acabam por sofrer atravessamentos ao longo de sua execução. Perrotta quis dar ao texto essa mesma configuração. Assim, os capítulos são intitulados por datas e algumas referências ao tema tratado, o que leva o leitor, por exemplo, a se deparar com a saga da construção do Sesc Pompeia antes mesmo de descobrir como se deu o projeto do Masp na Av.Paulista.

O autor oferece duas explicações para a opção não cronológica. “Uma é uma espécie de salvo conduto que a própria Lina dá ou, digamos, que ela sugere”, avisa. Em uma frase tão repetida que se tornou um bordão, a arquiteta defendia: “(...) o tempo linear é uma invenção do Ocidente, o tempo não é linear, é um maravilhoso emaranhado onde, a qualquer instante, podem ser escolhidos pontos e inventadas soluções, sem começo nem fim”. “Essa foi uma sugestão, mas, depois que reuni muito material, também comecei a perceber como diversos eventos que são muito distantes temporalmente têm proximidade”, explica o autor.

A mescla da personagem Lina com a análise teórica de suas obras e a inserção do momento político brasileiro trazem um contexto histórico para a biografia, que chega às livrarias no mesmo momento da reedição de Lina Bo Bardi – O que eu queria era ter história, do arquiteto Zeuler R. Lima, professor da Universidade de Washington.

Tragédia e história

Não é a análise textual, e sim o enfoque histórico-biográfico que sobressai em Euclides da Cunha – Uma biografia, do diplomata Luís Cláudio Villafañe G. Santos. Há uma quantidade robusta de publicações que se debruçam sobre a análise dos escritos produzidos pelo autor de Os sertões, assim como há algumas biografias, avisa Santos. Ele escolheu se voltar para a história e os detalhes que pautam a vida de Euclides, dos mais conhecidos, como a morte trágica do escritor, baleado pelo amante da mulher, aos menos evidentes da carreira como escritor. É, sobretudo, a história do Brasil que aparece de mãos dadas com a trajetória de Euclides da Cunha nessa biografia, um encontro natural para o gênero, como constata o autor no prefácio do livro: “Discutir o percurso de uma vida pode servir como extraordinário ponto de partida para examinar o passado e melhorar a compreensão do presente”.

Guignard: Anjo mutilado
De Marcelo Bortoloti. Companhia das Letras, 470 páginas. R$ 87,92

Lina – Uma biografia
De Francesco Perrotta-Bosch. Todavia, 574 páginas.R$ 89,90

Lina Bo Bardi – O que eu queria era ter história
De Zeuler R. Lima, 456 páginas. Companhia das Letras, R$ 71,92

Euclides da Cunha – Uma biografia
De Luís Cláudio Villafañe G. Santos. Todavia, 430 páginas. R$ 89.90

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