Música

Disco relembra grandes compositores de 150 anos de chorinho

Álbum idealizado por Carlos Alberto Sion, com produção de Henrique Cazes, celebra a passagem dos 150 anos do chorinho, o primeiro gênero urbano singularmente brasileiro

Irlam Rocha Lima
postado em 22/08/2021 08:28 / atualizado em 22/08/2021 08:28
 (crédito: Walter Firm/Acervo/pixinguinha)
(crédito: Walter Firm/Acervo/pixinguinha)

Historicamente, foi da fusão de ritmos importados da Europa, como a valsa e a polca, com o lundu, de inspiração africana, que nasceu o choro, primeira música urbana tipicamente brasileira, e, consequentemente, a gênese da MPB. Ao surgir na metade do século 19, com a incorporação de um sotaque sentimental, foi ouvido, inicialmente, nos salões do Império, na interpretação da pianista e compositora Chiquinha Gonzaga. Mas coube ao gênio Pixinguinha, na década de 1910, dar forma a esse estilo musical.

Um resumo da trajetória dessa importante expressão artística brasileira, pode ser apreciada no recém-lançado álbum Choro 150 anos — Uma música viva, idealizado pelo diretor musical Carlos Alberto Sion, com produção do cavaquinista, compositor e pesquisador Henrique Cazes. O chorinho, como o gênero é também chamado, não parou de se diversificar, ao assimilar influências da música de concerto e do jazz, influenciando compositores da importância de Heitor Villa-Lobos e Tom Jobim.

Em pouco tempo, esse jeito de tocar se espalhou por meio das rodas de choro, prática musical que une memorização e improviso; e foi aproveitado por compositores de talento, responsáveis pela criação do repertório. Parte desse acervo, disposto numa linha do tempo, está reunido no repertório do CD comemorativo, que traz 17 composições. A abertura é com o clássico Noites cariocas, de Jacob do Bandolim. As faixas de dois a cinco mostram o trabalho dos inventores do choro, que estabeleceram um alto padrão de elaboração: Ernesto Nazareth (Fon Fon e Matuto), Chiquinha Gonzaga (Atraente), e João Pernambuco (Graúna).

As faixas de 6 a 9 mostram o talento de Pixinguinha (Sofres porque queres, Desprezado e Lamentos), Bonfiglio De Oliveira (O bom filho à casa torna). A partir da faixa 10 aparecem os modernizadores da era do rádio, que fizeram experiências com a assimilação de elementos da música de concerto, Radamés Gnattali (Valsa triste), Garoto (Quanto dói uma saudade), Jacob do Bandolim (Vibrações), Severino Araújo (Chorinho por você), K-Ximbinho (Ternura). As faixas funais ilustram desde a retomada do choro na década e 1970, com o surgimento da geração de grandes intérpretes, representados por Paulo Moura (Tarde de chuva), Waldir Azevedo (Vê se gostas), e Rogério Caetano e Eduardo Neves (Chorinho em Cochabamba).

Violonista e compositor goiano, que iniciou sua trajetória artística em Brasília, a partir do Clube do Choro, além de marcar presença no repertório, com uma parceria com o instrumentista carioca Eduardo Neves, participou da gravação de cinco faixas, destaca a importância de participar dessa coletânea histórica, “Para mim, é um privilégio estar ao lado de vários compositores que sempre tive como mestres; e de músicos de grande talento”. Ele acrescenta: “Chorinho em Cochabamba é uma das músicas mais tocadas em rodas de choro no Brasil e no exterior”.

Entre os intérpretes das 17 faixas do 150 Anos do Choro estão instrumentistas talentosos de diferentes gerações, entre os quais Ronaldo do Bandolim, Henrique Cazes (cavaquinho),Yamandu Costa (violão 7 cordas), Zé Paulo Becker (violão), Guto Wirti (contrabaixo), Beto Cazes (percussão), Maria Teresa Madeira (piano), Daniela Spielman (sax) e Andréa Ernest Dias (flauta). A diversidade de instrumentações se soma à de abordagens interpretativas, que podem sugerir desde o ambiente de concerto até a informalidade da roda de choro.

 

  • 150 Anos do Choro - Álbum com 17 faixas e participação de diversos instrumentistas. Lançamento da Sony Music nas plataformas digitais.

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» Entrevista// Henrique Cazes

Qual a importância do lançamento de 150 Anos de Choro —Música Viva?
Penso que seja importante marcarmos a data de 150 Anos - que leva em conta um consenso entre pesquisadores e historiadores, segundo o qual a música dos chorões existiu a partir da década de 1870 - pois o Choro permanece em viva transformação: resgatando instrumentos do passado como oficleide, consagrando novos clássicos como o Chorinho em Cochabamba, se espalhando pelo mundo e até caminhando para ser reconhecido como patrimônio da humanidade da Unesco.

O choro pode ser visto como a gênese da música popular brasileira?
Sim. Logo que surgiu na década de 19870 (daí os 150 anos agora) o choro foi percebido como uma síntese dos elementos de base de nossa musicalidade. Não por acaso foi matéria-prima essencial para Villa-Lobos, celeiro de mão de obra musical para o samba e laboratório de modernização harmônica de nossa música popular, bem antes da bossa nova.

Como avalia a atuação de Chiquinha Gonzaga e Joaquim Callado para a criação do choro, enquanto gênero musical?
Chiquinha e Callado foram pioneiros importantes tanto pela qualidade de suas criações como pela atuação que abriu portas para a música dos chorões. Chiquinha expandiu o choro no campo do teatro de variedades, e Callado, no ambiente acadêmico.

Pixinguinha deve ser visto como o principal responsável pela popularização do choro?
Sim e por várias razões. Ele foi um intérprete de grande comunicação e virtuosismo, o perfeito equilíbrio entre elaboração e balanço. Como compositor deu forma ao choro como gênero musical e foi autor de uma obra imensa e de altíssima qualidade. Como arranjador, abriu caminhos profissionais para a atuação de seus colegas chorões em gravações e emissoras de rádio. Enfim, contribuiu em todos os campos artísticos e profissionais.

Que contribuição Ernesto Nazareth, Radamés Gnattali e Garoto deram para a modernização do gênero?
Radamés e Garoto colocaram o choro em diálogo com o jazz e a música de concerto. O processo de Nazareth foi similar décadas antes, amalgamando o pianismo europeu com os elementos rítmicos da música dos chorões. A alta qualidade das composições dos três fizeram a diferença.

Qual foi o critério para a escolha repertório e dos intérpretes das músicas selecionadas?
Para compor o elenco de intérpretes eu procurei unir o “chorão raiz” como Ronaldo do Bandolim ou Silvério Pontes, com artistas que dialogam com a música de concerto (Maria Teresa Madeira, Andrea Ernest Dias) e com o jazz (Leo Gandelman). E que fossem de diferentes gerações para garantir diversidade na abordagem interpretativa.

Rogério Caetano, que iniciou a carreira em Brasília e é autor de um dos choros selecionados. Conhece bem o trabalho dele?
Conheci o Rogério Caetano quando, duas vezes por ano, ele vinha ao Rio para ter aulas de cavaquinho comigo. Somos mais que amigos, na música e na vida. E tenho muito alegria ao ver o quanto ele tem mostrado de originalidade em seu violão de sete cordas de aço e também como compositor, um estilista, um craque. Temos muitos projetos para o centenário de Waldir Azevedo em 2023

Depoimento/Carlos Alberto Sion

Jazz brasileiro

Com a digitalização de grande parte dos acervos das empresas da indústria fonográfica e também com lançamentos há alguns anos de selos independentes, surgiu um enorme interesse pela extensa obra e gravações de mestres compositores e intérpretes deste importante gênero/estilo da música brasileira.

Obras importantes desde do início das gravações/registros nos discos de 78 rpm, até os vinis do passado (que voltaram recentemente) despertaram a curiosidade e admiração das novas gerações de músicos e artistas da música instrumental no Brasil e também no exterior com novos fãs e aficionados no mundo todo.

Hoje com Facebook, sites , redes sociais, e centenas de rádios no Brasil transmitindo programas dedicados ao choro, podemos sentir um interesse crescente que nos levou a produzir este álbum Choro 150 anos com músicas de diversos estilos, a partir de pesquisas e registros de músicas desde o século 19 ao século 21, que nos proporcionaram esta releitura de autores dos mais diversos estilos do gênero.

Fãs como o jazzista Wynton Marsalis , craques como Hermeto Pascoal , Egberto Gismonti, e também alguns de nossos grandes nomes da MPB como Paulinho da Viola, Antonio Carlos Jobim, Chico Buarque entre outros mestres, todos fãs declarados deste estilo de música do Brasil.

O projeto e ideia deste álbum/disco foi levar a um publico maior um repertório abrangente que permite ao fãs rever e conhecer obras de Ernesto Nazareth, Rogério Caetano da nova geração de instrumentistas e compositores do choro.

Alguns dizem que o choro e o jazz brasileiro, mas, sem dúvida, é um grande estilo musical na arte do improviso e de socialização das rodas de choro que levam centenas de pessoas aos bares, teatros e às praças pelo país todo.