Drama está ligado a encenação. Nos teatros em que há a mimese, o texto dramático, as máscaras. A partir da reflexão desse conceito, Rodrigo Amarante compôs e pensou seu novo álbum, que leva o nome exatamente de Drama. Este é o segundo álbum solo do músico na carreira, conhecido também por ser guitarrista e vocalista da banda Los Hermanos. Um novo trabalho que apresenta ao público um espetáculo próprio e único do artista.
“O disco tem mais relação com o entendimento de que nossas vozes são um eco das vozes que nos trouxeram, nossos pais, ou quem tivesse em volta. Aqueles que a gente aprendeu a imitar para falar, para gesticular e depois mais tarde para virar adulto”, reflete Rodrigo Amarante, sobre o processo que culminou no álbum. Ele destaca que, apesar de Drama também ter o lado do exagero, a intenção do disco é realmente relacionada ao teatral, ao cênico. “Abraçar essas vozes, colocar essas máscaras e agarrar a emoção que eu estou sendo impelido a escrever e arranjar músicas sobre”, explica.
Amarante afirma que o espírito do disco está em se investigar internamente, fazer algo que tenha relação com o que o toca e move. “Em vez de fingir que eu estou inventando, buscando uma coisa, pura, única e tal, eu faço um exercício de deixar vir os fantasmas, de não esconder mais as máscaras, vesti-las, rir e aproveitar a música que há dentro delas”, explica ao Correio. O compositor afirma que o trajeto não é necessariamente fácil.
“A gente vai entrar em contato com coisas que às vezes são dolorosas, mas que, pelo menos falando por mim mesmo, é preciso transcender”, acrescenta. “Subir num pódio e falar que ‘tudo aquilo que eu não quero ser, e eu não sou’, é muito menos útil do que perceber o quanto eu ainda sou do que eu não quero ser”, completa.
“Eu não estou aqui para criar moda”, conta o artista sobre o novo trabalho. Para Rodrigo, todo trabalho, dele e de qualquer artista, passa por referências individuais. “Uma coisa me ocorreu fazendo esse disco: o mito do compositor que inventa, compositor-inventor, criador da nova onda ou moda, com a busca de uma voz genuína e pura, tudo isso tem um pouco de narcisismo e de inocência. Porque parece querer fingir que nós não somos as nossas referências”, analisa.
Pandemia
O artista trabalha nas composições e nos arranjos de Drama desde o fim da última turnê solo que fez em 2018. No entanto, no meio do trajeto teve que mudar a forma como trabalhava devido à pandemia. “Eu queria fazer o disco inteiro com uma banda, a gente tocando ao vivo em uma sala, sem computador até, na fita. Queria vazamento entre os instrumentos, algo que não tivesse nem como editar muito”, lembra. Sem contar com o fato de que tinha de lidar com uma situação desconhecida. “Tem um lado de insegurança enorme. Algo como: ‘Estou aqui fazendo um disco que eu não sei quando vou tocar’”, reflete.
O cantor, que reside em Los Angeles atualmente, estava no meio desse processo de gravação quando tudo teve de ser fechado. Portanto, o fez da forma que era possível, com gravações a distância e menos com o caráter de apresentação ao vivo. Contudo, a parte gravada pré-pandemia ainda foi utilizada. “Esse espírito está no disco, pelo menos em uma parte dele”, comenta. Ainda há o outro lado da moeda: sozinho em casa, Rodrigo teve a chance de tentar algo diferente da ideia original. “Com o atraso, tive tempo de experimentar, escrever as cordas e fazer várias outras coisas que acabaram entrando no disco”, adiciona.
Prejuízo
“Falar do Brasil é falar em uma coisa impensável, que eu nunca imaginei que a gente fosse viver”, pontua o músico, que, mesmo morando fora do país, tem severas críticas à atual situação que a nação se encontra. “Apenas com o descrédito sistemático da razão, que é possível aceitar a situação que estamos vivendo. É muito triste e o prejuízo vai durar muito”, complementa o músico.
Rodrigo atribui grande parte do problema ao atual governo do presidente Jair Bolsonaro. “Estamos sendo jogados uns contra os outros, então cair na vulgaridade é tentador, dá mesmo vontade xingar muito, mas isso não leva a nada”, destaca Amarante. “A gente tem que entender que, mesmo aqueles que são a favor do que está acontecendo no Brasil, são nossos irmãos também, brasileiros da mesma forma, porém vítimas desse contexto de desinformação. Vilificar e demonizar o outro nunca trouxe coisa boa. É preciso ser firme, mas sem aceitar o convite da estupidez”, acrescenta.
Contudo, para o músico, dias melhores virão, dias de menos “dramas do exagero”, como ele próprio comentou no conceito do álbum. “Como as conquistas são coisas que não são dadas, a gente tem que usar a esperança como combustível da ação”, reflete o músico. “A gente não pode desacreditar e dizer ‘que se dane, deixe tudo explodir’, porque isso vai machucar ainda mais o Brasil e o brasileiro”, ressalta. “A gente sabe que os nossos direitos, nossas conquistas não são presentes que a gente ganha no Natal. A gente tem que batalhar por eles e sempre teve”, finaliza.
Drama
Rodrigo Amarante. Polyvinyl
Record Co. 11 faixas. Disponível nas principais plataformas de streaming
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira
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