Um manifesto, uma minissérie, uma HQ e uma série de ações que têm como objetivo promover os nomes de Marielle Franco —vereadora do Rio de Janeiro e militante das causas das mulheres periféricas, assinada em 2018— e de Lélia Gonzalez — intelectual e referência nos estudos da cultura negra brasileira — marcam as celebrações do Julho das Pretas e do Dia da Mulher Negra, Latina e Caribenha.
O Projeto Lélia Gonzalez Vive, em parceria com A Tenda das Candidatas, Mulheres Negras Decidem, Instituto Afrolatinas e Movimento Negro Unificado, lança o Amefricanifesto, um texto escrito coletivamente para chamar a atenção para a presença e inserção das mulheres negras na sociedade. O texto será lançado amanhã, quando se comemora o Dia da Mulher Negra, Latina e Caribenha, e será lido por Ellen Oléria no Festival Latinidades, que acontece até domingo e pode ser acompanhado pelo canal do YouTube @Afrolatinas.
Também amanhã, o Projeto Lélia Gonzalez Vive promove uma ação de colagem de lambes com as artes criadas pelos artistas parceiros do projeto. “A ideia central é um manifesto artístico para recriar o nosso lugar, o lugar da mulher negra na sociedade, mostrar nossa importância, nossa força, mostrar que a gente existe. As mulheres negras são 28% da população brasileira, uma parte importante que tem pouca voz e lugar de poder”, explica Melina Lima, neta de Lélia Gonzalez.
O nome do manifesto é uma homenagem à tia de Melina. “Esse termo tem tudo a ver com o Dia da Mulher Negra, Latina e Caribenha, que é a ideia de a gente se entender e se enxergar como latina. No Brasil, temos dificuldade de nos enxergar assim. Queremos resgatar essa ideia de união de povo que passou pela mesma coisa, sofreu muito com o racismo e tem o lugar na história apagado”, diz. Escritora, filósofa e antropóloga, Lélia Gonzalez foi uma das vozes mais ativas e importantes do movimento negro brasileiro. Uma das fundadoras do Instituto de Pesquisa de Culturas Negras e do Movimento Negro Unificado, morta em 1994, Lélia foi ativista pioneira do movimento feminista negro e seus estudos e textos têm ganhado lugar de destaque na luta contra o racismo.
Exemplo
Marielle Franco completaria 42 anos no próximo dia 27 de julho. Para celebrar o nascimento da vereadora assassinada no Rio de Janeiro em março de 2018 e o Dia da Mulher Negra, Latina e Caribenha, o Instituto Marielle Franco lança uma minissérie, uma história em quadrinhos e o livro A radical imaginação política das mulheres negras brasileiras.
Dividida em três episódios e dirigida por Anielle Franco, a série Para onde vamos pode ser vista no Canal Brasil e na Globo Play. “É uma série inspirada em pesquisa que fizemos com 250 mulheres negras e ativistas para pensar uma saída da crise no cenário pandêmico”, conta Anielle, irmã de Marielle. É ela também quem organiza o livro A radical imaginação política das mulheres negras brasileiras e a HQ Marielle Franco Raízes, que conta a trajetória da vereadora.
Anielle explica que o objetivo das ações é chamar a atenção para o protagonismo das mulheres negras na sociedade. “Queremos mostrar que podemos ser protagonistas enquanto estivermos vivas, não precisamos esperar mais nenhuma mulher preta morrer ou ser assassinada para ser protagonista de sua própria história. A ideia é potencializar e inspirar outras mulheres pretas para que se sintam potentes e à frente de suas histórias”, diz.
Professora, jornalista e escritora, Anielle Franco fundou o Instituto Marielle Franco para atuar em áreas que lutam contra a violência contra mulheres negras e na criação de ações que potencializem o legado da irmã. Marielle foi a quinta mais votada nas eleições municipais de 2016. Elegeu-se vereadora pelo Rio de Janeiro pelo Psol depois de um vasto percurso como ativista. Entre suas bandeiras, estavam a luta contra a violência policial, a defesa das mulheres e a proteção dos direitos humanos, um combo que teria sido responsável por irritar os que planejaram sua morte.
A vereadora virou símbolo de luta pela justiça social depois de ser calada a bala. “A gente nunca esperava que a Mari fosse se tornar esse símbolo depois de um assassinato tão cruel. Óbvio que eu preferia mil vezes minha irmã aqui. Mas acredito que é um símbolo muito forte, que inspira outras mulheres e faz a gente entender essa democracia que vivemos neste país, faz a gente lutar para ter protagonismo, lutar em lugares primordiais”, acredita Anielle, que se preocupa com a banalização dessa simbologia.
Anielle teme que as pessoas desconheçam a história da irmã e consumam o símbolo em frases como “Marielle presente” ou em camisetas com o rosto da vereadora. “Quando a gente fala dessa banalização do nome da Mari, óbvio que não é para as pessoas que entendem o significado de falar ‘Marielle presente’. Acho que vai além de contar dias e estampar camiseta. A postura das pessoas tem que ser a busca da justiça legítima”, explica. “Muita gente coloca a camisa do Che ou do Martin Luther King e não sabe quem foi. Então, acho que rola uma banalização para ganhar curtidas e likes. Entendo que é importante citar o assasinato, era uma vereadora eleita, mas, ao mesmo tempo, banalizar o pedido de justiça, não concordo. Gosto quando a gente consegue falar o que ela fez e o que podemos fazer daqui pra frente.”