Foi a partir de uma espécie de quilombo urbano, "um local de resistência e resiliência de um
povo", que, na Vila Planalto, a cineasta Maria do Socorro Carneiro encontrou assunto para elaborar o documentário Delfini Brasília, olhar operário, que estreia hoje, em canal do YouTube.
Contar sobre a construção da cidade levou a diretora a perceber o potencial da voz entre
os integrantes da melhor idade. "Ouvi-los traz a valorização dos nossos ancestrais. O reconhecimento da riqueza das memórias e dos saberes na construção da história de um povo.
A diáspora dos pioneiros e pioneiras remetem à diáspora dos nossos ancestrais escravizados
no Brasil", opina a diretora.
Às 19h deste sábado (10/7), Maria do Socorro toma a frente de um debate sobre o filme. Aos 98 anos, o ex-operário João Batista Delfini, há mais de 64 anos morador da Vila Planalto, participa do curta-metragem destacando episódios da vila inicialmente erguida como acampamento de casas de madeira.
Além de contar da construção do sonho de JK, Delfini traz uma visão política sobre a violência
e a tortura dos estudantes da UnB que se escondiam na marcenaria dele (dentro da edificação
do Minhocão, na universidade da capital) e se disfarçavam de trabalhadores.
"Ao longo de nossos encontros, fui percebendo que ele definitivamente tornou Brasília sua amada; espécie de mulher, filha e amiga. Ele detém uma conversa pessoal e muito íntima com Brasília. Delfini fala ainda sobre a sua atividade de marcenaria dentro do Teatro Nacional (posicionando as divisórias do centro cultural) e também apontando mistérios em torno de trabalhadores que o teatro guarda", revela a diretora.
Com estímulo de produção possibilitado pelo Fundo de Apoio à Cultura, Delfini Brasília
traz na trilha sonora Lua branca (Chiquinha Gonzaga), com arranjos retrabalhados por Aluízio
Marcelino de Sousa. O filme teve exibição virtual e competiu na Mostra Brasília, pelo 53º
Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
Para Maria do Socorro, o debate de logo mais trará temas como o da necessidade se de conhecer onde estão e como vivem "as velhas e velhos pioneiros sobreviventes da construção de Brasília", isso além do ressaltar do descaso com o patrimônio humano local. Das exibições anteriores do filme, a diretora aponta como recorrentes os elogios e o encantamento "com a qualidade de relatos do velho marceneiro, boêmio, que não resistiu aos encantos da cidade que ajudou a construir e por ela renunciou até mesmo a uma noiva em Patrocínio (MG)".