Amanhã é dia de celebrar os 80 anos de Ney Matogrosso, um dos mais expressivos representantes da cena musical brasileira. Por imposição da pandemia de covid-19, o cantor, ator e iluminador, nascido em Bela Vista (MT), na fronteira com o Paraguai, que iniciou a carreira musical em Brasília, na década de 1960, não poderá festejar a data cercado por amigos. Até mesmo o lançamento do álbum Nu com minha música, que estava programado para ser lançado, como parte da comemoração, precisou ser adiado.
Por enquanto, os fãs de Ney poderão apreciar apenas quatro canções desse trabalho, registradas num EP, que a Sony Music (nova gravadora do cantor) disponibilizará neste sábado nas plataformas digitais: Gita (Raul Seixas), Se não for amor, eu cegue (Lenine e Lula Queiroga), Unicórnio azul, do cubano Silvio Rodrigues; e Nu com minha música, de Caetano Veloso.
Recentemente, chegou ao mercado Ney Matogrosso — A biografia, escrita pelo jornalista e crítico musical Júlio Maria, resultado de cinco anos de pesquisa e quase 200 entrevistas. Sobre o livro, lançado pela editora Companhia das Letras, Caetano Veloso escreveu: “Leitura emocionante. Júlio Maria vai fundo no retrato do artista, que marcou para sempre a vida brasileira”. Ao se referir ao biografado, o tropicalista ressaltou a maturidade, a dignidade e destacou a condição de “um ser humano fascinante”.
Em Brasília
Quando chegou a Brasília, em 1961, Ney de Souza Pereira era um jovem sonhador, adepto da filosofia hippie e completamente indeciso sobre que profissão seguir. Instalado no apartamento de um primo, na Asa Sul, passou a trabalhar no laboratório de anatomia patológica do antigo Hospital de Base. Apreciador das artes, começou a se interessar pela música, cantando em bares, programas de tevê e no coral do Centro de Ensino Elefante Branco. Chamava a atenção por possuir registro vocal raro, o de contralto — o mais grave das três variedades da voz feminina.
Começava ali a trajetória artística de um dos maiores intérpretes da MPB, que foi descoberto pelo país como integrante da revolucionária e performática banda Secos & Molhados. Entre 1972 e 1973, ao lado de João Ricardo e Gerson Conrad, Ney Matogrosso compartilhou incontáveis shows, inclusive os dois que foram apresentados, numa mesma noite, aqui na cidade, no Ginásio Nilson Nelson. O grupo lançou dois LPs — hoje históricos — nos quais foram registrados clássicos como Sangue latino, O vira, Fala, Flores astrais e Rosa de Hiroshima.
A carreira solo de Ney Matogrosso teve início em 1975, ao lançar Pássaro, o disco de estreia, que deu título, também, à primeira turnê, com passagem por Brasília. Da discografia do cantor, constam 33 títulos, sendo 24 registros de estúdios e nove ao vivo. O mais recente é Bloco na rua, nome também ao espetáculo visto em várias cidades brasileiras; e que, na capital, ocupou o palco do auditório master do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em dezembro de 2019.
Na última quarta-feira, por telefone, o cantor concedeu entrevista ao Correio, na qual se deteve em lembrar do período no qual morou em Brasília, onde, segundo ele, iniciou a carreira artística e, aos 20 anos, vivenciou sua primeira relação homo-afetiva.
» Entrevista / Ney Matogrosso
Chegar aos 80 anos representa o que para você?
Para mim, é apenas uma data. Na verdade, tive um baque quando completei 60 anos. Mantenho-me com saúde, trabalhando bastante e, por isso, não vejo o tempo passar.
O que faz para manter o físico privilegiado que ostenta?
Houve tempo em que eu praticava exercícios físicos na piscina, mas, depois, passei a fazer musculação. Puxo peso até hoje, para manter o tônus muscular. Sou rigoroso quanto a isso.
Para manter-se em boa forma, segue alimentação balanceada?
Não sou de fazer regime, nem tenho qualquer tipo de restrição alimentar. Não me privo do que gosto. Como de tudo, inclusive sorvete, mas sempre com parcimônia. Sempre foi assim.
Você se mantém sexualmente ativo?
Não posso reclamar da libido, mas, como não sou casado, nem estou namorando, as coisas estão mais tranquilas nesta área; até porque, com a pandemia, os encontros e a troca de carinho se tornaram difíceis. Um amigo me apresentou o tinder, mas não me entusiasmei com aquilo. É algo muito cru. Para que possa ter uma relação com alguém, é preciso que, antes, tenha um flerte. Comigo essa coisa de aventura não funciona.
Como vai celebrar o aniversário?
Não planejei nada, nem poderia. Com tantas e necessárias restrições com as quais temos de conviver, por conta do vírus, fica difícil programar alguma comemoração. Aliás, nunca fui muito de celebrar aniversário.
Nu com minha música, seu novo álbum, que era para sair agora, teve o lançamento adiado, Por que?
Foi uma decisão da Sony Music, gravadora que agora me tem sob contrato. Mas quem gosta de me ouvir em disco terá à disposição um EP com quatro faixas, que chega neste domingo, data do meu aniversário, nas plataformas digitais, com as músicas Nu com minha música (Caetano Veloso), Gita (Raul Seixas), Se não for amor, eu cegue (Lenine e Lula Queiroga) e Unicórnio azul, do cubano Silvio Rodrigues.
Pode adiantar algo mais sobre o CD?
O disco já está mixado e deve ser lançado em outubro. O repertório traz releituras de canções como Sua estupidez (Roberto e Erasmo Carlos), Espumas ao vento (Accioly Neto), Faz um carnaval comigo (Pedro Luiz), Noturno (Vitor Ramil), obviamente, as que foram registradas no EP, além de outras.
Já teve tempo de ler Ney Matogrosso — A Biografia, de Júlio Maria, lançada pela Companhia das Letras?
Eu havia lido boa parte do que está na biografia antes do lançamento. Como estive muito ocupado nas últimas semanas, ainda não pude me ater ao livro, que foi recebido com elogios.
O livro, claro, traz muito do período em que você morou em Brasília.Que lembranças guarda dessa fase de sua vida?
Brasília foi muito importante para mim. Foi aí onde minha carreira musical teve início, cantando em casas noturnas, programas de tevê, no Coral do Elefante Beanco e no Madrigal de Brasília. Tudo isso contribuiu para minha formação, enquanto artista, à qual juntei também a experiência como ator. Meu primeiro trabalho, porém, foi como servidor do Hospital de Base, inicialmente no laboratório de anatomia patológica; e depois como recreador na unidade de pediatria.
Da sua passagem pela cidade, o que mais guardou na memória?
Morei em Brasília durante dois períodos. Inicialmente de 1961 a 1966 e depois entre 1969 e 1970. Lembro da W3 sendo asfaltada, da loja Bibabô e do restaurante Caravelle, que existiam ali. Me recordo também do plantio de árvores no Eixão.
E no campo pessoal?
Fiz muitos amigos no meio teatral, na UnB e entre e nas embaixadas. Foi em Brasília onde vivi minha primeira experiência homoafetiva, aos 20 anos.
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