As conexões que os espectadores sentem diante de um filme constituem um processo natural e, muitas vezes, estimulam conversas que se espraiam para outros momentos da vida. Foi justamente observando o que os espectadores falam entre si dos filmes e com que intensidade, que o produtor de cinema Marcus Ligocki Jr. alavancou uma nova plataforma de streaming batizada de XBPIX. Sonoramente, o nome remete à exibição de filmes — pictures, no caso. Com mais de 20 anos no mercado de produção audiovisual, Ligocki demarca que foi o bom e velho boca a boca entre cinéfilos que criou toda a indústria da sétima arte.
A XBPIX tem como diferencial ser a única plataforma que disponibiliza seus títulos a partir da indicação de usuários para usuários, diretamente. Assim, ela auxilia a conectar os filmes com um público com maior potencial de consumo. “Até hoje as pesquisas mostram que, apesar da aplicação de Inteligência Artificial da Netflix, mais de 80% dos filmes vistos lá se projetam a partir da indicação de um amigo consumidor”, comenta o empreendedor. A monetização veio como diferencial da nova plataforma. “Se alguém assiste e compartilha o link, e o link gera novo aluguel, o primeiro espectador recebe parte do valor de volta. Ao final, a operação pode até reverter em lucro, pelo consumo do filme”, explica Ligocki Jr.
Esse serviço de locação segmentado, que tem os usuários como curadores, distribui obras de produtoras como Dowtown, Paris, O2Play e Imagem Filmes, num catálogo inicial de 22 filmes, mas que avança para 65 obras já sob contrato. Com formação executiva em cinema e tevê, o agora empresário viveu todo o crescimento do setor audiovisual, entre os fins dos anos 1990 e 2010, e acredita que poderá ancorar experiências inovadoras no segmento. “Fiz parte do comitê gestor do Fundo Setorial da Ancine (Agência Nacional do Cinema) e, à época, estive nas discussões das políticas de fortalecimento do setor junto a produtores, exibidores e distribuidores. Sempre com a vontade de que os filmes chegassem ao público”, avalia.
Numa análise, Ligocki pretende injetar uma reação à falta de recursos para a promoção dos títulos das produtoras independentes (estimadas em 790, no Brasil ) que, no cenário atual, perderam aspectos de competitividade. “Queremos impulsionar obras que promovam diversidade e consolidem maior autonomia para os produtores. Democratizar o acesso aos filmes “, sintetiza.
Compartilhar é preciso
A base para a exploração da economia de compartilhamento pela XBPIX derivou de vivências como a participação de Ligocki numa feira de tecnologia na Finlândia, uma dinâmica junto ao Sebrae e a disposição de R$ 600 mil de investimentos em equipe de desenvolvedores (de tecnologia) qualificados, advogados e todo um time para a infraestrutura. A interatividade reina como um dos maiores diferenciais na maneira como os espectadores da XBPIX se relacionam com um filme. “A pessoa pode puxar, na plataforma, a imagem exata de um filme, fazer um post e comentar coisas como desde uma interpretação até o gosto por uma locação. Há formas de potencializar elementos que seriam comentados numa conversa corriqueira”, observa o idealizador do projeto.
Filmes de terror independentes, dramas e comédias, junto com a primeira leva de títulos internacionais e populares integram as opções iniciais disponibilizadas pela XBPIX. Ligocki conta que, no momento, estuda um modelo adequado para o acolhimento de curtas-metragens. Filmes locais como Um assalto de fé e Rock Brasília — Era de Ouro figuram no catálogo ao lado de atrações como Estômago e Mundo cão (ambos de Marcos Jorge) e do documentário Chorão: Marginal alado. Entre os planos está a negociação de filmes clássicos assinados por Vladimir Carvalho.
Maior independência
“Só a Netflix não dá conta da minha cinefilia”, comenta o produtor e diretor de cinema Cavi Borges. Transitando entre Amazon, Mubi, Reserva Imovision e Netflix, Cavi apresenta ainda um outro caminho que desemboca no filme brasileiro independente, e é motivo de orgulho pessoal: o portal da Cavídeo, atualmente em festa, celebra 24 anos de atividades. “Conseguimos unificar um abrigo para produções que têm, no acesso, o diferencial de serem gratuitas e acessíveis com um único clique. São filmes raros. Por enquanto, foram 9 mil visualizações na plataforma”, comemora.
Entre 370 produções audiovisuais estão desde filmes até séries, vídeoarte e webséries. Os acessos têm sido impulsionados por cerca de 100 artistas, entre diretores, atores, roteiristas, diretores de fotografia e diretores de arte, além da corrente de público que envia a dica para amigos, como pontua o cineasta. “A gente estima um público de 40 mil pessoas (até 1 de agosto). O legal do on-line é que você atinge pessoas de outros países e Estados. Tem gente em Portugal, nos EUA, um alcance muito maior. A pandemia acelerou o processo do streaming; em um ano, solidificou algo que levaria uns quatro”, opina Cavi.
Produções recentes, com longas como Fado tropical, Reviver, O cinema é minha vida, Me cuidem e outros filmes feitos durante a pandemia se juntam a fitas distribuídas pela Cavídeo. Entre uma dúzia de diretores homenageados estão, por exemplo, Neville d´Almeida, Luiz Rosenberg Filho e Antônio Carlos da Fontoura.
Relevância do clássico
Um crescimento considerável para um streaming de nicho específico despontou com a pandemia trazendo desafio para a plataforma Oldflix. De Natal (RN), nove pessoas viabilizam a disponibilidade, em esquema on demand, de conteúdos anteriormente licenciados para um canal de tevê (a TV União de Natal). O objetivo da plataforma é resgatar grandes clássicos do cinema, tornados disponíveis on-line. Entre os títulos mais acessados estão Cantando na chuva, A vida é bela, Bonequinha de Luxo, A bela da tarde e O retrato de Dorian Gray. Por enquanto, o equilíbrio de custos no pagamento das licenças (dos direitos das obras) e da estrutura de TI para manutenção do streaming são os retornos
financeiros celebrados pela equipe do Olflix.
Genuína e amazônica
Projeto executado há um ano, com sede em Belém (Pará), a AmazôniaFlix foi adiante a partir do dilema na segurança e exibição dos filmes do 6º Festival Pan-Amazônico de Cinema — Amazônia Doc. Com inscrição e acesso à plataforma gratuita, a ferramenta dá acesso ao catálogo degustação de filmes paraenses.
“Não temos nenhum retorno financeiro. A plataforma não foi desenvolvida para ser monetizada”, sublinha Zienhe Castro, diretora geral e curadora que integra equipe dos os sete colaboradores, entre diretores de programação, de TI e especialistas convidados. “Temos conteúdo de nicho. Nossa concorrência é com a plataforma do grupo Itaú. Nosso maior desafio tem sido conseguir viabilizar parceiros para investimentos na plataforma para construção de um catálogo com bons filmes e a manutenção da gratuidade”, avalia Zienhe.
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Três perguntas
Zienhe Castro (da AmazôniaFlix)
Quais as propostas da plataforma?
Nosso principal objetivo é democratizar o acesso à nossa produção e contribuir com uma maior visibilidade para a cinematografia produzidas nas diversas Amazônias, por meio de uma curadoria predominantemente amazônica. Além de ser a idealizadora e curadora da plataforma AmazôniaFlix (www.amazoniaflix.com.br), a primeira plataforma streaming 100% da Amazônia Brasileira, sou cineasta, produtora e organizo o Festival Pan-Amazônico de Cinema — Amazônia Doc que já exibiu mais de 500 filmes entre curtas e longas brasileiros e de oito países do território Pan-Amazônico. São obras que não estão disponíveis na maioria das plataformas streaming e nem nos canais de tevê.
Como a pandemia refletiu na atuação de vocês?
Toda nossa vida migrou para o mundo on-line, inclusive as programações culturais, isso contribuiu e facilitou a construção e atração de novos públicos.
Que resultados concretos têm obtido?
Nos surpreendemos. Colocamos a plataforma em teste com uma mostra de filmes paraenses, a Mostra Égua do Filme, que é o nosso catálogo de degustação. Logo em seguida, hospedamos 65 filmes nacionais e internacionais das quatro mostras competitivas e mais quatro oficinas de audiovisual on-line, em outubro de 2020. Nesse período, obtivemos mais de 20 mil acessos de 30 países. Naquela ocasião, a programação não tinha nenhuma restrição geográfica.