Banda icônica do rock de Brasília, a Plebe Rude completa 40 anos neste mês. A celebração da data começou a ser programada em 2019 e culminaria com a produção e apresentação de um musical intitulado Evolução, título também do álbum homônimo com 14 músicas, nas quais as letras narram a saga do homem desde o despertar do homo sapiens até os dias atuais. A encenação do espetáculo, que teria direção de Jarbas Homem de Melo, foi adiada por conta da pandemia covid-19.
A Plebe deixou também de fazer turnê pelo país com o show Evolução, que estrearia no Circo Voador, no Rio de Janeiro; e de se apresentar no Rebellion, festival que celebra o punk rock, em Blackpool, no norte da Inglaterra. Restou à banda, por enquanto, o lançamento de 68, single do volume dois de Evolução, cuja letra fala de fatos históricos ocorridos em 1968, como a luta pelos direitos civis, protestos contra a Guerra do Vietnã, o assassinato de Martin Luther King e o lançamento do Apollo 8,que circundou a lua pela primeira vez.
Formada em 14 de julho de 1981, a Plebe Rude, viria a se transformar numa das principais banda do movimento, inspirado no punk rock, que aguçou a curiosidade dos brasileiros para a música que vinha sendo feita na capital federal naquela década. O grupo, originalmente, tinha como integrantes Philippe Seabra (guitarra e vocal), André X (baixo), Ameba (guitarra) e Gutje (bateria). Tempos depois, os dois últimos foram substituídos por Clemente e Marcelo Capucci. A Plebe lançou sete discos de estúdio e dois gravados ao vivo.
Líder da banda, Philippe Seabra é um dos mais inquietos e produtivos artistas da cidade, com atuação como compositor, produtor musical e articulador de vários projetos. O mais recente é o Rota do Rock, desenvolvido pela Secretaria de Turismo, que mapeia a história do rock brasiliense, com a instalação de placas em 40 locais do Distrito Federal. Sonhador, pretende também criar o Museu do Rock de Brasília.Quem o conhece, sabe que ele vai batalhar bastante por isso. Veja a seguir a entrevista que o roqueiro cinquentão concedeu ao Correio.
Que lembranças guarda dos anos 1980 quando a Plebe Rude surgiu em meio ao boom que ficou conhecido como Rock Brasília?
Brasília nos proporcionou uma experiência ímpar no mundo, a experiência de crescermos, praticamente, junto com a cidade. E, justamente por isso, ninguém dessa “tchurma”, como o Renato se referia a turma pioneira do punk, tinha nascido na cidade, mas, curiosamente, foi essa tchurma que acabou dando a Brasília sua cara e a colocou no mapa cultural brasileiro.
Qual foi a origem da Plebe?
Foi o André Mueller, amigo do meu irmão mais velho, que me apresentou ao punk quando eu tinha 13 anos. E mudou a minha vida para sempre. Ao ouvir a contestação de 78 Revolutions per Minute, dos irlandeses do Stiff Little Fingers, tinha encontrado meu nicho. Logo em seguida, montei a banda Caos Construtivo com alguns amigos Iugoslavos e passamos a abrir shows dos Metralhaz, Blitz 64 e Aborto Elétrico. Saí da banda, coincidentemente, quando o André saiu dos Metralhaz, em 7 de julho de 1981. Entramos no ônibus 136 rumo ao Lago Norte, ele vindo da UNB e eu vindo da escola, pois tinha 14 anos apenas. Como ele era meu vizinho de rua, ao dobrar a esquina e irmos para as respectivas casas, ele me perguntou se eu queria montar uma banda.
O punk rock, então, foi a principal referência da banda?
Claro, foi o ponto de partida para todo o movimento de rock de Brasília. Mas friso, ‘ponto de partida’, pois a partir daí começamos a criar o nosso próprio estilo. Na época, ninguém tocava covers como a maioria das bandas começam hoje em dia, a urgência e inquietação foi o que serviu de propulsores.
Na sua avaliação o LP O concreto já rachou é um marco na história do rock brasileiro?
Foi o alicerce do rock de Brasília que deu seriedade ao rock brasileiro. Com exceção do punk paulista , renegado ao underground, o rock de Brasília foi o que adicionou um nível de lucidez e urgência até então não vista na música popular desde o amansamento das temáticas da MPB devido ao arrocho da ditadura, com censura e a pressão para que vários artistas procurassem o exílio. Mesmo conseguindo burlar a censura e, volta e meia, uma música aqui e acolá aparecendo com um tom levemente contestatório, foi o rock de Brasília que conseguiu penetrar nessa muralha e levar temáticas fortes para o grande público. No caso do Concreto, nosso disco de estreia, com a produção impecável do Herbert Vianna, causou um impacto no meio musical, não apenas pelo nível das letras, das composições e vozes sobrepostas, mas com o som de guitarra que até então nenhuma banda tinha conseguido em disco. A revista Rolling Stone colocou O Concreto Já Rachou entre os 100 maiores discos da música brasileira.
Além de Até quando esperar, no seu entendimento quais são os outros grandes hits da Plebe?
Posso citar Proteção, A Ida, Censura, Brasília, Este Ano, Minha Renda, A Serra, O Que se Faz, Códigos Sexo e Karatê, além de Bravo Mundo Novo e Pressão Social, as preferidas de Renato Russo. Mas, depende da definição de hit. Não sei exatamente como a Plebe, com essa pegada e temática, conseguiu tocar no rádio, mas tocou. Já nos shows Brasília afora várias músicas da Plebe soam como hits consagrados, pois são sempre entoadas em coro. O mais importante é que é tudo 100 % Plebe. Com a exceção do André X, nunca tive outros parceiros.
Como é chegar aos 40 anos de trajetória musical?
A longevidade de uma banda ímpar como a Plebe realmente tem que ser comemorada. Nunca abaixamos a cabeça para o mercado nem apelamos para sentimentalismo barato. A Plebe carrega com orgulho a bandeira do rock de Brasília, sempre entendendo a importância da música impactante e consciente. Antes de mais nada, a amizade em primeiro lugar, e depois da entrada do Clemente, há 17 anos, e do Marcelo Capucci, na bateria, ficou mais fácil perpetuar o legado da banda.
Como a data está sendo comemorada?
A Plebe Rude acabou de lançar o seu décimo disco, o volume II do álbum duplo Evolução”. Com as composições deste álbum duplo, vamos montar um espetáculo, um musical. Comemoramos o dia do aniversário de 40 anos lançando a primeira faixa do Volume II, 68. O musical Evolução narra a saga do homem desde o despertar da consciência do homo sapiens há 200 mil anos. Já 68 narra o ano decisivo do século 20, o de 1968, quando houve lutas pelos direitos civis, a Primavera de Praga, a Guerra do Vietnã, O Ai-5, o assasinato de Martin Luther King... Mas, para mim, o ano termina com um tom esperançoso com o Apollo 8, em preparo para o pouso na lua do Apollo 11 no ano seguinte, circundando a lua pela primeira vez, e enviando a foto Earthrise, mostrando o nascer da terra no meio do breu.
A temática social sempre esteve presente em músicas da Plebe. Como vê os tempos difíceis de agora, com pandemia e sérios problemas sociais, econômicos e políticos vividos pelo país?
Como artista e compositor, fico feliz com a longevidade e relevância das músicas da Plebe, mas, como pai e cidadão, fico estarrecido ao ver que as letras da Plebe não envelhecem. Até Censura, que deixamos de tocar uns 10 anos atrás, por ser bastante datada, teve que voltar ao repertório. A pandemia veio para lembrar a humanidade sua fragilidade e, infelizmente, tem sido fulminante para todos nós. Perdi uma tia e a música de Brasília perdeu Toninho Maya e Sandrox, que vinha da banda 10zer04, da qual produzi dois discos. A perda de mais de 500 mil almas brasileiras, impulsionada por causa de populismo barato e negacionismo, no mínimo, é criminosa. Fico feliz ao ver a ciência finalmente alcançando essa pandemia, mas se não conseguirmos anular o verdadeiro vírus, a intolerância, ignorância e extremismo, seria como se toda a evolução da humanidade, e todas as vitórias do homo sapiens, fossem em vão.
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